Mais uma lição após a conquista da Taça da Liga, mais uma lição antes de um jogo para a Primeira Liga. No momento em que assumiu o comando do Sporting, Rúben Amorim podia até nem ter o nível IV de técnico para fazer coisas tão simples como estar de pé na zona técnica ou ir às entrevistas rápidas. No entanto, não demorou a mostrar que era um fenómeno à parte que não se limitava apenas às conquistas em campo – e só nos leões foram quatro apenas num ano. A forma como fala para dentro resulta, como se voltou a ver na forma como a equipa respondeu no dérbi a um período mais anormal com duas derrotas em três jogos para o Campeonato. A forma como fala para fora também. E o lançamento desta partida não foi exceção.

Ponto 1) a forma como esvaziou qualquer tipo de polémica a propósito da chegada de Islam Slimani neste mercado, explicando que já antes tivera essa hipótese [n.d.r. no verão de 2020, quando tinha apenas Sporar e Tiago Tomás e assumiu que se não viesse Paulinho mantinha os dois avançados] mas que não aceitara por não ser possível de enquadrar com a forma como a equipa jogava e que hoje é diferente. Ponto 2) a maneira como abordou as saídas por empréstimo de Jovane, Tiago Tomás e Geny Catano, assumindo que a questão de mais um central (para o lado direito) não foi equacionada pelos jogadores que existem e pela capacidade de adaptação à posição que Ricardo Esgaio mostra. Ponto 3) a firmeza como quis deixar bem marcada uma posição de força para o presente e para o futuro a nível de possíveis jogadores que sejam impostos.

Contas feitas, e na sequência de mais uma vitória numa prova nacional (quarta nas últimas cinco, entre o Campeonato, a Supertaça e duas Taças da Liga), o técnico viu o plantel reforçado com mais dois elementos de características ofensivas como Marcus Edwards e Slimani. Ainda assim, e sem tempo a perder, tinha de imediato um encontro sem o qual o sonho de lutar ainda pelo título ficaria muito condicionado, perante a distância de nove pontos (com menos um jogo) do líder FC Porto. E duas missões quase paralelas: deixar o clima de festa de lado para focar atenções nos próximos objetivos e preparar um adversário que registou algumas melhorias com Franclim Carvalho em relação à equipa que acabou goleada pelo FC Porto.

“Sabemos que temos de ganhar para manter a nossa posição e tentar subir na tabela. Não há jogos fáceis na Liga, vimos de um bom momento mas estamos habituados a isto. Temos algumas dúvidas da forma como o Belenenses SAD se vai apresentar mas vamos abordar o jogo da melhor maneira para ganhar”, assumira, anunciando em paralelo algumas alterações por motivos de gestão física numa equipa que não podia de novo contar com Sebastian Coates, ao serviço da seleção do Uruguai na América do Sul.

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Uma alteração foi a troca de João Palhinha, que tem dado alguns sinais de cansaço nos últimos encontros, por Ugarte. As outras duas, diretas, foram nas laterais com Pedro Porro e Nuno Santos como titulares. E o espanhol acabou por ser a chave do jogo, mostrando mais uma vez o que faz de Rúben Amorim um técnico especial: depois da lesão muscular com o Boavista, o lateral teve uma recuperação mais demorada, sofreu pelo meio com a perda do avô (daí o festejo no Jamor de joelhos, a olhar para o céu, com os dois indicadores no ar), viajou até Espanha para estar com a família, não se sentiu confiante no aquecimento do jogo com o Leça, teve todo o tempo e espaço possível para fazer o melhor regresso, teve uma entrada determinante na final da Taça da Liga sendo que quando esperava na linha lateral pela substituição andava agarrado ao técnico após um “quase golo”, fez agora uma exibição fantástica com o Belenenses SAD mesmo saindo cedo. Sem apressar nada, respeitando o jogador e a pessoa, Amorim ganhou outro “reforço”.

Depois de duas derrotas nos últimos três encontros do Campeonato, quebradas pela conquista da Taça da Liga, a equipa leonina apresenta níveis de confiança muito elevados para o contexto da época, como se viu uma conversa a rir entre Sarabia e Pedro Gonçalves depois de um falhanço invulgar do português na área quando estava ainda 2-1 (35′). O jogo estava em aberto mas, ainda assim, a comunicação que se via era de jogadores com prazer em fazerem parte de uma equipa e em jogar futebol. E os exemplos paradigmáticos disso mesmo foram os dois internacionais espanhóis no corredor direito. Marcaram, assistiram e jogaram a um nível demasiado elevado para este Belenenses SAD. Assim se construiu uma goleada.

