O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, defendeu esta segunda-feira que o mundo precisa de “uma avalanche de ação” para reverter as alterações climáticas, notando que com os compromissos atuais, as emissões poluentes vão aumentar em vez de diminuir durante esta décadas.

“Prevê-se que as emissões globais aumentem quase 14% ao longo desta década. Isso significa catástrofe”, avisou Guterres numa mensagem enviada à conferência “Dar energia ao mundo e preservar o planeta”, organizada pelo Clube de Lisboa.

O ex-primeiro-ministro português afirmou que “está na altura de entrar em modo de emergência” e cortar subsídios à exploração de combustíveis fósseis, eliminar progressivamente o carvão como fonte de energia, pôr um preço nas emissões carbónicas e fornecer aos países dependentes do carvão “apoio financeiro e tecnológico” para fazerem diferente.

“Todos os setores, todas as indústrias, incluindo o transporte marítimo e a aviação, têm que desempenhar o seu papel para chegar à neutralidade carbónica em 2050”, começando com metas concretas para 2030.

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Para limitar até 2050 o aquecimento global a 1,5 graus acima da temperatura média global pré-industrialização, será necessário que os países reduzam as suas emissões em 45% até 2030 e tenham saldo zero de emissões de gases com efeito de estufa em 2050.

Quem sofre já com “perturbações climáticas que são claras e que já cá estão” são “pequenas nações insulares, países menos desenvolvidos e povos vulneráveis em todo o lado, que estão a um choque do apocalipse”. Guterres assinalou que a conferência que o Clube de Lisboa promove até terça-feira cai entre a cimeira do clima da ONU, que se realizou em novembro passado, e a conferência dos oceanos das Nações Unidas que se realiza em junho em Lisboa, destacando que é preciso “salvar o oceano para salvar o futuro”.

Intervindo esta segunda-feira na conferência, o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência, António Costa Silva, considerou que apesar de a inteligência humana continuar a produzir soluções para reduzir emissões e encontrar formas de cumprir as necessidades energéticas, continua a falhar-se na “vontade política e articulação”.

Costa Silva referiu que as sociedades mantêm uma “relação predatória” dos recursos mundiais, baseada numa “economia linear”, mas salientou que “as gerações jovens estão da dar ensinamentos” neste campo e que as gerações no poder, que cresceram com a aspiração em que “cada pessoa tem um carro”, têm que ouvir os mais novos sobre “partilha de recursos”.

Por enquanto, a falta de “mecanismos económicos” para fazer transformações reais continua a deixar para trás “soluções fantásticas” como os carros elétricos, com apenas oito milhões de veículos deste tipo a circular no mundo atualmente, uma fração ínfima da frota automóvel global.

A pró-Reitora para a sustentabilidade na Universidade Nova, Júlia Seixas, defendeu que todos os graus de ensino e todas as áreas curriculares deviam incluir “obrigatoriamente” educação para as alterações climáticas, criticando a falta de vozes jovens, as que mais expressam preocupação com o clima, em grupos de decisores, desde os conselhos de administração das empresas às direções de universidades e governos.

Júlia Seixas defendeu que é preciso incluir no circuito económico o “valor dos serviços dos ecossistemas”, uma “realidade escondida” que a natureza oferece, com “muitos biliões” que não se pagam no que chega a casa dos consumidores.

Por exemplo, o valor da água que chega às torneiras não reflete o que os ecossistemas em torno da barragem de Castelo de Bode, por exemplo, de onde sai a água para abastecer a capital portuguesa, fazem para garantir a sua qualidade.

“Há uma maneira de a Economia olhar para isto, mas que é de nicho. O “mainstream” ainda não olha de forma normal para este valor económico. Desafio maior é integrar estes valores nos circuitos económicos do nosso modelo. Temos que ser disruptivos e ter coragem”, defendeu. O diretor executivo da African Climate Foundation, Saliem Fakir, salientou que sair da dependência dos combustíveis fósseis carece de “um modelo de transição” que não há maneira de conseguir de forma fácil.

“É uma falácia pensar que há um plano sem obstáculos que, se adotado, fará tudo correr bem. Precisamos de que o custo das energias limpas desça para serem adotadas por países como os africanos que não têm capacidade”, indicou.

Fakir referiu que países da África austral como a Etiópia, o Quénia e a Tanzânia “podem chegar a 90% de energia de baixas emissões carbónicas, têm grandes projetos hidroelétricos, potencial para energias renováveis e não há razão para que não possam ser carbonicamente neutros antes de 2050”.

“Isso não é um enigma mas uma questão de alinhamento e estratégia. Pode crescer-se e evitar a intensidade carbónica até porque é provável que essas economias sejam penalizadas”, por exemplo, com taxas de exportação aplicadas a produtos fabricados com emissões altas.