A Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce e da cadeia de retalho Biedronka, na Polónia, está preocupada com a “grande incerteza” perante a inflação e o conflito na Ucrânia. Em conferência de imprensa, o CEO do grupo antecipa uma “loucura de tentativa de subida de preços” na negociação entre produtores e distribuição, que a empresa terá “grande luta para travar” — e que, admite, poderá resultar numa transmissão dos custos aos consumidores: “O consumidor vai ter de entender que tem de haver aqui um balanço“, disse.

“Hoje vivemos, talvez pela primeira vez nos últimos 25 anos, uma grande incerteza sobre o futuro das operações, como vamos gerir a inflação, o aumento dos custos, da incerteza sobre tudo o que venha a acontecer e as políticas que possam vir a ser decididas na Europa e a leste”, disse Pedro Soares dos Santos, aos jornalistas.

Questionado sobre se já se nota uma “pressão” para a subida dos preços aos consumidores, Soares dos Santos afirmou que a Jerónimo Martins se compromete a tentar “mitigar” e “equilibrar” o “que pode passar ao consumidor e o que vai ter de absorver”, mesmo que isso implique revisão de lucros. Mas admite transmitir uma parte do aumento dos custos aos clientes.

“Vai depender do que se vai passar nas próximas quatro semanas sobre os aumentos de custos. Por exemplo, o óleo aumentou 60%. É de um impacto brutal na vida das famílias. O que é que nós vamos tentar absorver e vamos ter de passar? Não vamos ficar com tudo. Este vai ser o grande exercício das próximas quatro ou cinco semanas porque vai haver uma loucura em termos de tentativa de subida de preços e que vamos ter de ter grande luta para travar“, indicou. Além dos cereais, poderá haver pressão nos preços das massas, nos óleos, no leite, na carne, nos ovos e no pão, antecipa a empresa.

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“Todo este equilíbrio vai ter de ser feito de uma parte e outra”, entre distribuição, produção, consumidores e ainda Governo. “O consumidor vai ter de entender que tem de haver aqui um balanço“, avançou também Pedro Soares dos Santos, depois de adiantar que o grupo teve de “aumentar o preço do leite à produção mais uma vez”. Mas também sublinha que “nem tudo pode passar para o consumidor“.

Para aliviar os custos para os consumidores, o CEO pede ao Governo que implemente um pacote de medidas fiscais “para apoiar as famílias portuguesas” e as empresas perante a “incerteza” e o “aumento de custos e da inflação”. Quais? O CEO da Jerónimo Martins sugere o alívio do IRS para todas as famílias, assim como a redução do IVA e dos impostos sobre a energia.

Pedro Soares dos Santos diz-se ainda preocupado com a dívida e os juros. “Acho que vamos enfrentar problemas muito delicados do ponto de vista dos custos de energia, da inflação, juros e, acima de tudo, da perda de rendimento” das famílias. A recuperação, defende, “tem de ser feita através de alívio fiscal”.

Os investimentos da Jerónimo Martins este ano vão “depender muito de como o mundo vai evoluir e o que vai acontecer nas próximas semanas”, indicou Pedro Soares dos Santos. O grupo prevê investir 850 milhões de euros, dos quais 175 milhões serão em Portugal. Mas Soares dos Santos já não arrisca estimativas em relação à faturação porque há “demasiada incerteza”. “Este ano, as minhas projeções estão muito reservadas e vou mantê-las muito reservadas”.

Ainda não há problemas no abastecimento

O grupo, que tem na Polónia a fonte da maior parte das vendas, diz que ainda não sentiu naquele país problemas no abastecimento, nem em Portugal. Mas estima que “se o porto principal da Ucrânia for fechado”, haverá falta de cereais (a Ucrânia é dos principais produtores) — e “repor não é fácil”.

No caso específico da Polónia (que já recebeu 1,3 milhões de refugiados ucranianos), Luís Araújo, CEO da Biedronka, não exclui que possam existir constrangimentos. Os impactos não serão diretos (a Polónia e a Ucrânia não têm grandes relações comerciais), mas indiretos, porque a Ucrânia exporta “muitos produtos para a Europa Ocidental”, como carne e ovos. Entraves às exportações vão criar “turbulênica na procura” e terão “impactos previsíveis ao lível da inflação”.

Já os planos de expansão na Polónia — abrir mais 130 lojas e um novo centro de distribuição e remodelar cerca de 350 localizações em 2020 — mantêm-se apesar do conflito, “confiantes de que ultrapassaremos dificuldades que estamos a sentir”.

A Jerónimo Martins viu os lucros subirem 48,3% em 2021, para 463 milhões de euros, segundo comunicou na quarta-feira à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). As receitas cresceram 8,3% face ao ano anterior, num total de 20,9 mil milhões de euros. Especificamente a Biedronka viu as vendas subir 8% face a 2020, para 14,5 mil milhões de euros.

Numa nota que acompanha as contas, Pedro Soares dos Santos escreve que “embora à luz dos recentes eventos na Ucrânia, 2021 nos pareça já muito distante, é justo reconhecer que as equipas superaram novamente os desafios colocados pelas difíceis circunstâncias”, acrescentando que “ainda num contexto de pandemia estabeleceram-se novos recordes de vendas e confirmou-se o valor e a relevância das propostas das insígnias para o consumidor”.

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