Bastaram alguns minutos para se perceber aquilo que seria uma espécie de lei de Murphy alternativa onde o Sporting procurava a sua sorte assumindo de imediato o encontro e o Belenenses SAD voltava a claudicar sem culpa ao perder por lesão Nilton Varela, canhoto que deveria dar profundidade ao corredor esquerdo mas que sofreu uma lesão muscular logo no quinto minuto. Lukovic foi mesmo obrigado a fazer um aquecimento rápido antes de ir a jogo mas ainda não tinha tocado na bola e já via os leões chegarem à vantagem, com Sarabia até ter um passe fabuloso para Paulinho após uma diagonal da direita para o meio que o avançado não desperdiçou isolado na área frente a Ramalho (11′). Primeiro remate enquadrado, primeiro golo. Segundo remate enquadrado, segundo golo: Porro fez o movimento interior com a bola na esquerda, recebeu em zona frontal e arriscou o tiro de longe para aumentar a vantagem (17′).

A festa que se fazia num Jamor com muitos adeptos leoninos, quase que prolongando aquilo que tinha sido o final do encontro em Leiria frente ao Benfica, era bem visível e audível. Para os presentes, para quem ia seguindo o jogo em casa, para os jogadores. E houve quase um deslumbramento com as facilidades com que a equipa chegou ao 2-0. Costuma correr mal, correu mesmo mal: o Belenenses SAD aproveitou uma “bomba” de Abel Camará ao ângulo de pé esquerdo, numa segunda bola após corte de Nuno Santos, para reduzir a desvantagem (21′) e teve mesmo uma oportunidade flagrante para marcar de novo pelo avançado, que surgiu isolado descaído sobre a a esquerda da área mas viu Adán defender o remate com o braço esquerdo (27′). Subindo as linhas e partindo de forma propositada a partida, os azuis estavam de novo na corrida. No entanto, os leões reagiram, ganharam de novo o meio-campo e voltaram a ser mais fortes.

Com muito jogo de qualidade pelos corredores laterais, o que fez com que Ugarte e Matheus Nunes fossem estando mais longe das ações ofensivas mas fechando melhor os espaços nas transições sem bola, a equipa verde e branca voltou a instalar-se no meio-campo contrário e criou algumas oportunidades para chegar ao terceiro entre um remate de primeira de Pedro Gonçalves após corte deficiente de Yohan Tavares que saiu ao lado (32′), outro tiro isolado na área do internacional português após grande jogada entre Sarabia e Porro na direita que saiu muito por cima (34′) e uma grande defesa de Ramalho a uma tentativa de Pablo Sarabia da direita para o meio que sofreu ainda um desvio num defesa contrário (40′). O Belenenses SAD desapareceu no plano ofensivo e o 3-1 chegou ainda na primeira parte, com Nuno Santos a ter uma grande investida pela esquerda antes de cruzar tenso para o desvio do espanhol ao segundo poste (45+2′).

Nenhuma das equipas mexia ao intervalo mas os primeiros minutos do segundo tempo seriam importantes para perceber a reação do Belenenses SAD depois de sofrer o 3-1 no último lance antes do descanso. Afinal, foram determinantes, sobretudo, para acabar de vez com o jogo: Sarabia voltou a combinar com Porro na direita, o lateral cruzou tenso para a área e Paulinho, com um bom desvio de cabeça, aumentou para 4-1 com apenas dois minutos decorridos, num lance que afetou ainda mais os visitados e permitiu que Pedro Gonçalves voltasse a visar a baliza dos azuis, desta vez com defesa para o lado de Ramalho (52′). Mesmo faltando quase uma parte, Amorim sentia o encontro controlado e começou cedo a fazer a gestão física da equipa, com as saídas de Matheus Nunes, Porro, Nuno Santos e Pedro Gonçalves.

De forma quase natural, o encontro caiu de qualidade embora o domínio do Sporting com bola fosse ainda mais reforçado, mesmo que sem o mesmo número de oportunidades para visar a baliza dos azuis. Marcus Edwards foi a jogo e ainda conseguiu mexer com a velocidade na frente, com um remate perto da trave (80′) depois de uma tentativa que rasou o poste de Rúben Vinagre (73′) e de um tiro com muito perigo de Gonçalo Esteves (83′). O resultado estava mesmo feito e o encontro acabou com a invasão de uma criança que, em lágrimas de emoção, foi pedir apenas uma camisola. A quem? A Pedro Porro, claro.