Até à chegada do INEM ao quilómetro 77,6 da A6, depois de um trabalhador ter sido atropelado pelo carro em que seguia o então ministro da Administração Interna, passaram 40 minutos. Nesse período de tempo, foram feitas três chamadas para o INEM e várias outras entre os diversos centros de operações de socorro e os bombeiros que tentavam descobrir o local do acidente. O inquérito feito a este atraso acabou por concluir que as equipas do INEM agiram bem e que não há motivos para sanções disciplinares — e o processo acabou arquivado. O problema partiu da informação inicial sobre a localização do acidente, dada pelo chefe de segurança pessoal de Cabrita, um elemento da PSP que vai ser constituído arguido no próximo dia 1 de fevereiro.
Segundo o relatório final do inquérito feito à atuação do INEM, que foi junto ao processo crime que acusa o motorista de Cabrita de homicídio por negligência, “a atuação do INEM fez-se em conformidade com os procedimentos instituídos”, lê-se no documento assinado a 9 de dezembro pelo presidente do conselho diretivo do INEM, Luís Meira, e que o Observador consultou.
Depois de recolhidos testemunhos e ouvidas todas as comunicações feitas entre as 13h00 e as 16h30 daquele dia 18 de junho, o INEM concluiu que se a informação da localização tivesse sido a correta, os meios acionados teriam chegado mais cedo ao local onde o trabalhador Nuno Santos acabou por perder a vida, depois de atropelado e projetado para o separador central.
Ainda assim, nas conclusões do inquérito, a direção do INEM pede ao Gabinete de Coordenação Nacional de Orientação Doentes Urgente que peça à ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência Proteção Civil) a partilha dos planos de todas as autoestradas com os seus pontos quilométricos e áreas de intervenção dos corpos de bombeiros, para evitar situações idênticas.
O registo de chamadas transcritas mostram que vários elementos dos centros de operações de socorro tentaram perceber a localização correta do acidente, voltando mesmo a telefonar para o chefe de segurança pessoal do ministro — o primeiro a ligar para o 112, às 13h08 — para que repetisse a sua localização. Nota-se também que só às 14h30 é que os psicólogos do INEM perceberam que o acidente tinha envolvido um ministro e um carro do Estado, e que quem tinha atropelado Nuno Santos era um elemento da comitiva de segurança de Cabrita.
O Observador mostra-lhe a maior parte das chamadas feitas naquelas horas de socorro, que dão conta do desespero dos meios de socorro para encontrarem o local, o desespero de quem estava na A6 à espera e de quem ali chegava, como a GNR e uma ambulância de transporte de doentes que parou por acaso e acabou por prestar a primeira assistência. Comunicações que mostram, também, como os psicólogos do INEM tentaram perceber se alguém precisava de apoio, sobretudo o condutor e os colegas da vítima, só sabendo mais tarde que em causa estava uma comitiva do governo. Algumas mensagens são reveladoras de um cenário confuso, em que um enfermeiro chega mesmo a referir que o então ministro da Administração Interna já tinha abandonado o local porque não estava no carro que atropelou — quando Eduardo Cabrita seguia, precisamente, no carro envolvido no atropelamento que vitimou Nuno Dias.
Cronologia do socorro ao acidente
13:08. O chefe de segurança pessoal de Eduardo Cabrita, que seguia no segundo dos três carros da comitiva, telefona para o 112. O elemento da PSP, Nuno Dias, identifica-se como polícia e refere que houve um “atropelamento”. Diz que é um trabalhador, do sexo masculino, terá 55 anos e que foi projetado para 10 metros do local onde estaria a trabalhar. Estava inconsciente e a perder sangue pelo nariz. É-lhe recomendado que não lhe toque, mas que não saia do lado dele.
13:09. A chamada é transferida para o CODU Sul. O polícia informa que houve um atropelamento na A6 sentido sul-norte ao km 77,7. Repete duas vezes.
13:11. Acionada Viatura de Emergência Médica (VMER) de Évora, depois de bombeiros afirmarem que têm uma ambulância disponível.
13:14. Depois de CODU Lisboa (central médica do INEM) ligar para VMER Évora e perceber que poderá haver erros na localização, voltam a ligar para o chefe de segurança da PSP. Desconhecem quem são os envolvidos no acidente. Nuno Dias insiste na localização. Diz que é após a sair de Montemor, sentido Évora-Lisboa, ao km 77,6.
