Timofei Sergeitsev, um analista russo pró-Kremlin, escreveu um polémico artigo publicado pela agência de notícias russa (pública) Ria Novosti a defender a “eliminação” do que diz ser uma elite “nazi” na Ucrânia. E argumenta que “uma parte significativa da população” ucraniana é constituída por “nazis passivos” que apoiaram o regime “nazi” — pelo que, também eles, “são culpados”.

Com o título “O que a Rússia deve fazer com a Ucrânia”, Timofei Sergeitsev explica o que Moscovo deveria fazer para “desnazificar a Ucrânia”. Sergeitsev segue, assim, a linha de argumentação já defendida por Vladimir Putin de que o objetivo da Rússia é a “desnazificação” do país de Zelensky. A narrativa de que há uma preponderância nazi nas altas esferas ucranianas já foi refutada pelo próprio Presidente ucraniano, que é judeu e cujo avô, além de ter lutado no Exército Vermelho da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, perdeu três irmãos para os nazis.

A retórica do artigo, que está a causar controvérsia nas redes sociais, já foi classificada por Francis Scarr, jornalista da BBC, como “horrível” até “para os padrões que estou acostumado a ver nos media pró-Kremlin”.

No artigo, Timofei Segeitsev começa por escrever que a “desnazificação da Ucrânia era inevitável” e que o país de Zelensky, além de ser uma nação “inimiga” da Rússia, era um “instrumento para o Ocidente destruir a Rússia”. Segeitsev argumenta que, na Ucrânia, uma “parte significativa” do povo estava, antes da guerra, “interiorizada com o regime nazi”.

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Mas em que consiste essa “desnazificação” que Segeitsev quer ver posta em prática? Numa “reeducação alcançada pela repressão ideológica das atitudes nazis, e numa censura severa: não só no que toca ao campo político, mas também a nível cultural e da educação”. E é a Rússia, acredita, que deve levar a cabo esse processo.

Segeitsev escreve mesmo que a Ucrânia tem conseguido “disfarçar o nazismo”. Como? Por exemplo, “não existe nenhum partido nazi”, “nenhum Führer” nem “leis que tratem de raça. Apenas têm, alega o autor, uma versão que se reduz à repressão contra a língua russa”.

Mesmo assim, rejeita que o “nazismo ucraniano” seja uma “versão light” do nazismo alemão”. “Pelo contrário, uma vez que o nazismo ucraniano é livre destas estruturas e restrições de “género”, logo, acusa, “acaba por constituir a base fundamental de todo o nazismo, como o racismo europeu e o americano, na sua forma mais desenvolvida”.

Sobre as regiões de Donetsk e Lugansk, diz que as “repúblicas populares recém-criadas” foram constituídas “num espaço livre de nazis” e “deverão crescer a partir de uma prática de um autogoverno económico, da restauração e modernização dos sistemas de apoio à vida da população”. Nesses territórios “não haverá “neutralidade”.

“(…) ao contrário da Geórgia e dos países bálticos, a Ucrânia, como mostra a história, não é capaz de ser um estado-nação, e as tentativas de o “construir” levam ao nazismo”.

Para o autor, a cultura ucraniana “é uma construção artificial anti-russa que não tem um conteúdo civilizacional”, pois é “um elemento subordinado a uma outra civilização”, escreve, numa alusão à cultura ocidental.

Mais: “A desnazificação será inevitavelmente a desucranianização — uma rejeição da artificialidade em larga escala da componente étnica da autoidentificação da população dos territórios históricos da Malorossiya e Novorossiya, iniciada pelas autoridades soviéticas”.

O legado de Stepan Bandera — e os seguidores que têm de ser “eliminados”

Ao longo do texto são várias as referências a Stepan Bandera, figura controversa da História ucraniana, acusado pelos soviéticos de ter ajudado os nazis na Segunda Guerra mundial. Uma das referências é para defender que a “elite Bandera deve ser eliminada” uma vez que “a sua educação é impossível”.

“O “pântano” social, que o apoiou ativa e passivamente, deve sobreviver às dificuldades da guerra e aprender uma lição histórica e esse será o preço da sua culpa. Aqueles que não apoiaram o regime nazi sofreram com isso e com a guerra desencadeada no Donbass, devem ser consolidados e organizados, devem ser a esperança do novo poder tanto na vertical, como na horizontal”, afirma.

Timofei Segeitsev defende também a “eliminação de nazis não obedientes”, a “captura de criminosos de guerra” e “a criação de condições para a subsequente desnazificação nos tempos de paz”. Para que este último objetivo seja possível, é preciso que seja criado um “autogoverno local da polícia e dos órgãos de defesa”, criado um “novo estado republicano” e a “integração desse estado numa cooperação com o departamento russo para a desnazificação da Ucrânia (recém-criado ou a colaborar com o russo) (…) sob o controlo da Rússia”.

A Rússia, acredita, “deve atuar como guardiã dos Julgamentos de Nuremberga”. Para isso, é preciso “apoiar a população” e a sua “transição para o lado da Rússia depois da libertação do terror, da violência e da pressão ideológica do regime de Kiev”.

Embora reconheça ser “improvável” que a Ucrânia Ocidental “faça parte dos território pró-russos”, admite que seja precisa “uma presença militar russa permanente no território” para garantir que essa Ucrânia se mantém “residual”. “Da linha de alienação até a fronteira russa, haverá um território de potencial integração na civilização russa, antifascista na sua natureza.”

A “desnazificação” que gostaria de ver em marcha teria vários passos:

  • a eliminação de “formações nazis armadas”, de infraestruturas militares e a promoção de “materiais de educação que garantam essa atividade”, além da formação de órgãos de “autogoverno popular” e “milícias”;
  • a “proibição de programas que contenham ideologias nazis”, a “investigação em massa para estabelecer a responsabilidade pessoal por crimes de guerra, por crimes contra a humanidade e pela disseminação da ideologia nazi e apoio ao regime”;
  • e a “publicação dos nomes dos cúmplices do regime nazi, que seriam obrigados a trabalhos forçados para restaurar a infraestrutura destruída como punição (sobre os que não estarão sujeitos à pena de morte ou prisão”.

Para tudo isto, a Rússia também terá de se “separar das ilusões pró-europeias e pró-ocidentais”.