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O comendador Joe Berardo em entrevista à Agência Lusa no âmbito da inauguração do novo museu da colecção Berardo - Aliança Underground Museum, em Sangalhos, Anadia, 25 de abril de 2010. (ACOMPANHA TEXTO) PAULO NOVAIS/LUSA
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Governo vai extinguir Fundação Berardo. É a primeira vez que o Estado acaba com uma fundação privada

A decisão do Governo está tomada: vai extinguir a Fundação José Berardo. Governo toma decisão depois da IGF ter concluído que a Fundação promovia atividades fora do seu âmbito de atuação legal.

O Governo vai extinguir a Fundação José Berardo, depois de um relatório da Inspeção-Geral das Finanças ter concluído que a entidade promovia atividades fora do seu âmbito de atuação legal.

Esta decisão foi confirmada ao Observador pelo Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, assumindo que “o procedimento administrativo com vista à extinção foi iniciado oficiosamente a 5 de janeiro de 2022”. O Observador sabe que os bancos credores – Caixa Geral de Depósitos, BCP e Novo Banco – já foram notificados desta intenção do Governo, mas recusaram fazer comentários, até porque, de acordo com uma das fontes bancárias, a notificação está a ser analisada. Também a Fundação José Berardo não prestou declarações, ainda que fonte ligada à entidade tenha referido ao Observador que, até ao início da tarde desta sexta-feira, não tinha qualquer notificação. A sede fiscal da Fundação é no Funchal, na Madeira, o que pode explicar que os bancos já tenham sido informados, mas a entidade não.

Joe Berardo, contactado pelo Observador ao início da noite, não respondeu a qualquer pergunta colocada sobre o tema da extinção da Fundação: “Não posso comentar nada, thank you”. A Fundação Berardo foi por si criada, a 12 de novembro de 1988, e da qual é presidente honorário vitalício, mas também como presidente do conselho de administração e presidente do conselho de curadores.

O relatório da IGF que está na base da extinção

A decisão de extinguir a polémica Fundação José Berardo é tomada agora, mas depois de um comprometedor relatório da Inspeção-Geral de Finanças.

Segundo o ministério liderado por Mariana Vieira da Silva, uma decisão do tribunal da Madeira (no âmbito do processo n.º 5774/17.7T8FNC) suscitou dúvidas sobre a compatibilidade do objeto social da Fundação com o investimento “de risco” associado à aquisição de ações. A Fundação comprou, entre outros títulos, ações do BCP, o que, aliás, levou à contração de avultados créditos junto da Caixa Geral de Depósitos, tornando Joe Berardo um dos maiores devedores do banco público.

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Com base na decisão judicial, a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) realizou uma auditoria à entidade, no âmbito da qual “foram recolhidos elementos que indicam que o fim real da Fundação não coincide com o fim previsto no ato de instituição, o que constitui causa de extinção de fundações privadas por parte da entidade competente para o reconhecimento”. Isso mesmo diz a Lei-Quadro das Fundações. Junta-se a esta auditoria da IGF a apreciação feita pelo Ministério Público — Procuradoria da República da Comarca do Funchal aos estatutos da Fundação, a pedido do Governo, que acabou por ter conhecimento da auditoria das IGF nesse âmbito. Com um desfecho possível: a extinção da Fundação acionada pela entidade competente pelo reconhecimento e ouvido o conselho consultivo das Fundações.

Uma das razões para a extinção pelo Estado é a determinação de que “as atividades desenvolvidas demonstrem que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição”, segundo o diploma legal.

Que bens detém a Fundação e o que é que acontece a esses bens?

Segundo revela o ministério ao Observador, já foi pedido parecer ao Conselho Consultivo das Fundações, seguindo-se “a fase de elaboração de projeto de decisão e a notificação dos interessados para audiência prévia”. Depois destes trâmites, uma decisão final de extinção desencadeia a abertura do processo de liquidação do património com nomeação de liquidatários. Um processo cuja demora “é difícil estimar com rigor”, assume fonte oficial do gabinete de Mariana Vieira da Silva.

A incógnita também é saber o verdadeiro património desta Fundação, até porque há bens arrestados no âmbito de diversos processos judiciais, nomeadamente pelas execuções promovidas pelos três bancos. Ainda assim, o Governo garante que “não há nenhuma relação direta entre uma eventual decisão de extinção e os processos em curso”. Os bancos ainda estarão a analisar. A execução de várias entidades de Berardo por parte dos bancos ascendia a mil milhões de euros.

O que não cair na alçada dos bancos, através da execução, avança para a liquidação, ou seja, para pagar outras dívidas que possam existir (fisco, Segurança Social, trabalhadores, etc). Liquidados todos estes créditos e se ainda sobrar ativos aí sim será Joe Berardo e os instituidores a ficarem com o produto da liquidação conseguido.

Não é conhecido ao certo o património que a Fundação Berardo ainda tem na sua posse, sendo-lhe atribuída a Quinta “Monte Palace” na Ilha da Madeira, de onde é natural o comendador Joe Berardo, e que terá sido alvo de arresto em 2019.

De acordo com informação que a Informa D&B compila de registos de atos oficiais, a Fundação José Berardo é referida como sendo acionista da Metalgest, da Empresa Madeirense de Tabacos e Sintramodernarte. Não se sabendo ao certo, poderá haver uma participação desta Fundação na Associação Coleção Berardo, detentora da coleção de arte exposta no Centro Cultural de Belém.

