Há quem venha para a polícia porque quer um emprego. Há quem venha com o sentido de missão. Fábio Guerra vinha com esse “sentido de missão”. Já o trazia quando entrou Escola Prática da Polícia, segundo conta ao Observador quem o viu por lá passar. Integrou o 15.º curso de formação de agentes, confirmou a Direção Nacional da PSP, e desde cedo demonstrou que não queria “ficar pela base” da profissão.
“Eu gostava era de ir para uma polícia mais de elite.” As palavras de Fábio Guerra são recordadas por Carlos Lopes, vice-presidente do Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL). Trabalha na secretaria de alunos da Escola Prática da Polícia e, por isso, lidou “muito” com o agente de 26 anos que morreu esta segunda-feira, consequência das graves lesões cerebrais que sofreu na sequências de agressões de que foi alvo à entrada de uma discoteca em Lisboa, já na madrugada do último sábado.
Morreu Fábio Guerra, agente da PSP violentamente agredido em Lisboa
“Os formadores costumam deixar lá [na secretaria] matéria, caso os formandos queiram fotocopiá-la para depois estudar. E ele era um moço que quase todos os intervalos lá passava a perguntar” se havia material novo para levantar, conta ao Observador. Carlos Lopes recorda Fábio Guerra como um “miúdo muito humilde, muito interessado e aplicado nos estudos”, que “tinha o espírito da profissão“. “Destacava-se pelo interesse que tinha pela Polícia. Tinha nascido para ser polícia. Estava sempre a fazer perguntas sobre como era ‘lá fora'”, recorda ainda o dirigente sindical.
Fábio Guerra tinha duas irmãs. Uma delas tinhas quatro anos: “Só quero que saibas o quanto somos cúmplices”
Nascido a 3 de maio de 1995, Fábio Micael Serra Guerra tinha 26 anos e era natural da Covilhã. Era o mais velho de duas irmãs — uma delas, com quatro anos. “Parece que ainda ontem estava no quartel ansioso, à espera de receber a notícia a dizer que já tinhas saído da barriguinha da mamã e agora já estás tão grande”, contava o agente da PSP numa publicação no Facebook. “Só quero que saibas o quanto és importante para mim, o quanto somos cúmplices e que o mano estará sempre aqui para te fazer as vontades todas”, rematava. Nesta rede social, Fábio Guerra partilhava várias fotografias com as duas irmãs, demonstrando uma forte ligação com ambas. “Quando tens duas irmãs que te dão sorrisos assim, o que podes pedir mais?“, lê-se na legenda de outra fotografia.
Na Covilhã, foi atleta de basquetebol do Clube Desportivo da Covilhã e, durante “muitos anos”, arbitrou jogos no distrito de Castelo Branco. Numa publicação do Facebook, o Clube manifesta “profunda tristeza e pesar” ao “saber que um ex-atleta”, ao ser “barbaramente agredido, acaba de falecer”. “O basquetebol ficou mais pobre”, lê-se ainda.
O agente da PSP fez serviço no Exército, tendo de lá saído já como furriel antes de ingressar no 15.º curso de formação de Agentes, de acordo com informação avançada pelo jornal O Interior. Estava na PSP desde novembro de 2019. Encontrava-se atualmente na 64ª esquadra de Alfragide, na Amadora. Na esquadra, era muito “acarinhado”, conta ao Observador fonte da PSP.
Numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa também destacou a “abnegação, coragem e dedicação ao serviço do próximo e da segurança pública” do agente Fábio Guerra.
Agente Fábio Guerra manifestava vontade de ir para o corpo de intervenção da PSP: “Não queria ficar pela base”
Mas o objetivo não seria ficar por ali. “Ele dizia que não queria ficar numa polícia normal. Chegou a perguntar-me o que era necessário fazer para ir para o Corpo de Intervenção. Já na Escola Prática da Polícia queria alcançar outros objetivos e não ficar pela base. Só mesmo um polícia que gosta mesmo da profissão é que vai [para o corpo de intervenção]”, conta ao Observador Carlos Lopes, vice-presidente do SINAPOL.
É por isso que, para Carlos Lopes, “não seria de esperar” que o agente Fábio Guerra olhasse para o lado e fingisse que não era nada com ele, na madrugada de sábado, quando assistiu a uma rixa entre várias pessoas, nas imediações da discoteca Mome, em Lisboa. “Como polícia, não deixava passar aquilo ao lado. Era mesmo a maneira dele: resolver o problema”, afirma o vice-presidente do SINAPOL.
Ele e outros três polícias estavam “fora de serviço”, mas “imediatamente intervieram, como era sua obrigação legal”, quando se depararam com agressões entre várias pessoas. Os quatro polícias acabaram violentamente agredidos por um grupo com cerca de dez pessoas, sendo que Fábio Guerra foi imediatamente encaminhado para o hospital em estado crítico, fruto das agressões violentas de que foi alvo — e viria a morrer já esta segunda-feira.
Os agressores colocaram-se em fuga e não foi possível identificá-los num primeiro momento. Decorre agora uma investigação, que está a cargo da Polícia Judiciária e que já terá identificado dois dos dez agressores — pertencerão aos Fuzileiros, corpo de elite das Forças Armadas e terão ligações a um ginásio de boxe na margem sul do Tejo. Segundo a CNN Portugal, os dois militares do corpo de fuzileiros, que estavam retidos na Base do Alfeite, em Almada, enquanto decorriam as investigações, foram entretanto detidos pela PJ.
O polícia de 26 anos estava internado no Hospital de São José, em Lisboa. Encontrava-se em coma, dadas as graves lesões cerebrais que sofreu. Esta segunda-feira, pelas 15h00, todo o pessoal da PSP fez um minuto de silêncio, em homenagem ao polícia que morreu. “O Agente Fábio Guerra honrou, até às últimas consequências, a sua condição policial e o seu juramento de dar a vida, se preciso for, num gesto extremo de generosidade e sentido de missão. Disso, nunca nos esqueceremos”, escreveu a Direção Nacional da PSP, num comunicado a anunciar a sua morte, às 9h58 desta segunda-feira, 21 de março.