No início da “grande festa de encerramento” da campanha da Iniciativa Liberal, no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, em Matosinhos, as dúvidas que alguns dos elementos da campanha expressavam não eram tanto políticas e programáticas quanto logísticas: “Temos merchandising para vender? T-shirts e bandeiras?”.

As dificuldades orçamentais da IL já foram assumidas, a “speaker” de serviço avisava quem ainda não tinha pagado o jantar para o fazer — não há almoços grátis, nem mesmo o jantar com os tradicionais bacalhau com natas e arroz de pato. Mas para os momentos altos ainda faltaria um pouco: um discurso de Carlos Guimarães Pinto transmitido em vídeo, dado estar com Covid-19, e sobretudo o último discurso de campanha do presidente do partido, João Cotrim Figueiredo.

Cotrim manteve o diapasão das declarações anteriores e somou um dado à equação: mesmo sem saber o resultado eleitoral, a IL já ganhou, anunciou. No final da noite, fonte da campanha abordava a possibilidade avançada por Rio de, mesmo não ficando em primeiro lugar, fazer uma “geringonça” de direita com CDS e IL: tal “só acontecerá com uma Iniciativa Liberal forte” e com muitos votos. E a ideia reforça a inutilidade do voto num “mal menor” (Rio) só para derrotar um “mal maior” (Costa), já que Rio pode não precisar de ficar em primeiro para governar.

Mas é importante, acrescentava fonte da IL, que se o PS for o partido mais votado e a esquerda não tiver maioria, Costa forme um Governo que seja chumbado no Parlamento. “Já quando foi os Açores, a IL achou que o partido mais votado [PS] deveria ter apresentado o seu programa de Governo para ser chumbado, como aconteceu em 2015 com Pedro Passos Coelho”.

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Nessa circunstância, com a direita em maioria e com PSD, Iniciativa Liberal, CDS e Chega a chumbarem previsivelmente um Governo do PS, o segundo partido mais votado (PSD) deveria ser convidado a formar Governo. E aí caberia ao PS e ao Chega viabilizar ou não um Governo do PSD com participação ou viabilização garantida de IL e eventualmente com o CDS. Tudo isto sem negociar com o Chega, já que os liberais não admitem qualquer tipo de acordo ou negociação com o partido de André Ventura, como recusam a viabilização de um Governo socialista.

As três bandeiras: descer IRS, reformar SNS, privatizar a TAP

No piso superior do Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, Cotrim Figueiredo subia ao palanque decorado com slogans do partido (desde logo, “Portugal a crescer”) e ao som de “People Have the Power”, de Patti Smith. O arranque parecia a régua e esquadro do primeiro comício de campanha da IL, no último sábado, em Lisboa. E o discurso haveria de alinhar pelas mesmas notas, com frases repetidas quase ipsis verbis.

Numa fase inicial do discurso, Cotrim Figueiredo diria que o partido sabia bem “as bandeiras” que queria “erguer bem alto e com as quais queríamos atrair a atenção e o voto dos portugueses”. Se já as expusera, voltou a reforçá-las esta noite.

Bandeira 1: a descida de IRS. O PSD quer baixar impostos, mas faseadamente: numa primeira fase o IRC, só mais tarde o IRS. Cotrim aproveitava para voltar a carregar contra o voto útil: “Queremos subir o salário líquido dos portugueses mas não é como o PSD, lá para 2025 ou 2026. É baixando o IRS já”.

Bandeira 2: a reforma do SNS. Outro objetivo, anunciava Cotrim, era “acabar com a vergonha que são as listas de espera na saúde”. Mais uma oportunidade para marcar diferenças para o PSD: a IL não quer “operações de cosmética” nem “cócegas aos problemas”, quer sim “reformar estruturalmente o sistema e introduzir concorrência e liberdade de escolha, finalmente”.

Bandeira 3: privatizar a TAP. “Precisamos de emagrecer o Estado e queremos fazê-lo”, começava por avançar Cotrim. E novamente, a tese é que ninguém o fará como a Iniciativa Liberal: “Não é com tibiezas. É por exemplo privatizando a TAP o quanto antes”. Depois, mira apontada aos partidos com quem disputa eleitorado: “Não mudamos de posição sobre a TAP de três em três anos. Propusemos em janeiro de 2020, o PSD e o CDS abstiveram-se e todos os outros votaram contra. Só a Iniciativa Liberal votou a favor”.

Só há eleições dia 30, mas a IL “já ganhou”, diz Cotrim

A Iniciativa Liberal acredita no poder da repetição e vai insistindo nas suas ideias, nas suas mensagens e nos seus apelos para passar a mensagem. Um dos argumentos do partido, que Cotrim voltou esta sexta-feira à noite a reforçar: nenhum outro partido anunciou tão claramente o que considerará um bom resultado no dia 30 e, já agora, com quem admite chegar ou não a acordos.

Cotrim Figueiredo lembrava-o, discursando em cima do palanque: “O nosso objetivo eleitoral é 4,5% e eleger 5 mandatos. Podem subir ou descer sondagens, acontecer o que quiserem, a nossa estratégia é clara”. E recordava que o partido mantém o que tem dito “há meses, desde a convenção de dezembro”: nunca contribuirá para viabilizar “um Governo do PS” nem “uma geringonça 3.0”. E nunca participará “numa solução de Governo que inclua o Chega”. Cotrim acrescentava:

Dizemos isto há muito. Esta clareza compensa. É uma maneira diferente e clara de fazer política: assumir compromissos e responder por eles”, exclamava.

