A Sociedade Genealógica Sefardita assume vergonha pelas suspeitas em torno dos processos de atribuição de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas, nomeadamente o de Roman Abramovich, garantindo não ter visto os documentos relativos ao multimilionário russo.

“Estamos profundamente envergonhados perante o povo português. Tal como em Espanha, Portugal confiou a verificação das genealogias sefarditas a não-genealogistas não-sefarditas, o que foi uma decisão surpreendente“, critica o presidente da sociedade, David Mendoza, num comunicado divulgado na página da instituição na Internet.

“Não vimos os documentos probatórios apresentados” por Roman Abramovich.

Para esta sociedade, “um procedimento transparente e justo tem muito a oferecer tanto a Portugal como à diáspora sefardita. Temos total confiança no sistema judicial português”, refere.

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Segundo David Mendoza, um judeu sefardita de Londres que obteve também a cidadania portuguesa, a sociedade lamenta “o abuso da generosidade do povo português” e de Espanha — onde o regime de concessão da nacionalidade para os descendentes de judeus sefarditas teve uma limitação temporal, decorrendo apenas entre 2015 e 2019 — e manifesta o seu apoio à clarificação destes processos.

A organização estima que os regimes português e espanhol de concessão da nacionalidade tenham gerado entre 150 a 200 milhões de euros.

Pedimos à Comunidade Israelita do Porto que esclareça o processo de certificação que utilizaram“, pode ler-se na nota, que acrescenta: “A Comunidade Israelita do Porto [CIP] aparentemente encontrou provas de ascendência sefardita em famílias que presumimos pertencer a ashkenazi, mizrahi ou outros subgrupos judaicos. Esperamos que partilhe esta informação connosco”.

Admitindo ser “perfeitamente possível que a família do Sr. Abramovich se enquadre nesta categoria” de famílias asquenazi com tradições de ascendência sefardita, a Sociedade Genealógica Sefardita vem também pedir à Assembleia da República para alterar o decreto-lei 30-A/2015, que regulamentou a concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas.

Entre as propostas de alteração, a organização pede que “apenas quem tenha ascendência sefardita comprovada” receba a cidadania portuguesa, que “os lucros resultantes dos processos de candidaturas à nacionalidade” sejam canalizados para projetos culturais e que os documentos submetidos nas candidaturas aprovadas sejam doados à Torre do Tombo.

A investigação no âmbito do processo de Abramovich, que levou à detenção na quinta-feira do líder religioso da Comunidade Judaica do Porto (CJP), o rabino Daniel Litvak, implicou a realização de buscas e envolve suspeitas de vários crimes, nomeadamente tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e associação criminosa, indicaram a Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP) num comunicado conjunto.

Segundo a direção da CIP/CJP, um dos seus membros foi também indiciado dos crimes de tráfico de influência, fraude fiscal, branqueamento e falsificação de documentos.

Em causa estarão alegadas irregularidades cometidas em processos de atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, que se encontram em investigação. Os judeus sefarditas são originários da Península Ibérica expulsos de Portugal no século XVI.

Em paralelo, o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) anunciou igualmente no final de janeiro a abertura de um inquérito sobre esta matéria.

Entre 1 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do Instituto de Registos e Notariado (IRN).

De acordo com os dados enviados, em fevereiro à Lusa pelo Ministério da Justiça, apenas 300 processos foram reprovados durante este período, restando, assim, segundo os dados registados no final do último ano, 80.102 pedidos pendentes.