A Fundação Berardo já recebeu a notificação do início do procedimento de extinção por parte do Estado. Ao Observador, o seu advogado, Paulo Saragoça da Matta, diz que é um procedimento ilegal e injusto, acrescentando mesmo haver uma perseguição a Joe Berardo.

O Governo deu início a um procedimento de extinção da Fundação José Berardo na passada semana. Os bancos credores e a Fundação já foram notificados, confirmou o Observador junto das partes. O procedimento inicia-se com esta notificação, tendo por base, conforme noticiou o Observador, um relatório da Inspeção-Geral das Finanças que concluía que a entidade promovia atividades fora do seu âmbito de atuação legal.

Notificada do início do procedimento, a Fundação Berardo vai responder ao ofício. E o seu representante legal, Paulo Saragoça da Matta, assume desde já ao Observador que a Fundação Berardo “vai obviamente exercer todos os direitos de defesa que a lei portuguesa lhe confere”.

Para este advogado, esta intenção manifestada pelo Estado “é em si, naturalmente, injusta” e, ainda que tenha ainda de ser estudada, é “ilegal, porque não preenche os pressupostos legais, os requisitos exigidos na lei, para que se possa determinar uma extinção de uma fundação”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Conforme avançou o Observador, a extinção tem por base uma auditoria da Inspeção-Geral das Finanças, no âmbito da qual “foram recolhidos elementos que indicam que o fim real da Fundação não coincide com o fim previsto no ato de instituição, o que constitui causa de extinção de fundações privadas por parte da entidade competente para o reconhecimento”, explicou a Presidência do Conselho de Ministros ao Observador.  A IGF assumia que as atividades principais “desenvolvidas [pela Fundação] consistiram na realização de operações financeiras com risco de mercado elevado (isto é, aquisição de ações/participações de capital), com contração de empréstimos avultados (980 milhões em dívida no final de 2017), o que agravou o seu rácio de endividamento para 207%”. A IGF escrevia ainda que apenas 0,1% dos ativos tinham sido afetos a fins estatutários em 2017.

Governo vai extinguir Fundação Berardo. É a primeira vez que o Estado acaba com uma fundação privada

Paulo Saragoça da Matta, sócio da Saragoça da Matta & Silveiro de Barros (SM&SB), refuta esta acusação dizendo que “nada disso corresponde à verdade”, como diz que já não corresponderia quando foi feita a auditoria. “Não vou revelar, neste momento, os elementos da defesa do senhor comendador e neste caso em concreto da Fundação porque acho que seria um mau serviço prestado ao meu constituinte. Mas uma coisa posso dizer, os pressupostos em que assenta o dito relatório da IGF e da AT (Autoridade Tributária) não são verídicos, em geral não são verídicos”.

O Governo admitiu, por outro lado, ao Observador que a informação da Fundação José Berardo a que tem acesso está desatualizada, correspondendo à que serviu de base ao relatório da IGF (dados até 2017). Saragoça da Matta admite que ainda vai ter de estudar a notificação, mas acrescenta: “se o Estado português iniciar uma fiscalização sobre o cumprimento de requisitos formais, alguns deles meramente burocráticos, por parte de todas as fundações portuguesas se calhar dois terços terão de ser extintas pela Presidência do Conselho de Ministros no próximo ano”.

Razões que o advogado aponta para concluir que está a haver uma perseguição ao empresário madeirense, desde 2019. Joe Berardo foi à comissão de inquérito aos atos de gestão na Caixa Geral de Depósitos em maio desse ano.

A audição de Joe Berardo em cinco momentos e uma “perseguição” já fora do Parlamento

Após essa audição, foi aberto o processo que pode levar à retirada da comenda a Joe Berardo. Mas, conforme noticiou a Visão em 2021, o processo ficou parado por causa da pandemia. Foi também após essa participação na comissão de inquérito que Berardo foi detido em junho de 2019, por suspeitas de crimes como burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais, tendo o juiz imposto uma caução de cinco milhões de euros. Também os bancos avançaram, mas isso numa fase anterior, às execuções das dívidas de Berardo.

Bancos já pediram “execução sumária” de 962 milhões de euros de Joe Berardo

Agora avança o procedimento de extinção da Fundação José Berardo, cujo património não se sabe ao certo qual é. Saragoça da Matta diz que essa questão é prematura de se colocar.

De acordo com as regras, iniciado o procedimento, o Estado consulta o Conselho de Consultivo das Fundações e só depois toma uma decisão, que terá de ser colocada em audiência prévio por 20 dias. E é desta decisão que o advogado de Berardo admite que irá “exercer todos os direitos de defesa que a lei portuguesa nos confere e independentemente do que diz a lei portuguesa não deixaremos de atuar também todos os mecanismos de direito internacional que sirvam para proteger o senhor comendador contra esta situação que considera ser de verdadeira perseguição pessoal”. Saragoça da Matta diz mesmo que esta decisão [de extinção] é mais um capítulo de uma tragicomédia que se tem verificado  à volta do senhor comendador José Berardo desde julho de 2019, em que têm sido anunciadas medidas governamentais, mais a nível de Estado, e também se tem tomado uma série de medidas processuais a nível criminal que são claramente prossecutórias do senhor comendador José Berardo”, enumerando não apenas o processo relativo à eventual perda da comenda, como à detenção e agora à intenção de extinção da Fundação. “Tudo isto mostra que são atos sucessivos e reiterados do próprio Estado, nas suas valências, contra um determinado cidadão e sempre com uma espetacularidade e um anúncio público prévio que não faz nenhum sentido”.

Com esta defesa o procedimento de extinção pode, assim, levar alguns anos até ficar concluído,