Ainda faltam quase 48 horas para se começarem a perceber os resultados de dia 30 — as primeiras projeções de resultados — mas o presidente da Iniciativa Liberal já vai cantando vitória: “Os temas que a IL trouxe marcaram a agenda nesta campanha. Quantos teriam falado na taxa única se não fossemos nós? Ninguém. Na TAP? Ninguém. Na necessidade absoluta de Portugal crescer? Ninguém. Em fazer uma reforma profunda no SNS? Ninguém. Trouxemos ideias novas, marcámos a agenda nesta campanha e só por isso já ganhámos”.

A “porta que se abriu” e a vontade de derrotar Bloco, PCP e Chega

Um dos pontos nítidos do discurso, por comparação aos dias anteriores, foi o reforço claro do apelo ao voto. Cotrim dirigiu-se especificamente para os jovens neste último discurso de campanha e perguntou-lhes: “Estão interessados em decidir o vosso futuro?”. Se sim, tem uma receita: “No domingo não fiquem em casa. Venham votar — em quem quiserem. Mas sobretudo se acreditarem naquilo que estamos a defender e no futuro que estamos a construir para vocês, venham votar na Iniciativa Liberal”.

Mais tarde, o candidato virava-se especiifcamente para as pessoas que “possam estar confinadas no domingo”: “Lembrem-se que é possível ir votar. Esse direito está garantido, não fiquem em casa, não deixem que outros escolham por vós, não tenham medo. Vão votar e quando forem votar ponham a cruzinha à frente de onde diz Iniciativa Liberal”.

Os militantes exultavam, gritavam repetidamente “liberal” e agitavam bandeiras. Mas Cotrim mudava o tom para mais seriamente abordar a hipótese do partido ficar em terceiro lugar: “Foi uma porta que se abriu e talvez muitos não esperassem. Aqui vos digo: quem quiser acabar com o bipartidarismo que afeta e sufoca Portugal há tanto tempo, vote na IL”.

Depois, veio o apelo ao voto para o partido fique em terceiro lugar — feito por oposição àqueles com quem o partido parece já estar a disputar a posição, que Cotrim atacou: “Se não quiseres que o Chega fique em 3º lugar — porque é um partido que não é competente nem fiável, é populista, põe portugueses contra portugueses e representa um retrocesso — vota IL”.

A quem não quer que o terceiro lugar vá para o Bloco de Esquerda, “essa emanação de uma doutrina que nunca existiu, se existisse nunca resultaria e não faz falta nenhuma”, Cotrim pediu também o voto na IL de modo a derrotar bloquistas. E disse o mesmo a quem não quer em terceiro lugar “o Partido Comunista Português, uma organização estalinista, promotora de ditaduras, opressão e miséria”.

O discurso terminou ao som de exclamações de um dos slogans do partido nesta campanha, proferidas em coro por Cotrim e pelos apoiantes que o ouviam: “O liberalismo funciona e faz falta a Portugal”. Rematava então o presidente da IL: “Viva a Iniciativa Liberal! Por um Portugal mais liberal!”

Guimarães Pinto também dá vitória por garantida. E fala em “nacionalismo socialista”

Antes do discurso de João Cotrim Figueiredo, falaram outros cabeças de lista do partido para estas eleições legislativas. Mas o discurso mais aguardado era do cabeça de lista ao distrito do Porto, Carlos Guimarães Pinto, por ser no Porto que a festa de encerramento estava a decorrer mas sobretudo por se tratar de um antigo presidente da Iniciativa Liberal.

Em vídeo, Carlos Guimarães Pinto também deu uma vitória eleitoral da Iniciativa Liberal como garantida. “A grande dúvida é se iremos ter mais ou menos deputados do que o PCP e BE. Quando colocamos isto nesta perspetiva, percebemos que no domingo só nos poderemos sentir vencedores. Podemos ganhar mais ou menos, mas iremos ganhar”.

“Ganhamos porque conseguimos marcar a discussão pública. Obrigámos todos, da direita à esquerda, a posicionarem-se sobre as nossas ideias”, acrescentava o ex-líder, defendendo: “Só conseguem rebater argumentos que não temos, ideias que não defendemos. No dia que tentassem argumentar contra as consequências das políticas que verdadeiramente defendemos, ficariam sem factos para se sustentar”.

Outro mérito da IL nesta campanha foi “colocar a discussão sobre o mérito na agenda, a importância de premiar o mérito”, dizia Carlos Guimarães Pinto. “Fizemos com que caísse a máscara ao socialistas. Odeiam o mérito porque o único mérito que conseguem ter é o de enganar os portugueses ano após ano”

Para Guimarães Pinto, os socialistas e estatistas “odeiam o mérito porque só conhecem um caminho de mobilidade social: o caminho partidário, de nepotismo, bajulação e sabujice”. O mérito, dizia, é encarado como só podendo “ser resultado da sorte ou da ação do Estado, nada pode ter sucesso fora do Estado”. E quem o tiver é “esmagado por impostos, multas e burocracias até se submeter”.

Autor de um livro muito crítico sobre a manutenção da TAP na esfera pública, Carlos Guimarães Pinto terminava o discurso denunciado o que considera ser uma “obsessão de nacionalismo socialista”. E perguntava se fazia algum sentido “desviar dinheiro do Estado para empresas falidas”.

É esta a nossa realidade. Entre os países desenvolvidos, Portugal continua a ser um país pobre. Há discursos que tentam desviar as atenções dos verdadeiros responsáveis pela nossa pobreza: quem dirigiu o país. Não é dos outros, é deles. Não deixem que nenhum político vos diga que a culpa de serem pobres é do vizinho que ganha mais ou de quem ganha apoios sociais”, referiu.

Criticando depois quem tenta colocar “negros contra brancos, brancos contra ciganos, mulheres contra homens, pobres contra ricos”, Guimarães Pinto rematava dizendo que o partido iria sempre recusar “abraços de urso de líderes com tiques autoritários”.