O Governo decidiu não esperar pela aprovação do Orçamento do Estado para 2022, cuja entrada em vigor foi adiada para o início do segundo semestre, e antecipou uma parte do efeito da anunciada descida do IRS. De acordo com o Ministério das Finanças, as alterações feitas à retenção a partir de março irão beneficiar a generalidade dos contribuintes com rendimentos do trabalho dependente — um ajustamento similar já tinha sido efetuado com pensionistas — e em particular os que, tendo recebido aumento salarial, estavam a ser castigados no rendimento líquido mensal pelas retenções do imposto.

As simulações divulgadas pelas Finanças fazem as contas aos ganhos no rendimento líquido mensal proporcionados pelas novas tabelas face às retenções efetuadas em 2021. Pelos números divulgados na quinta-feira passada, também se verifica um aumento do rendimento líquido mensal face às tabelas de retenção que estavam em vigor em janeiro nos exemplos escolhidos.

No entanto, as simulações feitas pela Deloitte, a pedido do Observador para uma amostra mais abrangente de rendimentos e de tipologia de contribuinte, concluem que os ganhos em matéria de rendimento após as retenções entre as tabelas de janeiro e março se registam nos casos de um casado que seja também o único titular do rendimento (um casal em que só um dos membros tem salário) com ou sem dependentes. Para a generalidade dos outros contribuintes, as novas tabelas de retenção não trazem impactos percetíveis nos exemplos analisados, face a janeiro.

O fiscalista Ricardo Reis, da Deloitte, explica ao Observador que os aumentos de rendimento líquido se verificam nos rendimentos nos quais o desdobramento dos terceiro e sexto escalão terá mais efeito. Este ganho na retenção só se tornará efetivo se entretanto forem aprovadas as alterações propostas para o Orçamento do Estado de 2022, como é intenção dos socialistas. Se isso não acontecesse o acerto de contas na fase de liquidação no próximo ano iria obrigar a reduzir os reembolsos e o resultado seria nulo. Ou seja, o contribuinte ganhava mais ao final do mês, mas recebia menos na liquidação.

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Já para a generalidade dos outros rendimentos e tipologias de agregados incluídos, a simulação da Deloitte não aponta diferenças face aos valores mensais recebidos com as tabelas que entraram em vigor em janeiro. Isto no caso dos salários que não foram aumentados.

Mas quando se compara o rendimento disponível após retenções entre o que resulta das tabelas a aplicar em março e o auferido no ano passado, as simulações feitas pela Deloitte já apontam para ganhos mais ou menos generalizados, o que vai aliás na mesma linha dos exemplos apresentados pelas Finanças. Isto apesar de, em janeiro, se ter mantido o IRS em vigor em 2021 (taxas e escalões) devido à aplicação do regime de duodécimos ao Orçamento do Estado.

Para Ricardo Reis esta situação explica-se porque as tabelas de retenção publicadas em janeiro já antecipavam pelo menos em parte o efeito das mexidas no IRS, apesar de na altura ainda não se saber que os socialistas iam ganhar as eleições com maioria absoluta e, em tese, estar em aberto uma mudança política. Por outro lado, o Ministério das Finanças indica que todos os anos tem feito um esforço de correção do desvio entre o rendimento retido mensalmente, mais alto, e o imposto devido, mais baixo, cujo acerto de contas é feito no ano seguinte. Este ajustamento também produz o efeito de aumentar o rendimento líquido mensal e uma diminuição do montante dos reembolsos.

Com as alterações efetuadas em março, o Ministério das Finanças procurou também acautelar os casos em que aumentos salariais — como os 0,9% aplicados na função pública — resultavam numa redução do salário recebido ao final do mês. Tais situações resultam do efeito da retenção do imposto relativo à parte do rendimento que ultrapassa o limiar mínimo de existência até ao qual não é cobrado IRC. Com a subida do salário mínimo, do qual passou a depender o valor do rendimento mínimo isento de imposto, cada vez mais contribuintes estavam a ser apanhados por esta “armadilha fiscal”, como o Observador explicou aqui.

Ganhar mais e receber menos. Aumento do salário mínimo agravou distorção do IRS