Uma das duas vítimas de um processo em que pai e filha são acusados de tráfico de seres humanos em Cantanhede afirmou esta segunda-feira que nunca recebeu dinheiro pelo trabalho prestado e que chegou a dormir numa vacaria.

A leitura de sentença, que estava marcada para esta segunda-feira, acabou por ser adiada, por o coletivo de juízes decidir que importava ouvir as duas vítimas (que tinham prestado declarações para memória futura) para esclarecer algumas questões.

No Tribunal de Coimbra, são julgados um homem de 80 anos, sócio-gerente de uma empresa dedicada à comercialização de têxteis, vestuário e outros produtos, e a sua filha, de 52 anos.

São acusados da prática de crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de pessoas.

Uma das vítimas, um cidadão de nacionalidade romena, referiu na sessão desta segunda-feira que primeiro trabalhou para o arguido e, posteriormente, para a filha do mesmo.

Questionado pela juíza que preside ao coletivo, o homem, que admitiu ter tido problemas de alcoolismo, afirmou que nunca recebeu qualquer ordenado, nem qualquer valor fixo.

“Nunca tive dinheiro. Nunca me deu dinheiro. Deu-me 30 euros uma vez e, numa feira, um dia, deu-me um relógio”, contou, referindo que uma vez, quando lhe pediu dinheiro para ir a um cabeleireiro, o arguido terá recusado.

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Já a filha do principal arguido pagava-lhe 1,25 euros por dia, mas o pagamento não era regular, referiu. O homem acabou por estar a trabalhar para aqueles dois arguidos entre 2014 e 2018.

Se ao início, dormia numa vacaria, “que era muito fria no inverno” e onde partilhava o espaço com porcos e ovelhas, posteriormente dormiu numa carrinha, “que era muito mais confortável”.

No julgamento, o arguido referiu que trabalhava entre as cinco da manhã e perto da meia-noite, seis dias por semana, e tomava banho muito “raramente” numa bacia com água fria — “fosse inverno ou verão”.

Quando questionado pela juíza sobre o porquê de ter deixado de trabalhar para aquela família, a vítima afirmou que “era muito duro”.

“Era sempre “faz isto”, “faz isto”, “faz isto”. Estava farto”, disse o homem, que após esta situação, recebeu tratamento por causa do alcoolismo.

A acusação referiu ainda outra vítima, de nacionalidade ucraniana, que também teria problemas de álcool quando trabalhou para o arguido, entre 2014 e 2019.

Segundo o Ministério Público, cumpria o mesmo horário de trabalho que a outra vítima, tendo também pernoitado, durante cerca de um ano, na vacaria do arguido, e também não recebia rendimento de forma regular.