Foram nove minutos em que tudo mudou. De estar perto de sofrer o empate contra a Turquia e ter de ir a prolongamento, Portugal passou a ganhar por dois golos de diferença e fechou o jogo; de estar perto de ter Itália como adversária na final do playoff de acesso ao Mundial, Portugal viu a Macedónia do Norte marcar um golo e carimbar a presença no encontro decisivo contra a Seleção. Foram nove minutos que levaram Fernando Santos a tirar um maço de cigarros do bolso do casaco e a colocar um na boca. Mas também foram nove minutos que levaram Fernando Santos a decidir não o fumar e voltar a arrumá-lo junto dos outros.

Esta terça-feira, Portugal tinha de capitalizar esses nove minutos. Contra a Macedónia do Norte, no Estádio do Dragão, a Seleção Nacional disputava o encontro que valia a viagem para o Qatar e para o Mundial 2022 — uma vitória, uma simples vitória, valia o apuramento. Tão simples quanto isso. Um apuramento que seria o 12.º de forma consecutiva e no espaço de 22 anos, entre seis Europeus e seis Mundiais, num registo que a nível europeu só é historicamente superado por Alemanha, Espanha e França. Esta terça-feira, Portugal apostava tudo naquele que poderá ser o último Mundial com Fernando Santos, o último Mundial com Cristiano Ronaldo e o último Mundial com Fernando Gomes. Ou seja, o início do fim da era mais feliz do futebol português.

Ficha de jogo

Mostrar Esconder

Portugal-Macedónia do Norte, 2-0

Playoff de acesso ao Mundial 2022

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Anthony Taylor (Inglaterra)

Portugal: Diogo Costa, João Cancelo, Danilo, Pepe, Nuno Mendes, João Moutinho (Vitinha, 90+2′), Bernardo Silva (João Félix, 88′), Bruno Fernandes (Matheus Nunes, 88′), Otávio (William Carvalho, 76′), Diogo Jota (Rafael Leão, 76′), Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: Rui Patrício, José Sá, Raphael Guerreiro, José Fonte, André Silva, Gonçalo Guedes, Cédric

Treinador: Fernando Santos

Macedónia do Norte: Dimitrievski, Stefan Ristovski, Musliu, Velkovski, Alioski, Elmas (Nikolov, 87′), Bardi, Ademi, Trajkovski (Churlinov, 45′), Ristovski (Miovski, 45′), Kostadinov

Suplentes não utilizados: Naumovski, Siskovski, Todoroski, Ashlovski, Ristevski, Serafimov, David Babunski, Dorian Babunski, Spirovski

Treinador: Blagoja Milevski

 

Golos: Bruno Fernandes (32′ e 66′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Cancelo (68′), a Musliu (66′), a Alioski (74′)

“Conhecemos bem a Macedónia e temos de responder à altura. Este até pode ser o jogo das vidas deles mas para nós também o é. E é assim que temos de responder, com entrega, determinação, intensidade, espírito de sacrifício e vontade. A pressão que temos de ter é a de estar no Qatar, é a única em que nos devemos focar. Falamos sempre em nomes mas eles estão aqui por mérito próprio, ganharam na Alemanha. A Macedónia, nos últimos cinco jogos que fez fora, só perdeu um e ganhou três. Goleou a Arménia e venceu Itália e Alemanha. Se não olharmos para eles como um todo, claro que vamos correr riscos. Temos um objetivo claro, que é estar no Qatar. Começámos contra a Turquia e amanhã temos de o repetir. Dizer que eles são mais fracos é o caminho errado. O melhor cenário de todos é pensar que vamos defrontar a Macedónia como teríamos de defrontar a Itália”, explicou o selecionador nacional na antevisão da partida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora, com Pepe e João Cancelo de volta às opções, já que o primeiro recuperou da Covid-19 e o segundo estava livre do castigo, Fernando Santos deixava Tiago Djaló, Gonçalo Inácio e Diogo Dalot de fora da ficha de jogo — sendo que este último tinha sido titular contra a Turquia. Diogo Costa voltava a ser a opção para a baliza, ficando cada vez mais claro que Rui Patrício perdeu a prioridade, Nuno Mendes surgia na esquerda da defesa ao invés de Raphael Guerreiro, Cancelo era a escolha natural na direita e Pepe entrava para o onze ao lado de Danilo, sendo José Fonte a ficar no banco. Daí para a frente, repetia-se a lógica apresentada contra os turcos: Moutinho, Bernardo e Bruno, Otávio de um lado, Jota do outro e Ronaldo ao centro enquanto referência ofensiva. Do outro lado, na Macedónia do Norte, Blagoja Milevski voltava a contar com Elmas, médio do Nápoles que é tido como o melhor jogador da seleção, e também Kostadinov, dois jogadores que não defrontaram Itália e que eram agora titulares.

