Há notícias em janeiro de 2022, mas também um ano antes, em 2019, 2015 ou em 2013. O escritor e ensaísta Alain Soral, que esta quarta-feira viu os seus podcasts banidos do Spotify, por “não cumprimento da política de conteúdos”, já foi, aos 63 anos, condenado pelos tribunais franceses 21 vezes, invariavelmente por delitos de discurso de ódio, difamação e gestos anti-semitas.
Em 2019, foi-lhe mesmo sentenciado um ano de prisão efetiva por negação do Holocausto — em causa esteve a publicação de uma imagem no site da associação política a que preside e que fundou em 2007 , a “Égalité et Réconciliation”, em que uma figura semelhante a Charlie Chaplin, disposta sobre uma estrela de David, questionava: “Holocausto, onde estás?”. Longe de ser original, a imagem foi abertamente inspirada na capa publicada pelo jornal satírico francês Charlie Hebdo após os ataques terroristas de Bruxelas em 2016, em que um jovem de tez morena e cabelo encaracolado fazia a mesma pergunta, mas ao próprio pai, e acabava a receber respostas de partes de um corpo humano desmembrado — “Estou aqui! E aqui! E aqui também!”.
Pendente de recurso, a pena ainda não transitou em julgado, tal como muitos dos processos que lhe foram interpostos ao longo das últimas duas décadas — ao todo terão sido 57. Nessa ocasião, em comunicado conjunto, várias associações francesas anti-racistas, incluindo a Liga dos Direitos do Homem, congratularam-se pelo “fim da impunidade de Alain Soral” — “multi-recidivista do ódio” foi como o definiram. De acordo com a Wikipédia, para além de escritor e ensaísta, Soral é também sociólogo, jornalista, realizador e instrutor de boxe.
A última ocasião em que o escritor, apelido verdadeiro Bonnet, se sentou no banco dos réus foi a 18 de janeiro deste ano, dia em que foi confirmada a sentença do Tribunal de Recurso de Colmar, que o tinha condenado um ano antes ao pagamento de 150 dias de multas de 150 euros cada (e ao cumprimento dos mesmos dias de prisão em caso de não pagamento) por “insulto público com base na origem, etnia, nação, raça ou religião”.
Mais uma vez, Alain Soral foi punido por fazer e publicar fotografias de si próprio nas redes sociais a fazer a “quenelle”, um gesto popularizado pelo humorista francês Dieudonné M’bala M’bala e que, entendem as autoridades francesas e a opinião pública, é racista e anti-semita. “É uma saudação nazi ao contrário (já que as saudações nazis são ilegais em França)”, explicou em 2021 uma utilizadora do Twitter, referindo-se ao escritor como “negacionista do Holocausto” e ao humorista como “o mais conhecido anti-semita francês da atualidade”.
In that article she also gives support and her love to Dieudonne, maybe the most notorious French antisemite today. A man who went as far as to invent the 'Quenelle' a reversed Nazi salute (as nazi salutes are illegal in France). Next to him is Holocaust denier, Alain Soral. pic.twitter.com/R7CUOjCD3H
— shevereshtus (@shevereshtus) July 28, 2021
Foi a partir de 2014 que o gesto correu mundo, depois de o internacional francês Nicolas Anelka ter sido banido por cinco jogos, por ter feito a chamada “quenelle” — um braço esticado para baixo, outro dobrado sobre o peito — num jogo da Premier League. Tal como Anelka garantiu na altura, também Soral diz que o gesto não tem nada de racista ou anti-semita, será antes “anti-sistema”. O facto de em 2013 ter sido fotografado em Berlim, em pleno Memorial aos Judeus Mortos da Europa, a fazê-lo, aliado às opiniões que expressa publicamente sobre o assunto, apontará exatamente para o inverso.
Alain Soral:" la quenelle n'a rien d'antisémite". le lieu qu'il choisi pour en faire 1? Musée de la Shoah à Berlin pic.twitter.com/PyagzVkIUI
— Michel Mompontet (@mompontet) December 5, 2013
Apesar de ser definir como “a esquerda do trabalho e a direita dos valores”, a “Égalité et Réconciliation” é considerada pelos observadores políticos franceses uma associação política de extrema-direita. Próximo de Jean-Marie Le Pen e da filha Marine, hoje líder da Frente Nacional, chegou a apoiar a candidatura do partido às presidenciais de 2006 e foi um dos convidados para a festa do 87ª aniversário do histórico da extrema-direita francesa, agora com 93.
Quando, no passado domingo, o Spotify anunciou que tinha retirado mais de 100 episódios do popular podcast do americano Joe Rogan, por difundir desinformação sobre a pandemia, estes mesmos observadores começaram a questionar o gigante sueco do streaming sobre a manutenção dos podcasts da Rádio ERFM, de Soral, e do humorista Dieudonné.
Maintenant que @spotify fait l'actualité avec le sulfureux Joe Rogan, c'est le moment de rappeler que Dieudonné et Alain Soral (ERFM) sont présents sur @spotifyfrance. Deux individus condamnés pour antisémitisme. Peut-être une réaction @spotifyfrance ? pic.twitter.com/WoNHczGnAd
— Tristan Mendès France (@tristanmf) February 5, 2022
“Agora que o Spotify está nas notícias por causa do sulfuroso Joe Rogan, é o momento de lembrar que Dieudonné e Alain Soral estão no Spotify França”, escreveu no Twitter o ensaísta e realizador Tristan Mendès France. “São dois indivíduos condenados por anti-semitismo. Talvez uma reação Spotify França?”
Para a equipa da ERFM, que partilhou no site o e-mail que recebeu por parte do Spotify na passada terça-feira, 8 de fevereiro, às 20h32 — “Assunto: Notificação de Remoção” —, Soral e a a “Égalité et Réconciliation” estão a ser alvos de um cancelamento. “Em França, a cancel culture não está nas mãos dos woke mas dos sionistas”, diz o texto publicado esta quarta-feira.