Tinham passado três anos do 25 de Abril e do fim da PIDE-DGS quando o juiz Lourenço Martins aceitou ser diretor-geral da Polícia Judiciária (PJ). Mas a polícia que encontrou foi muito diferente daquela que haveria de deixar depois, em 1982, no momento em que regressou à magistratura. Quando ali chegou, Lourenço Martins deparou-se com um corpo de polícia mal preparado, autodidata e com muitos inspetores com ligações políticas. Quando saiu, deixou montada uma brigada de elite para investigar os crimes mais graves, sobretudo os praticados pela organização terrorista FP-25, com instalações próprias num edifício da Avenida José Malhoa, em Lisboa, que ficou conhecido pelos operacionais como a “Base Mike”. Foi aqui que nasceu a Direção Central de Combate ao Banditismo, hoje Unidade Nacional Contraterrorismo, que esta quinta-feira evitou um ataque num polo da Universidade de Lisboa que a PJ descreve como uma “ação terrorista”.
João Paulo Ventura, que ainda integra a UNCT, e Rui Dias, que já saiu, recordam num livro que escreveram sobre a Base Mike que Lourenço Martins era um homem carismático que assumiu logo o desafio de modernizar a PJ. Tinha 37 anos quando assumiu o cargo, mas em três anos acabaria por incompatibilizar-se com o então ministro da Justiça, Eduardo Correia, e pediu a demissão. Não por muito tempo. Regressaria três meses depois, lê-se no livro “Base Mike”.
Numa entrevista que deu a António José Vilela para o livro “Viver e Morrer em nome das FP-25”, Lourenço Martins explica que encontrou uma “polícia mal preparada em termos de matéria-prima, com núcleos de pessoas corretas e que procuravam ser eficazes”. Mas também com alguns “traumas” deixados pela PIDE, “sobretudo no que dizia respeito à polícia de costumes (homossexualidade, prostituição, proxenetismo)”. Por outro lado, as instalações na Rua Gomes Freire “estavam a rebentar pelas costuras”.
No princípio eram as FP-25. E uma mulher aos comandos
A falta de espaço na PJ foi um dos argumentos para o então diretor conseguir outras instalações. Mas havia outra justificação de peso para colocar ali uma unidade específica: havia informação que tinha de ser guardada em sigilo e havia no interior da PJ conhecidas ligações político-ideológicos à esquerda mais radical.
O terrorismo por grupos de esquerda, segundo Paulo Ventura e Rui Dias, estava a aumentar. E, em abril de 1980, as FP-25 apresentam-se ao país, com o lançamento de petardos e um manifesto com os seus objetivos. A partir daqui foram reivindicando vários ataques. Este grupo fez acelerar a criação da Direção Central de Combate ao Banditismo, uma unidade de elite com funções de prevenção e investigação dos crimes mais violentos.
No entanto, só em finais de 1982 a DCCB acabaria a ocupar a Base Mike – onde, aliás, viveram alguns elementos das FP-25 e as suas famílias, por estarem a colaborar com a polícia e terem a vida em risco. Mas não era apenas a extrema-esquerda que preocupava esta polícia. Na segunda metade da década de 70, havia também focos de “ação criminosa de extrema-direita violenta”, com ataques bombistas contra as instalações de partidos políticos cujas investigações continuavam nas mãos da PJ.
“Sentimos que só conseguíamos combater o que estava a acontecer com um setor muito especializado, daí ter surgido a ideia da DCCB”, explicou Lourenço Martins, que optou por não colocar a palavra “terrorismo” no nome desta unidade para não promover aquilo que queriam combater. Seguiram assim o modelo francês “de combate ao banditismo”. Só em 2010 esta unidade mudaria de nome para Unidade Nacional Contra Terrorismo (UNCT), como hoje a conhecemos. Foi dirigida durante anos pelo atual diretor nacional da PJ, Luís Neves, e agora tem à sua frente uma mulher: Manuela Santos.
Skinheads, atentado contra João Paulo II e Estado Islâmico: os casos que marcam a unidade de elite da PJ
A escolha de operacionais para esta unidade sempre foi rigorosa desde o início. Neste momento, trabalham cerca de 100 operacionais nesta unidade, muitos vindos das instalações da José Malhoa, que foram encerradas quando foi construído o novo edifício da PJ, na Rua Gomes Freire.
Entre os trabalhos de destaque desta unidade, além do caso das FP-25, no seu início, e o impedimento do ataque à Faculdade de Ciências, esta quinta-feira, a unidade de elite da PJ tem no seu currículo investigações como a tentativa de homicídio do Papa João Paulo II, numa visita a Portugal, em maio de 1982; e, um ano depois, o sequestro na embaixada da Turquia em Lisboa; assim como a detenção de vários elementos da ETA em território português, só a título de exemplo.
Mais recentemente, passaram por aquela unidade as investigações de casos como o dos Skinheads ou dos Hells Angels, ou até de portugueses ligados ao Estado Islâmico.
No livro que conta a história da Base Mike é também sublinhada a importância da cooperação internacional com outras forças e serviços se segurança de outros países. E foi essa colaboração que foi fundamental para fornecer à PJ dados sobre o estudante de engenharia agora detido por suspeitas de planear um ataque terrorista na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.