A fotografia de um índio a levar o pai às costas para tomar a vacina contra a Covid-19 está a dar a volta ao mundo. O jovem Tawy Zó’é, de 24 anos, carregou o pai Wahu Zó’é, de 67, durante seis horas pela floresta até chegar à cabana onde levaria a vacina. “Foi uma forma de tentar mandar uma mensagem do povo Zó’é, porque eles perguntam sempre se o branco está a vacinar-se e se a Covid-19 já acabou”, destaca Erik Jennings Simões, médico do povo Zó’é há décadas e responsável pela fotografia, à BBC News Brasil.

O registo foi feito a 22 de janeiro de 2021, o dia em que ambos os índios receberam a primeira dose da vacina, mas só foi partilhado nas redes sociais na semana passada.

A chegada do filho com o pai às costas emocionou Erik e os restantes profissionais de saúde: “Foi uma cena muito bonita da relação de amor entre eles“, relembra o médico. Logo após serem vacinados, Tawy voltou a colocar o pai às costas e regressou à floresta — aí Erik tirou a fotografia. O jovem não podia demorar muito, uma vez que tinha de chegar à aldeia antes de anoitecer. O médico estima que o percurso na floresta demoraria entre cinco a seis horas.

Erik explica que Wahu tinha má visão e um problema crónico grave no trato urinário e, por isso, não conseguia caminhar na floresta. Na floresta, ser carregado às costas “é o que funciona, porque não há ambulância”, acrescenta.

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A imagem eternizou o amor entre pai e filho que, mesmo antes da pandemia, caminhava desta forma com o pai pelas aldeias. Wahu morreu em setembro, devido a problemas urinários, e Tawy continua com a família na aldeia e recentemente tomou a terceira dose contra a Covid-19.

Não cruzar caminhos: estratégias  do povo Zo’é para evitar a propagação da Covid-19

No início da pandemia, segundo o médico, o povo Zó’é dividiu-se em grupos de aproximadamente 18 famílias, isolaram-se nas aldeias mais distantes e “adotaram uma estratégia para não se cruzarem nos caminhos entre eles e evitarem aproximação com os brancos”. O conhecimento da floresta permite que o façam.

No planeamento da vacinação, os médicos construíram o método mais seguro de proceder. Ficou decidido que a equipa usaria três cabanas próximas à base de saúde, lugares abertos e arejados, onde os Zó’é não dormiam. Cada família foi vacinada separadamente e, para a chegada ao local, cada índio ficou responsável pelo percurso na floresta para evitar encontros entre os grupos. Assim foi durante a primeira, segunda e terceira dose.

Cabana de vacinação

O médico explica que é mais seguro para os índios viajar para receber a vacina, devido à complexidade do terreno. “Se fôssemos às aldeias, demoraria semanas para vacinar todos”, justifica já que precisariam de dormir nas aldeias, devido às distâncias, e da ajuda do povo Zo’é na orientação. “Isso aumentaria o contacto com o povo indígena e a possibilidade de contaminação, justamente o que eles estavam a evitar”, afirma o médico.

Reforça ainda que adotam práticas “que respeitem e levem em consideração a cultura e o saber do povo Zo’é no cuidado da própria saúde”. “Evitamos, a todo custo, a imposição de nosso modelo biomédico que, muitas vezes, causa efeitos colaterais graves tanto físicos como psicológicos e culturais”, reitera Erik.