O próprio Governo admite, ao Observador, que a informação que a Secretaria-Geral da PCM dispõe sobre a Fundação “está desatualizada, correspondendo à que serviu de base ao relatório da IGF (dados até 2017)”. É que, acrescenta, “a Fundação não tem cumprido devidamente os deveres legais de transparência impostos pela Lei-Quadro das Fundações, nomeadamente de enviar aos serviços da Presidência do Conselho de Ministros os relatórios e contas”. Também por isso esta Fundação, conforme noticiou o Público em fevereiro de 2021, perdeu o estatuto de utilidade pública.

Em finais de 2019, o Instituto da Segurança Social da Madeira (ISSM) procedeu ao cancelamento do registo como IPSS, por “falta de exercício, durante um período de três anos, de atividades necessárias à realização dos fins de segurança social”. Em 2017, o valor afeto aos fins estatutários equivalia apenas a 0,1% dos ativos, ou seja, 599 mil euros, lê-se na síntese de resultados da auditoria da IGF que ainda identificou “despesas sem conexão com as finalidades de cariz social da fundação/IPSS e/ou em benefício direto de familiares do fundador (250 mil euros), sem enquadramento nos estatutos e na lei”.

Aí também é referido que a 31 de dezembro de 2017, “o ativo líquido da fundação totalizava 481,8 milhões de euros, traduzindo uma redução de 255,8 milhões face a 2016 e de 757,3 milhões face a 2011, originado sobretudo pelo decréscimo do valor dos investimentos financeiros”. As atividades principais “desenvolvidas consistiram na realização de operações financeiras com risco de mercado elevado (isto é, aquisição de ações/participações de capital), com contração de empréstimos avultados (980 milhões em dívida no final de 2017), o que agravou o seu rácio de endividamento para 207%”. Conclui a IGF que “a Fundação não cumpriu algumas obrigações previstas no Estatuto das IPSS e na Lei-Quadro das Fundações”.

Ao pedido à Inspeção-Geral das Finanças, pelo Observador, para a obtenção do relatório da  auditoria à Fundação Berardo, fonte oficial do Ministério das Finanças – a quem cabe responder pela entidade inspetiva – recusou, dizendo que o relatório de auditoria e anexos “foram enviados para a exma. senhora procuradora-geral de República, que classificou o processo como confidencial”, informando ainda que apenas a Procuradoria-Geral da República poderá “eventualmente autorizar” o envio da documentação solicitada.

Mas da PGR chega a resposta de que não classificou o documento como confidencial, acrescentando que esse relatório foi encaminhado para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), “onde se encontra em investigação nesse departamento e está sujeito a segredo de justiça”.

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Joe Berardo foi detido em junho de 2021 no âmbito da investigação aos empréstimos ruinosos da Caixa Geral de Depósitos (CGD), indiciado por crimes que terão lesado o banco público em 439 milhões. Em julho, pagou uma caução de cinco milhões de euros. A Fundação Berardo também foi constituída arguida.

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Apesar deste quadro, a Fundação José Berardo ainda surge nos dados da Autoridade Tributária como entidade com direito a benefícios fiscais até 2020. Essas listas, consultadas pelo Observador, mencionam, pelo menos desde 2015, a Fundação José Berardo como beneficiária. Desde esse ano até 2020 a Fundação do comendador Joe Berardo teve uma isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) no total de 39.202,47 euros. A mesma fundação beneficiou em 2015 de uma isenção do Imposto de Selo de 16.703,60 euros. Em 2020, de cerca de 52 mil entidades, 235 conseguiram aceder a benefícios acima de um milhão de euros.

Fundação Berardo é a primeira fundação privada a ser extinguida pelo Estado português

Terá sido através da Lei-Quadro das Fundações que se conseguiu iniciar o processo de extinção da Fundação Berardo esta semana. Na Lei n.º 24/2012, publicada em Diário da República, é expresso na alínea 2.b que “quando as atividades desenvolvidas demonstrem que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição” as fundações podem ser extinguidas pela entidade competente para o reconhecimento, ouvido o Conselho Consultivo das Fundações.

Em causa estará a utilização de fundos da Fundação Berardo para proveito próprio da família de Joe Berardo. O registo de IPSS foi cancelado no final de 2019 conforme consultado na síntese do relatório da IGF: “em finais de 2019 (no decurso desta auditoria), o Instituto da Segurança Social da Madeira (ISSM) procedeu ao cancelamento do registo como IPSS, por “…falta de exercício, durante um período de três anos, de atividades necessárias à realização dos fins de segurança social”.

Esta será a primeira fundação privada a ser extinguida pelo Governo. Já outras fundações cessaram atividades e tiveram ordem de encerramento, mas nenhuma pelas razões mencionadas no relatório da IGF nem por iniciativa da Secretaria-geral da Presidência de Conselho de Ministros, a entidade competente para o efeito.

O próprio Governo admite não ter conhecimento de nenhum outro caso de extinção por iniciativa da entidade competente para o reconhecimento.

A existência desta auditoria da IGF deu ao Governo o que precisava para avançar com a extinção, o que só se tornou possível, também, com a alteração à Lei-Quadro das Fundações, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022. O Governo tem agora mais ferramentas para fiscalizar e extinguir qualquer fundação que não cumpra o propósito para o qual foi criada.

Esta alteração à lei foi defendida, na generalidade, na Assembleia da República pelo secretário de Estado da Presidência de Conselho de Ministros, a 7 de julho de 2021. Sem votos contra, teve o sim do PS, PSD, PCP, PAN, PEV e as abstenções do BE, CDS-PP, Chega, IL, e as deputadas não-inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

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