Com as “alterações climáticas” a servirem de pau para toda a colher na recente campanha eleitoral, e em que o essencial do presente e do futuro ficou por discutir e avaliar — da seca extrema (e o fatal desperdício de água da rede pública, já tantas vezes denunciado) à desertificação demográfica do interior e das ilhas, da reconstrução da rede ferroviária de mobilidade a uma efectiva segurança cibernáutica (um simples ataque pode paralisar a produção de energia nas barragens, e muito mais), da máxima recolha e reciclagem de plástico, papel e vidro ao reforço da vigilância e protecção dos parques naturais e das florestas, ou da criatividade da ciência e do empresariado industrial para se aplicarem em contrapesos a uma contemporaneidade em risco —, é mais que previsível que o Mar e os seus problemas sejam depositados à margem da prioridade política, como coisa de somenos que efectivamente não são.

Só uma consciência e uma prática individual e comunitária bastante reforçadas — que estamos a muitas milhas de ter — poderão capacitar o nosso país, de evidente vocação atlântica, para os enormes desafios de sustentabilidade ambiental que profundamente marcarão as próximas décadas, face a colapsos múltiplos e cruzados com efeitos sociais e humanos difíceis de prever, e mais difíceis ainda de suportar por uma população há décadas habituada aos clássicos “não há de ser nada” e “outros virão salvar-nos quando for caso disso”. Não vai ser fácil, não vai mesmo.

Título: Os Peixes que Fugiram da História
Texto: Maria João Freitas
Ilustrações: Mariana Rio
Editor: Pato Lógico
Páginas: 64

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Verdadeira gota no oceano do muito que precisa de ser feito, este pequeno livro da Pato Lógico é uma maravilhosa obra de arte do nosso tempo. A história concebida por Maria João Freitas e a ilustração caprichosa de Mariana Rio dançam harmoniosamente neste objecto surpreendente em que texto e cor nos aparecem burilados na perfeição e capazes de seduzir os leitores de palmo e meio a que o livro se dirige. Dir-se-ia que o prazer de fazer inspirou as autoras — e discretamente, o experiente editor, presumo —, quando nos deparamos com frases como “o ponto de interrogação é um anzol para as palavras”, “estamos todos no mesmo barco”, “essa história [a pesca duma sereia] nasceu da imaginação, que não tem âncora na realidade”, e “o Capitão é um mar de informação” ou “um oceano de histórias”. Emerge também — já agora… — o bom e hábil recurso à diferenciação da cor de fundo das páginas para distinguir o importante bloco final, quando o colapso da vida da comunidade de pescadores em A-Ver-o-Mar (e Luísa Dacosta certamente teria apreciado esta subtil evocação) é explicado e diagnosticado aos três jovens, sob o modelo pedagógico de pergunta-resposta, e são sete no total, pela figura do barbudo capitão do barco Esperança.

No fim, em dupla página articulada e visualmente integrada numa prancha única, ensinam-se os “7 Mandamentos do Consumidor”, em que biodiversidade marítima, pesca sustentável (“procura o selo azul do MSC”) e dieta alimentar variada se articulam (“diversificar o consumo ajuda a manter o equilíbrio dos oceanos”, de que a pesca excessiva é um dos grandes problemas). E para levar mais longe essa pedagogia e o alarme sobre a actualidade destas questões, os petizes também aprendem o básico sobre duas das organizações internacionais envolvidas na conservação do mar, o Marine Stewardship Council e a World Wide Fund for Nature (e a nossa ANP), que aliás recebe 1 € da venda de cada exemplar do livro, como indica botão adesivo na capa.

Trabalho limpo, sem espinhas, generoso e actualíssimo, que famílias, bibliotecas e escolas podem mostrar e sugerir aos seus, no tempo livre que — nestas últimas — a “cidadania de género” e a tralha correspondente lhes admitam conceder, uma vez ou outra, de tempos a tempos e assim.