A defesa de João Rendeiro vai contestar um possível apoio presencial de procuradores portugueses no processo de extradição que o antigo banqueiro enfrenta na África do Sul. Ao Observador, a advogada June Marks garante que, se a equipa do Ministério Público viajar até àquele país para acompanhar o processo, vai “requerer que sejam afastados, uma vez que essa prática não é legal na África do Sul”.

João Rendeiro será presente a tribunal no dia 21 de janeiro para que se dê início ao processo de extradição para Portugal. Nesse dia, o antigo banqueiro poderá tomar uma de duas decisões: aceitar a extradição, o que aceleraria os prazos para o seu regresso; recusar a extradição, com a consequência de o julgamento da extradição se arrastar por tempo indeterminado.

Não sendo garantido que posição assumirá na próxima sexta-feira, uma coisa é certa: a defesa do antigo banqueiro defende a recusa da extradição. “As minhas instruções são para que recuse” essa possibilidade, assume a advogada, em declarações ao Observador.

Tribunais recusam intervenção externa nos processos

Esta quinta-feira, o Observador avançou a informação de que o Ministério Público português estudava a hipótese de enviar uma equipa de procuradores para a África do Sul. “Está a ser ponderada a constituição de uma delegação composta por magistrados do Ministério Público português com vista a deslocação à África do Sul para prestar todo o auxilio necessário e requerido pelas autoridades sul-africanas no contexto do processo de extradição”, referiu fonte oficial da Procuradoria-geral da República.

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PGR pondera envio de delegação do Ministério Público à África do Sul para acompanhar processo de extradição de Rendeiro

Os elementos dessa equipa já estarão, de resto, escolhidos. De acordo com o Expresso, os procuradores José Góis (que participou num dos processos que visavam Rendeiro em Portugal — precisamente naquele em que o antigo presidente do Banco Privado Português foi absolvido) e Joana Gomes Ferreira (especialista em cooperação internacional) serão os elementos destacados para acompanhar o caso no país.

Em causa não estará, à partida, uma intervenção direta no julgamento. Como o Observador escreveu, o objetivo da delegação do Ministério Público será prestar apoio ao Ministério Público sul-africano (NDA) com a interpretação da legislação portuguesa e na contextualização sobre os processos que envolvem o antigo banqueiro em Portugal, marcar presença na sessão de dia 21 e em futuras audiências no julgamento do pedido de extradição emitido pelas autoridades portuguesas e prestar apoio em recursos que venham a ser apresentados à decisão de primeira instância.

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Mas a defesa assume a determinação em impedir qualquer colaboração entre as autoridades portuguesas e sul-africanas nesse plano. “O Ministério Público sul-africano tem de agir de acordo com a lei e há casos anteriores que atestam que esta prática não é legal”, diz June Marks, que nas últimas horas tem estado a reunir informações sobre esses processos, com vista à formalização de um requerimento para que os procuradores portugueses sejam “afastados” do processo que corre no Tribunal de Verulam.

“É lamentável que os procuradores portugueses não tenham em consideração a lei sul-africana” porque “há uma série de processos na África do Sul em que se tentou prestar assistência ao NPA e que de deram origem a requerimentos para impedir essa assistência, uma vez que ela é ilegal”, diz ao Observador a representante legal de João Rendeiro naquele país da África Austral. “O NPA já tentou isto antes e o tribunal franziu o sobrolho” quanto à participação de terceiros em processos em curso. “O NPA não pode receber apoio de fora, especialmente se ele for prestado por pessoas que podem vir a ser chamadas como testemunhas.”

As declarações da advogada, especializada em crimes de colarinho branco e com experiência em processos de extradição como aquele que envolve o ex-banqueiro português, abrem a porta à possibilidade de June Marks tentar chamar ao processo elementos do Ministério Público português que tiveram intervenção em processos anteriores que visavam João Rendeiro.

Defesa de Rendeiro avisa: “Isto pode arrastar-se por anos”

O processo em que João Rendeiro foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documento chegou esta semana à África do Sul. Essa documentação era essencial para que o Tribunal de Verulam pudesse dar seguimento ao julgamento que vai avaliar a extradição do antigo banqueiro para Portugal — se não chegasse no prazo legal previsto (que foi alargado até 20 de janeiro), isso poderia resultar numa libertação imediata de João Rendeiro.

Detido na prisão de Wesville desde o dia 13 de dezembro, a defesa de Rendeiro apresentou recurso relativamente à decisão de manter o antigo homem-forte do BPP em prisão preventiva até lá e está, neste momento, a preparar um outro recurso, mais alargado, sobre a legalidade dos procedimentos que levaram à detenção de Rendeiro numa mansão da zona mais exclusiva de Durban, a 11 de dezembro.

Para isso, é necessário transcrever as sessões em tribunal do final do ano passado. Mas June Marks diz ao Observador que “poderá haver um problema com a gravação” dessas sessões, o que fará atrasar a entrega desse recurso. Ao mesmo tempo, deixa claro que é intenção da defesa recorrer às instâncias judiciais mais altas para tentar a libertação de Rendeiro. “Este caso vai chegar ao nosso tribunal constitucional e as autoridades portuguesas não poderão prestar qualquer assistência lá”, admite a advogada. “As autoridades portuguesas não percebem que isto pode arrastar-se por anos”, acrescenta Marks.