Quis arranjar uma casa e um salário legal, mas o seu país não deixou; depois quis representar o seu país, mas não é reconhecido como cidadão nacional.

Com um título de campeão nacional no nível amador — o nível profissional está fora dos seus limites legais –, poderia ter representado a sua nação duas vezes nos Jogos Olímpicos, mas é um apátrida aos olhos do Estado.

Com o seu talento e a sua idade, muitos pugilistas são já milionários, mas Bilal Fawaz, residente no Reino Unido desde os 14 anos, vai estrear-se esta sexta-feira no boxe profissional, e vai receber cerca de 120 euros pelo combate, conta o The Times.

https://twitter.com/MTKGlobal/status/1491124275730071552?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1491124275730071552%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.africanews.com%2F2022%2F02%2F09%2Fsuvivor-of-human-trafficking-bilal-fawaz-makes-pro-boxing-debut%2F

O pugilista de 33 anos nasceu na Nigéria, filho de uma mãe do Benim e de um pai do Líbano, e, desde a nascença lutou mais vezes pela vida fora do ringue do que dentro dele, — ao pé de Bilal Fawaz, a vida do personagem Creed pareceria um mar de rosas.

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O que eu me lembro é tortura. Lembro-me de dor, lembro-me de sofrimento e lembro-me de fome”, afirmou o pugilista, segundo a Africa News.

Bilal Fawaz cresceu na Nigéria com a mãe, de quem foi vítima de abusos. Após a morte da progenitora num motim de cariz religioso, Bilal foi para o Reino Unido, com um homem que alegava ser seu tio. Embora inicialmente tenha sido dito ao rapaz que iria encontrar-se com o seu pai, Bilal foi trancado numa casa, onde desempenhou tarefas domésticas, e não lhe era permitido ir à escola nem sair da habitação. O rapaz era espancado e, como explicou ao The Times, Bilal pensou, na altura, que seria vendido a alguém.

O fim da horrível etapa de escravatura moderna na vida do pugilista terminou quando este fugiu de casa aos quinze anos, e começou a viver na rua. Levado por um homem, que entretanto o encontrara, para uma instituição do Estado destinada a apoiar jovens órfãos, Bilal ficou à guarda do Estado até atingir a maioridade.

Mas o próprio Estado que garantiu a sua segurança foi aquele que atraiçoou Bilal já em idade adulta.

Bilal nunca conseguiu a sua cidadania britânica, o que sempre condicionou a sua vida a vários níveis. A sua carreira sempre foi desenvolvida exclusivamente num nível amador, uma vez que não é permitido ao pugilista aceitar contrato no boxe nem representar — como já o poderia ter feito em 2012 e 2016 — o seu país nos Jogos Olímpicos.

Bilal Fawaz não podia pedir um empréstimo ao banco para comprar uma casa, não podia viajar para fora do país nem podia adquirir um contrato de trabalho de qualquer tipo que lhe permita receber um salário. Já lhe foi, segundo o Mirror, oferecido um contrato de 230.000 libras, cerca de 275.000 euros, mas que o pugilista teve de recusar, uma vez que o seu estatuto de imigrante não permite nenhum rendimento legal.

Em 2020, o pugilista recebeu um visto de 30 meses por parte do ministério da Administração Interna britânico — Home Office em inglês — que lhe permite agora assinar um contrato de trabalho e entrar numa luta profissional, mas, com imposições que se mantêm, como a impossibilidade de abandonar o Reino Unido, o seu futuro continua incerto.

Não tenho cidadania”, afirmou Bilal Fawaz. “Não tenho passaporte. Eles consideram-me uma pessoa que tem de ser erradicada deste país, mas nenhum país me quer. Sou como um cão numa trela. A trela foi estendida, mas continua presa. Continuo numa prisão.”

O primeiro contacto com o pugilismo surgiu aos 17 anos, num clube em Kilburn. Em 2012, Bilal Fawaz tornou-se campeão nacional amador na categoria de light-middleweight (peso médio-leve, numa tradução literal), e representou o seu país seis vezes nas competições amadoras.

Eu sangrei por eles, mas mesmo agora continuo a lutar pelo meu caso. Em vez de me darem um visto permanente, deram-me apenas 30 meses. […] Se eles me dessem apenas um passaporte, a minha vida toda entraria num novo rumo”, afirmou Bilal Fawaz, segundo o Mirror.

Esta sexta-feira, o pugilista vai realizar a sua primeira luta profissional, organizada pela agência de boxe MTK Global, contra o russo Vladimir Fleischhauer, na disputa por um lugar para a conquista do título europeu na categoria de middleweight (peso médio).

É vital que eu suceda no pugilismo, uma vez que este foi o rumo que eu escolhi para me abrir portas. […] A MTK Global deu-me uma uma hipótese e sinto-me encantado por ser parte da equipa. Vou deixá-los orgulhosos”, contou Bilal Fawaz, segundo a própria MTK Global.