Pela primeira vez em quase três anos, em agosto de 2021 Alina Kabaeva reaparecia em público. A propósito dos jogos Olímpicos de Tóquio 2020, a ex-atleta russa de ginástica rítmica atacava os juízes que atribuíram o ouro à israelita Linoy Ashram vez de concederem a honra máximo no pódio à sua compatriota Dina Averina. Mas o interesse da sua intervenção estava longe de se esgotar em questões de justiça desportiva — ou de política. “A prestação da Dina Averina foi perfeita. Ao contrário da sua rival de Israel, que cometeu um erro grosseiro”, apontou. Serão as atletas russas vítimas da hostilidade dos juízes dos países ocidentais?, questionam-na. “Muitas modalidades são avaliadas por pessoas de países da NATO. Algumas são decentes, outras nem por isso”.

Ainda com a guerra resumida a miragem, a aparição na TV estatal Rossiya 1, num clip do programa “60 Minutes”, serviu sobretudo para adensar os rumores de uma ligação de anos com o Presidente Vladimir Putin — pelo menos a avaliar pelos olhos que vislumbraram uma aliança na mão direita de uma bronzeada Alina, que surgia vestida de encarnado e não teve que enfrentar qualquer questão sobre a vida ao lado do chefe de Estado. Certo é que desde o ano de 2018 Kabaeva esfumara-se do espaço público, uma ausência que alimentou também outra conversa recorrente: durante este tempo, a jovem de 38 anos, por várias vezes apelidada de “primeira dama secreta da Rússia”, teria dado à luz.

Nunca confirmada oficialmente, a ligação ao presidente que detesta intrusões na vida privada remonta a 2008 e consegue ser anterior às notícias do divórcio de Putin — nesse ano, o Moskovsky Korrespondent ousava anunciar o fim da sua relação de três décadas, história prontamente negada pelo Kremlin e que motivou o encerramento do jornal russo, que citava uma empresa de organização de casamentos que garantia que o novo casal se preparava para dar o nó em São Petersburgo. Corria o ano de 2013 quando Vladimir, atualmente com 69 anos, se separou oficialmente da antiga assistente de bordo Lyudmila Shkrebneva, com quem teve duas filhas, Maria, de 36 anos, e Katerina, de 35, de quem nunca fala publicamente. Pouco depois, o canal estatal transmitia um elogioso documentário sobre Kabaeva, naquele que era visto como um presente de aniversário pelos 30 anos de Alina — e com o analista Stanislav Belkovsky, citado pela Newsweek, a defender que Putin pretendia apresentar-se nos Jogos Olímpicos com “uma nova mulher”. Fosse como fosse, a imprensa ocidental não resistia a querer saber quem era a possível “segunda-dama da Rússia”.

United Russia Party Congress

Em Moscovo, no congresso do Rússia Unida, em novembro de 2011, Alina Kabaeva aplaude um discurso do então primeiro-ministro Vladmir Putin que aceitava a nomeação para regressar ao cargo de presidente © Sasha Mordovets/Getty Images)

Segundo a Page Six avançava este fim de semana, Alina e os quatro filhos que terá tido com o Presidente estarão neste momento devidamente protegidos na Suíça. A esta publicação, uma fonte descreve que os gémeos de sete anos terão nascido perto de Lugano em fevereiro de 2015 e que o casal terá outros dois filhos. “Alina tem dois rapazes e duas raparigas gémeas com Putin. As crianças têm passaportes suíços e presumo que ela também tenha”, adiantam. Um passo que, a avaliar pelos desenvolvimentos mais recentes, poderá não garantir em absoluto a desejada proteção — a 28 de fevereiro, a Suíça abandonava a sua histórica neutralidade e juntava-se à lista de países que adotaram sanções contra a Rússia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já em 2015, o tabloide suíço Blick avançava que Kabaeva dera à  luz  numa clínica privada no sul da Suíça, que já teria sido utilizada pela filha do magnata italiano Silvio Berlusconi e pela modelo suíça Michelle Hunziker — Putin seria amigo de um dos ginecologistas — e justificar-se-ia assim a prolongada ausência do Presidente, que levou mesmo a que se especulasse sobre eventuais preocupações de saúde. O Kremlin voltava a desmentir as notícias e divulgou imagens de Putin anunciando que tinha encontro marcado com o Presidente do Quirguistão nessa segunda-feira seguinte.

A “mulher mais flexível da Rússia” que já triunfou em Portugal

Por mais que uma vez, o percurso da ginasta rítmica Kabaeva, que soma 37 medalhas, duas delas olímpicas, cruzou-se com Portugal. Em 1998, com 15 anos (e apenas dois depois de se ter estreado internacionalmente, treinada pela veterana Irina Viner, vencia o Campeonato da Europa disputado no Centro de Desportos e Congressos de Matosinhos, na qualidade de elemento mais jovem da equipa russa. No ano seguinte, revalidava o título e regressava de Osaka com o primeiro lugar no Campeonato do Mundo. Em 2007, agora no Algarve, a curta distância de se despedir de vez da modalidade, passaria pela Taça do Mundo, em Portimão.

