Depois do aviso, a sem-resposta. Minutos depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter dito que a saída de António Costa para um cargo europeu não seria “politicamente fácil”, o primeiro-ministro aproveitou o discurso de tomada de posse para prometer “estabilidade até outubro de 2026”, altura em que termina formalmente o mandato para o qual foi eleito nestas eleições legislativas.

As suspeitas de que António costa tem vontade de assumir um cargo europeu no ciclo que vai se vai abrir depois das próximas Europeias, em 2024, apesar de recorrentes, ganharam nova dimensão com os recados de Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua intervenção, e apesar de não ter sido absolutamente direto, Costa recordou o mandato entregue pelos eleitores.

“Os portugueses resolveram nas eleições a crise política e garantiram estabilidade até outubro de 2026. Estabilidade não é sinónimo de imobilismo, é sim, exigência de ambição e oportunidade de concretização”, disse Costa. Estava feita a promessa de “estabilidade” até ao final do mandato.

De resto, António Costa seguiu quase à risca o discurso que tinha preparado, com uma única exceção apenas para responder ao recado de Marcelo sobre os perigos da maioria absoluta, aproveitando para lembrar as maiorias de Cavaco Silva que tantas vezes “se confundiram com poder absoluto”.

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Na noite eleitoral, há dois meses, António Costa recusou  a ideia de ter agora “poder absoluto” e recordou ter feito “parte de uma geração que se bateu contra uma maioria existente, que tantas vezes se confundiu com um poder absoluto”. A maioria em causa era a Cavaco Silva que repetiu por duas vezes o resultado eleitoral, em 1987 e 1991.

Antes, Marcelo já tinha deixado o aviso e Costa deu sinal de ter tomado nota disso mesmo ao repetir a ideia da noite do Altis: “A maioria absoluta que nos foi concedida não significa poder absoluto. Pelo contrário, a maioria absoluta corresponde a uma responsabilidade absoluta para quem governa”.

E essa responsabilidade é elevada, de acordo com o plano que deixou na sua intervenção ao referir que “Portugal tem hoje as condições de que nunca dispôs para virar a página para um novo ciclo de desenvolvimento sustentável e inclusivo”.

Antes de se dirigir ao Governo que entra esta quarta-feira em funções, Costa expressou “profunda gratidão” à equipa que cessante, responsabilizando-a pelos sucessos perante “a tormenta”, referindo-se à pandemia (onde destacou o papel SNS).

António Costa tinha começado a intervenção com uma frase recuperada da tomada de posse de 2019 quando disse que “quanto maior for a tormenta, maior será a determinação” do Governo “em ultrapassá-la”. E isso para dizer que quase pareceu “premonitória do que iria enfrentar com a terrível pandemia.”

E seguiu para o próximo Executivo. “Desta vez a tormenta não nos dá sequer dois meses de estado de graça“, referindo-se ao contexto e consequências para a Europa da guerra na Ucrânia.

“A guerra acrescenta um enormíssimo fator de incerteza às nossas vidas, à nossa economia familiar, à saúda das nossas empresas e os nossos empregos”, resumiu ainda Costa sobre as consequências.

Costa garantiu, no entanto: “Se conseguimos em 2015 recuperar da austeridade e em 2020 responder à pandemia, agora, em 2022, vamos saber enfrentar os impactos da guerra e prosseguir a nossa trajetória de crescimento e desenvolvimento”.

“Podíamos olhar para a tormenta e ficar em terra, mas não é isso que os portugueses esperam de nós”. Costa considera que os portugueses reconhecem um Governo que “resolve problemas e cria oportunidades” e querem “que trabalhe afincadamente, já a partir de hoje”.

Ou numa tirada mais política a fazer lembrar como o passado recente não está esquecido: “Os portugueses exigem que recuperemos o tempo perdido com uma crise política que não desejavam”.

Sobre o que tem como prioridade, Costa falou no Programa de Estabilidade “que prossegue a trajetória de equilíbrio orçamental e redução sustentada da dívida pública, que temos compatibilizado com ambição económica, social e ambiental”.

Mas também o Orçamento do Estado para este ano. “Temos pronta a proposta de Orçamento do Estado para este ano, honrando os compromissos assumidos, como o aumento extraordinário de pensões com efeitos retroativos, a redução do IRS para a classe média ou o início da gratuitidade das creches”, afirmou.

António Costa aponta também para as”condições únicas” que existem nos anos que aí vêm para “romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários”.

Quanto à tal maioria absoluta que promete assumir como “responsabilidade“, Costa garante que será “uma maioria de diálogo”. “De diálogo parlamentar, político e social”, já que “as eleições alteraram a composição da Assembleia da República, mas não alteraram a Constituição”.

O quadro institucional é o mesmo e que Costa promete é “normalidade constitucional e a continuidade da saudável cooperação e solidariedade institucional, que tanto têm apreciado e que são um inestimável contributo para o reforço das instituições democráticas e o prestígio de Portugal no exterior”.

“O quadro internacional é novo e coloca-nos novas exigências”, disse ainda Costa, já na fase final da intervenção prometendo um “rumo inalterado” por parte do Governo. “Virámos a página da austeridade. Estamos a virar a página da pandemia. Vamos virar a página da guerra“, afirmou na sala dos Embaixadores do Palácio Nacional da Ajuda. Na despedida, António Costa despediu-se a garantir “renovada energia, determinação e entusiasmo” para a “nova etapa”.