“Espero que [Putin] morra da forma mais dolorosa”, escreveu. Escreveu e apagou.

“Russos, como é acordar na Alemanha fascista? Todo o russo que não expressar opinião sobre esse assunto será considerado um inimigo para sempre”, escreveu. Escreveu e todos perceberam como estava.

Oleksandr Zinchenko, de 25 anos, é hoje capitão da seleção da Ucrânia e joga desde 2016 num dos melhores clubes ingleses e europeus, o Manchester City. No entanto, não esquece as origens. E sente ainda mais tudo o que se está a passar depois de, com passagens anteriores pela Youth Sporitve School Karpatiya (da cidade onde nasceu, Radomyshl) e FC Monolit Illichivsk, teve de deixar a formação do Shakhtar Donetsk em 2014 com os pais na sequência do início da guerra na zona do Donbass. Ainda esteve seis meses em ligas amadoras de Moscovo mas não mais voltou por razões de segurança e também não conseguiu assinar pelo Rubin Kazan porque tinha vínculo com o conjunto ucraniano e o clube não quis arriscar uma suspensão.

No início de 2015, em fevereiro, conseguiu resolver a situação e assinou pelo Ufa. Destacou-se, foi apontado por alguns olheiros como uma grande promessa, captou as atenções de outros clubes europeus. Apesar do interesse do B. Dortmund, acabou por assinar pelo Manchester City, que pagou cerca de dois milhões de euros pelo seu passe antes de uma temporada de empréstimo aos neerlandeses do PSV. Em 2017, voltou ao conjunto orientado por Pep Guardiola. Até hoje. E, por razões que não queria, é destaque na equipa.

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Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, Zinchenko tem sido o centro de todas as atenções no clube e até na Premier League por ser capitão da seleção do seu país e um dos jogadores ucranianos mais reconhecidos. Em casa ou fora, com ou sem mais compatriotas em campo, tendo ou não a braçadeira de capitão dos citizens no braço, o lateral esquerdo acaba por corporizar as manifestações de apoio e de solidariedade da Premier League, dos jogadores, dos treinadores, dos adeptos. Enquanto isso acontece, sofre. Chora com o que vai vendo. E admite, numa entrevista a Gary Lineker na BBC Sports, que atravessa uma fase complicada.

“No primeiro dia fiquei em choque. A minha mulher mostrou-me os vídeos, as imagens do que se estava a passar na Ucrânia. O pior sentimento é quando alguém próximo de ti pode estar para morrer, o sentimento em que uma pessoa fica mal por dentro. Isto é muito pior. Continuo a chorar. Já há uma semana, não estou a contar, mas até posso ir a conduzir para o centro de estágios, ou não importa para onde, e começo chorar do nada. Está tudo na minha cabeça. Imagina o lugar em que se nasceu, onde se cresceu. E há apenas um terreno vazio. Tenho de ser honesto, se não fosse pela minha filha, pela minha família, eu estaria lá”, referiu numa entrevista onde não consegue esconder as emoções que chegam mesmo ao próprio Lineker.

“Nasci assim. Conheço as pessoas do meu país, a mentalidade delas, e todas pensam exatamente da mesma forma. Estou tão orgulhoso de ser ucraniano e estarei para sempre para o resto da minha vida. Observa-se as pessoas, como elas lutam pelas suas vidas. Eu conheço as pessoas, a mentalidade do meu povo do meu país. Eles preferem morrer e vão morrer mas nunca vão desistir”, acrescentou, num relato arrepiante onde também aproveitou para agradecer todo o apoio que tem recebido: “Não sabia que seria assim”. Zinchenko ficou surpreendido com a solidariedade pela positiva mas não esqueceu outros pontos negativos.

“Fiquei surpreendido que ninguém da seleção deles [Rússia], nenhum deles, de todos eles tenha dito nada. A maioria joga na seleção, têm muitos seguidores no Instagram, Facebook, onde quer que seja. E eles podem, pelo menos, podem fazer algo para parar esta guerra. Porque as pessoas podem ouvi-los. Já sei, que eles estão com medo… Mas eles estão com medo de quê? Não vão fazer nada contra eles. Pelo menos eles podem dizer o que pensam mas simplesmente querem ignorar. Não sei porquê”, apontou, numa visão que já tinha sido partilhada por outros companheiros que jogam também na Premier League como Yarmolenko.

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“A nossa missão é mostrar ao resto do mundo a verdade real, o que está a acontecer agora na Ucrânia. Falei com muitas pessoas que estão do nosso lado e disseram que a forma como a TV russa está a mostrar tudo é ridícula. Há poucas cidades na parte mais baixa da Ucrânia onde os civis, o povo russo, estão a chegar e fazem protestos falsos como ‘Queremos estar com a Rússia’ e coisas assim. Posso mostrar um milhão de fotos. Posso mostrar um milhão de vídeos, o que eles estão a fazer agora. Posso mostrar todas as cidades do meu país que destruíram. As pessoas estão a morrer de fome, estão apenas a sobreviver, a dormir no chão, em bunkers, não podem viver uma vida adequada”, voltou a apontar o jogador.

“Há alguns dias que estava a pensar sobre esta entrevista. Devo fazê-la? Não devo? Só quero enviar uma mensagem a todas as pessoas que, por favor, não ignorem: precisamos parar a guerra”, explicou. E pelo impacto que o depoimento está a ter, a decisão foi mesmo acertada perante a arrepiante descrição.