[Alina na Taça do Mundo, em Portimão, em 2007]

Natural de Tashkent, no Uzebequistão, tinha apenas 12 anos quando a família (o pai foi futebolista profissional na extinta liga soviética e a mãe basquetebolista) se mudou para Moscovo para que pudesse perseguir o sonho de uma carreira entre a elite do desporto, uma decisão que pelo ano 2000 já dava frutos, ainda que alguns treinadores tivessem antecipado o fracasso por ser “demasiado gorda e insuficientemente bonita” para vingar na modalidade. “Não tenho rivais, ultrapassar-me é o meu maior desafio“, garantia ao canal das Olimpíadas uma jovem Alina em véspera dessa sua estreia nos Jogos de Sydney, quando não foi além do bronze — um erro com uma das argolas revelou-se fatal para chegar ao ouro.

[Em 1998, durante a passagem pelo norte do país]

Alina anunciou a sua retirada do desporto em 2004, depois de alcançar o ouro em Atenas, dois anos depois de se ver envolvida num escândalo de doping. Em junho de 2005, no entanto, Alina admitia o regresso e alinhou numa disputa italo-russa amigável em Génova. No ano seguinte, vencia o Grande Prémio Gazprom de Moscovo, seguida por Vera Sessina e Olga Kapranova, e nos Europeus de 2006 segurava a prata. Em 2007, uma lesão afasta-la-ia das provas em Baku. E a vida de Kabaeva dava uma enorme pirueta.

Entre a Playboy e a Duma, a nova vida de Alina, uma caixa de Pandora

À margem das prestações desportivas, a atleta que chegou a granjear o título de “mulher mais flexível da Rússia” não foi menos notícia quando posou nua para as revistas masculinas, dando que falar em 2004 com uma sessão fotográfica para a Maxim. Em outubro de 2010, a revista The New Yorker enquadrava esses tempos especialmente buliçosos para figuras que até então se haviam destacado em outros domínios bem mais discretos. “Anna Chapman, uma das espiãs russas expulsas dos EUA em julho, teve um mês agitado. Há uma semana, ela recebeu a maior honra do estado pelo seu bem sucedido regresso a casa. Em 9 de outubro, lançou uma aplicação para iPhone,”Poker with Anna Chapman”, que permite que os utilizadores olhem diretamente em seus olhos enquanto ela segura uma pistola futurista. E este mês está na capa da revista Maxim na Rússia, usando roupas íntimas de renda e luvas pretas, e segurando uma arma prateada”, lê-se no artigo que não esquece Kabaeva. “Alina Kabaeva, campeã de ginástica, apareceu parcialmente nua na Playboy e na GQ”, e à semelhança de outra ginasta, Svetlana Khorkina, também carimbava o seu acesso à política. “Kabaeva também é uma habitué nas páginas dos tabloides, graças a rumores persistentes de que é amante de Putin, o que ambos negaram; ele ultimamente tem feito um esforço para ser visto com a sua esposa com mais frequência”, continuava a revista.

Em 2011, na capa da edição russa da revista Vogue

Com efeito, entre 2007 e 2014, Alina juntava-se ao Rússia Unida e ocupava o seu lugar na Duma entre os apoiantes do incumbente Putin. Em setembro daquele último ano, Kabaeva dava mais um passo na ascensão meteórica, quando assumiu a liderança do Grupo Nacional de Media, a maior holding de media do país, pró-Kremlin, cujos destinos passavam agora para as mãos, revelava o The Guardian, da “namorada de Putin”. “O National Media Group possui 25% do principal canal de televisão controlado pelo Estado da Rússia, e também possui participações em outros canais e jornais, incluindo uma parte maioritária da influente Izvestia diariamente. O grupo é controlado por Yuri Kovalchuk, um amigo de longa data de Putin que foi sancionado pelos EUA no início deste ano devido à sua proximidade com o Presidente russo”.

Falar de Kabayeva é abrir uma autêntica caixa de Pandora. Gennady Timchenko, um bilionário trader petroleiro cuja amizade com Putin remonta à década de 1990 e cujo nome é visado nos Pandora Papers, vendeu um luxuoso apartamento junto ao rio Neva, em São Petersburgo, à avó da ex-ginasta, segundo uma reportagem da TV Rain da Rússia, que cita registos de propriedade russos.

Russian President Vladimir Putin met with members of the Russian Olympic team

Em novembro de 2004, Putin e Alina num encontro com atletas olímpicos © TASS via Getty Images

A especulação sobre a família do Presidente, que em 2015 levantava um pouco do véu, manteve-se ao longo dos anos. Conhecido pelas teorias da conspiração, o cientista político Valery Solovey afirma que a sua primeira mulher e as filhas estarão numa “cidade subterrânea” na Sibéria, instaladas no bunker high tech localizado nos Montes Altai, concebido para proteção em caso de ameaça nuclear.