Portugal movia-se praticamente da mesma forma com que tinha defrontado a Turquia: Bernardo era o elemento do meio-campo que recuava para apoiar Moutinho, Bruno Fernandes aproximava-se mais do ataque e formava, a espaços, uma espécie de dupla com Ronaldo em que o capitão caía ligeiramente na esquerda. Jota encostava-se muito ao corredor para dar a zona mais interior às subidas de Nuno Mendes na esquerda e Otávio fazia o mesmo com Cancelo no lado contrário — onde os jogadores do FC Porto e do Manchester City demonstravam um entendimento acima da média.

Ainda assim, e apesar de toda a dinâmica parecer bem oleada, a Macedónia do Norte mostrava capacidade para ter a bola e resguardar alguma posse no meio-campo adversário, impedindo Portugal de passar longos períodos de tempo no último terço. Ronaldo teve a primeira grande oportunidade do jogo ainda dentro do quarto de hora inicial, com um pontapé cruzado que passou ao lado na sequência de um bom passe em desmarcação de Otávio (14′), e os macedónios responderam com um remate também desenquadrado de Alioski depois de um contra-ataque (20′). Era assim, através da transição rápida que procurava capitalizar os erros portugueses, que a Macedónia estendia a equipa e explorava terrenos mais adiantados — algo que deixava a Seleção sem grande margem para falhar passes ou movimentações.

Diogo Jota teve uma boa oportunidade para marcar de cabeça (24′), como não podia deixar de ser, mas o cabeceamento por cima do avançado do Liverpool foi apenas o aperitivo para o golo de Bruno Fernandes. Pouco depois da meia-hora, o médio do Manchester United intercetou um passe de Ristovski da direita para o corredor central, combinou com Cristiano Ronaldo e recebeu à entrada da grande área, onde atirou em força para bater Dimitrievski (32′). A ganhar, Portugal conquistou algum ascendente na partida e poderia ter aumentado a vantagem ainda na primeira parte, com Jota a atirar à malha lateral (40′) e Cancelo a rematar por cima já nos descontos (45+2′).

Ao intervalo, a Seleção Nacional estava a ganhar e colocava-se a 45 minutos do Mundial do Qatar. Apesar de a Macedónia do Norte estar a demonstrar uma resistência clara e uma coesão defensiva que não permitia a Portugal descansar na segunda parte, a equipa de Fernando Santos parecia estar ciente do desafio e ia assentando na qualidade coletiva para colmatar a ausência de grandes exibições individuais. Nesse capítulo, saltava à vista a prestação de Danilo, que ganhava todos os duelos aéreos e até fazia a diferença no ataque com passes longos à procura de desmarcações nas costas da defesa.

Na segunda parte, Blagoja Milevski mexeu de imediato e trocou de avançado, tirando Ristovski para colocar Miovski. O jogo decorreu sem grandes ocorrências durante mais de 20 minutos: a Macedónia do Norte demonstrou maior capacidade para ter posse de bola e passava mais tempo no meio-campo adversário, com Portugal a optar por atuar na expectativa e atacar essencialmente na transição rápida. Milevski fez a segunda substituição já perto da hora de jogo, trocando o herói Trajkovski — que marcou o golo que eliminou Itália — por Churlinov, e a Seleção Nacional demonstrou uma eficácia acima da média ao capitalizar um dos poucos contra-ataques que conseguiu finalizar.

Pepe recuperou a bola junto à área portuguesa, Bruno Fernandes começou a condução e combinou com Otávio, o médio do FC Porto abriu na esquerda e Diogo Jota descobriu o jogador do Manchester United já no coração da grande área, onde este atirou de primeira para bisar e aumentar a vantagem (66′). Com o apuramento cada vez mais próximo, Fernando Santos tirou Otávio e Diogo Jota para colocar William Carvalho e Rafael Leão, subindo Bernardo no relvado, e o jogo entrou numa fase mais incaracterística em que a Macedónia do Norte subiu as linhas e Portugal descobria espaço nas costas da defesa adversária praticamente sempre que soltava um passe longo.

Até ao fim, João Félix e Matheus Nunes ainda entraram e Vitinha substituiu João Moutinho já nos descontos, estreando-se de forma absoluta na Seleção Nacional. Portugal segurou a vantagem de dois golos, venceu a Macedónia do Norte e garantiu o apuramento para o Mundial 2022, no Qatar, carimbando a presença no sexto Campeonato do Mundo consecutivo e prolongando um período de já 22 anos em que não falha qualquer fase final de uma competição. A era, ao que parece, ainda não acabou: e não acabou porque existe uma dinastia em que Cristiano Ronaldo ainda é o rei mas Bruno Fernandes já está pronto para receber a coroa que distingue os que fazem a diferença nos dias em que é preciso.