13:17 . CODU Lisboa informa o CDOS Évora do acidente.
13:35. Um contacto com a Brisa revela outra localização do acidente.
13:37. Há uma segunda chamada para o 112, desta vez da GNR, que entretanto chega ao local e questiona-se sobre as razões para a demora dos meios de socorro. Diz que a localização é no sentido Estremoz-Évora, Este-Oeste. “Mas já disseram que era para vir uma ambulância e ainda não veio, pá”. Volta a referir: Este-Oeste.
13:38 CODU liga para a VMER para indicar nova (e correta) localização. “E pá, isso é para o lado errado, pá”. “Estamos praticamente a 70 km do local”, refere o médico, que sugere que seria mais rápido ativar o helicóptero.
13:46. Acionados Bombeiros Voluntários de Évora, já com a informação de que a vítima está em paragem cardio-respiratória.
13:46. Acionado SIV (Suporte Imediato de Vida) de Estremoz.
13h51. INEM recebe uma terceira chamada, desta vez da parte de um bombeiro de Portalegre que passa no local, por acaso, numa ambulância de transporte. Enquanto está ao telefone, vê uma ambulância da GNR a chegar. Pouco depois vê outra ambulância a chegar.
14h00. Central contacta VMER de Évora, que dá indicação de estar a 4 km local.
14h14. SIV de Estremoz confirma via SIRESP que a vítima está em paragem cardio-respiratória.
14h25. O Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do INEM liga para CODU de Coimbra e pergunta razões para aquela vítima estar na autoestrada. Respondem-lhe que não sabem.
14h27. A psicóloga do CAPIC telefona a vários intervenientes e acaba a ligar para o chefe da PSP a perguntar se há alguém no local que tenha presenciado o atropelamento. Desconhece neste momento quem está envolvido. Explica que é da psicologia, mas o chefe da PSP parece não perceber bem as perguntas, até que ela pergunta se acha que os colegas da vítima estão bem. “Dentro das circunstâncias, parecem-me normais”, responde. Fala então do condutor, que deverá precisar de apoio. Diz que estão a medir-lhe a tensão e a glicemia.
Já chorou, mas está connosco e nós vamos ver. Se a equipa médica que está não disser nada em contrário, levamo-lo para casa em segurança”, diz Nuno Dias.
14h30. Enfermeiro do SIV de Estremoz liga para CODU de Lisboa e diz que condutor precisa de apoio psicológico. Passam a chamada a uma médica e o enfermeiro explica: “A vítima mortal foi atropelada por um elemento da comitiva do senhor ministro da Administração Interna”. “O senhor ministro já não se encontra aqui, como é natural. Os elementos da comitiva são elementos do corpo especial da GNR, o individuo que fez o atropelamento está extremamente nervoso”, acrescenta.
14h39. Chamada para Marco Pontes, o motorista, que não sabe se há de responder e mostra-se confuso.
14h54. – CAPIC contacta SIV, que faz o contexto de quem é Marco Pontes. “Ele faz parte do corpo de segurança pessoal de segurança do ministro e isto era o ministro que vinha em comitiva”. Nesta altura, os meios de socorro pensam que ele seguia noutra viatura por altura do embate.
O senhor arrancou logo, não ficou sequer no local porque nem foi a viatura onde o ministro ia. E ele ficou no local com mais dois colegas com duas viaturas e estava extremamente nervoso, estava a chorar, com dificuldade em falar”, descreve o enfermeiro.
15h28. Psicóloga recebe o contacto de uma outra pessoa que lhe pergunta quando soube que no acidente estava envolvido um ministro.“Isto vai dar barraca”, diz, por causa do tempo em que os meios de socorro demoraram a chegar ao local e de todos os contactos que foi preciso saber.
16h25. GNR contacta CODU para apoio UMIPE (Unidade Móvel de Intervenção Psicológica de Emergência), para poder informar os familiares da vítima da sua morte.
16h28. Acionada UMIPE Lisboa
MP vai pedir levantamento de imunidade de Cabrita. Chefe da PSP interrogado dia 1 de fevereiro