Um aviso que é tudo. Marcelo Rebelo de Sousa não vê com bons olhos uma eventual saída de António Costa para um cargo europeu em 2024 e lembrou isso mesmo no discurso que assinalou o minuto zero do XXIII Governo Constitucional: os portugueses deram uma quatro anos e meio e uma maioria absoluta ao socialista; e isso é um “preço a pagar”.

Não é a primeira vez que a tese de que António Costa está a pensar numa eventual saída para o cargo de presidente do Conselho Europeu em 2024 surge no debate político. Ainda na terça-feira, em entrevista ao Observador, o deputado e dirigente socialista Porfírio Silva argumentou que Costa tem agora “mais margem de manobra” para aceitar o cargo europeu.

Marcelo antecipou esse cenário e fez questão de avisar desde já: “[António Costa] fez questão de personalizar o voto ao falar na escolha entre duas pessoas. Os portugueses deram maioria absoluta a um partido, mas também a um homem. É o preço das grandes vitórias”, notou o Presidente da República.

“Agora que ganhou por quatro anos e meio, Vossa Excelência sabe que não será politicamente fácil que a cara que venceu de forma incontestável e notável possa ser substituída por outra a meio do caminho.”

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Marcelo deixou outro recado sério para António Costa. “Os portugueses proporcionaram condições excecionais para sem desculpas ou álibis para fazer o que tem de ser feito. Deram maioria absoluta, não deram nem poder absoluto nem ditadura de maioria”.

A esse propósito, o Chefe de Estado prometeu solidariedade institucional, mas também atenção permanente, “vigiando distrações e adiamentos quanto ao essencial, autocontemplações, deslumbramentos, tentando evitá-los para não ter de intervir a posteriori.”

Sobre os quatro anos de governação que se colocam no horizonte, o Presidente da República recordou que “os portugueses esperam dos autarcas, Governo e Presidente, como em todos os tempos de guerra, segurança, estabilidade, unidade no essencial, recusa de primazia ou intenções secundárias”. “O essencial em 2022 é garantir que não se esquecem as lições dos últimos dois anos.”

Numa altura em que a guerra na Ucrânia ocupa a quase totalidade da agenda, Marcelo lembra a pandemia frisando que é essencial que se garantam as condições para que os portugueses deixem de viver “num abre e fecha da vida pessoal e economia”.

A nível económico, Marcelo exigiu a aplicação “rigorosa” dos fundos, defendendo que tem de “significar que filho ou neto de pobre não esteja condenado a ser pobre, e filho ou neto do interior não esteja condenado a emigrar e filho ou neto de quem vive nas regiões autónomas tenha de lá viver”.

“Das missões mais urgentes nascem as mais profundas“, assinalou o Presidente neste discurso da posse do Governo que avisa já que tem de fazer uma “utilização rigorosa dos fundos” e que isso significa “apostar mais no investimento e no crescimento da economia”. O momento “exige passos mais vigorosos” que no mandato anterior.

De resto, Marcelo Rebelo de Sousa deteve-se nos primeiros minutos do discurso na “invasão” da Ucrânia. “De repente todos percebemos que tínhamos mudado”, começou por dizer o Presidente, mas frisando que “não foi de repente”, passando em revista os sinais que foram existindo por parte da Rússia.

As ligações que várias democracias europeias fizeram com a Rússia também não ficaram de fora do discurso do Presidente que lembrou a “sobrevalorização da dependência energética de algumas economias europeias” ao país liderado por Vladmir Putin.

“Tudo parecia dar espaço e abrir caminho a uma visão eficaz baseada nas fragilidades alheias e usando as interdependências económicas com um fim”, afirma o Presidente. “Num longo e doloroso instante o mundo olhou-se ao espelho e viu que tinha mudado sem se dar conta”, apontou acrescentando que “a demorar a paz e o rescaldo da guerra podia ser desolador o panorama no crescimento, exigindo correção de expectativa, previsões e políticas pensadas para o mundo antes da Guerra”, disse Marcelo.

“Este é um conflito que nasceu do poder geopolítico” e é “falho de pretextos convincentes”, atirou Marcelo numa crítica à Rússia que continua sobre outra dimensão ainda. “A escalada da agressão converteu-se num choque sobre direitos humanos básicos” e ataques a alvos civis que aconteceram, segundo Marcelo, “à míngua de sucessos militares fulminantes”.