Apenas uma semana depois de ter chegado a Portugal, Oksana, 42 anos, só quer “um emprego” e já lançou as sementes do negócio que a poderá ajudar a recomeçar a vida nas Caldas da Rainha, longe da guerra na Ucrânia.

A oportunidade surgiu quase por acaso na cozinha de Isabel Mateus e Luis Baço, o casal das Caldas da Rainha que decidiu publicar na rede social Facebook a disponibilidade para receber em casa uma família de refugiados.

Nas voltas do destino, o ‘post’ foi lido por Natália, uma ucraniana a viver em Lisboa, amiga do marido de Oksana, a quem este pediu ajuda para retirar do país em guerra a mulher e os dois filhos menores.

Natália telefonou a Isabel e, em meia dúzia de conversas mudaram o destino da família que deixou a casa em Zhitomir, a 130 quilómetros de Kiev, para se acomodar na casa de outra família, totalmente desconhecida.

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À solidariedade de Isabel juntou-se a de muitas pessoas do bairro que fizeram questão de doar bens alimentares, produtos de higiene, roupas de cama, coisas que a dona da casa faz questão de “guardar para o dia em que se cumpra o desejo de Oksana: que a guerra acabe e que o marido e o filho de 22 anos, que ficaram na Ucrânia, possam vir para Portugal e a família consiga alugar uma casa”.

Formada em economia, ex-bancária e, até deixar a Ucrânia funcionária numa loja de colchões, Oksana sabe que “arranjar trabalho” é meio caminho andado para que se cumpra a nova vida a que aspira.

E faz questão de dizer à Lusa que “desde limpezas, a passar a ferro” está disposta a deitar mão a qualquer atividade. Mas, quis o destino que, mais uma vez o Facebook lhe tenha aberto novos caminhos.

“Ela gosta muito de cozinhar e ofereceu-se para fazer algumas receitas ucranianas”, contou Isabel, que maravilhada com “uns crepes de frango” partilhou a imagem no Facebook e um comentário “meio a brincar, de que podiam fazer encomendas que ela fazia para fora”.

Em menos de uma hora “encomendaram mais de 200 crepes e, já só está a aceitar encomendas para a próxima semana”, disse Isabel à Lusa, perante o sorriso rasgado de Oksana que aproveitou a deixa para ir buscar o avental e colar-se ao fogão, a dar vazão às encomendas.

“Pode ser uma oportunidade de negócio”, afirmou, ciente de que a barreira da língua pode dificultar o acesso a alguns empregos. E por isso Oksana não perde oportunidade de tentar aprender a língua, por conta própria, enquanto não começa a frequentar as aulas de português.

Munida de fotocópias cedidas pela ação social da autarquia, junta imagens e palavras para fazer pequenas frases que já diz em português: “quero dormir”, “quero comer”, “quero beber”, exemplifica, para logo acrescentar “obrigada”, a palavra que os ucranianos em Portugal não se cansam de repetir.

A aprendizagem faz-se também a ler os oráculos dos telejornais, e tentar perceber as notícias, sobretudo as que falam da guerra: “sei quem é o Paulo Portas, fala muito da Ucrânia, sei quem é o Marcelo [Rebelo de Sousa], e a Rainha Leonor”, a fundadora das Caldas das Caldas da Rainha, cuja estátua é o ponto de referência para encontrar o caminho para casa, nas poucas vezes em que sai sozinha.

Ainda a ter aulas ‘online’ em ucraniano, os filhos começam também a fazer o caminho da integração na cidade onde esta semana começaram a jogar futebol, num clube que lhes ofereceu a inscrição.

O mais novo, adepto fervoroso do Barcelona, é tratado em casa por “pequeno Messi” e, de entre as poucas palavras que diz em português, há uma — Ronaldo – que sai sempre acompanhada de uma mão fechada com o polegar para baixo. Mas, disse a mãe, o futebol já o fez mudar de ideias: “no início dizia que queria voltar para a Ucrânia, agora como joga à bola já quer ficar” na cidade onde, se tudo correr, a família há de alargar-se ao pai e ao irmão que não escaparam à guerra.