Nem a suspensão da Rússia do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que aconteceu na tarde de quinta-feira, fez o Kremlin alterar a narrativa: numa entrevista à Sky News, o porta-voz Dmitry Peskov voltou a repetir que o exército russo nunca atingiu alvos civis, nem em Bucha, nem em Mariupol, nem em qualquer outra cidade ucraniana. A culpa da guerra, a que chama “operação militar especial”, é antes da própria Ucrânia e da NATO, uma “máquina de confrontação” que tem a Rússia como alvo.

Estes foram os principais temas da entrevista de Dmitry Peskov:

Bucha foi “uma situação bem encenada”

“Insistimos que a situação em Bucha é uma situação bem encenada, nada mais que isso. Aquelas pobres pessoas… Aqueles corpos não são de vítimas de pessoal militar russo”, afirmou Dmitry Peskov sobre o massacre que matou mais de 400 pessoas e tem gerado indignação mundial.

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Massacre de Bucha. O que se sabe, o que falta saber e os próximos passos da investigação

O porta-voz de Vladimir Putin disse que as imagens de Bucha, que mostram os corpos dos civis nas ruas, inicialmente obtidas por satélite pela empresa Maxar, “foram geradas depois de as tropas russas deixarem a zona”, com Peskov a comentar que a Maxar “tem uma cooperação próxima com o Pentágono”.

“O exército russo nunca bombardeou alvos civis”

E não foi só em Bucha que o Kremlin negou ter causado baixas civis. “O exército russo nunca bombardeou alvos civis, apenas usou mísseis de alta precisão para atacar estruturas militares ucranianas”, afirmou Dmitry Peskov, à Sky News.

O porta-voz do Kremlin apontou antes do dedo ao exército ucraniano, que diz estar a “usar civis como escudos”. “Estão a esconder-se com os civis e não os deixam fugir das cidades”, garantiu.

Kremlin admite “perdas significativas de tropas”

Sem avançar números, Peskov admitiu que a Rússia sofreu “perdas significativas de tropas”. “É uma enorme tragédia para nós”, afirmou.

Já sobre a morte de civis ucranianos, o porta-voz de Vladimir Putin não se quis comprometer, e insistiu apenas ter muitas dúvidas sobre a informação divulgada no Ocidente. “Vivemos numa época de falsidades e mentiras”, alertou.

“Mariupol vai ser libertada de batalhões nacionalistas”

O porta-voz do Kremlin garantiu que a cidade de Mariupol, uma das que tem sido mais bombardeada, “vai ser libertada de batalhões nacionalistas”. Sem concretizar, Peskov disse esperar que isso aconteça “rapidamente”.

Apesar dos muitos relatos de ataques a Mariupol, o porta-voz negou que tal aconteça pela mão do exército russo. Confrontado com o ataque a uma maternidade de um hospital pediátrico, repleta de crianças e grávidas na altura em que foi bombardeada, Peskvok negou qualquer intervenção russa e até pôs em causa que o ataque tenha sido real. “Temos motivos muito sérios para afirmar que foi falso”, afirmou.

Bombardeamento em maternidade de Mariupol faz três mortos, incluindo uma criança. Há mulheres em trabalho de parto nos escombros

Putin julgado por crimes de guerra? “Não consideramos isso uma possibilidade realista”

O porta-voz do Kremlin foi questionado sobre a possibilidade de o Presidente russo ser julgado por crimes de guerra. “Não vemos qualquer possibilidade de isso acontecer. Não consideramos uma possibilidade realista”, respondeu Peskov.

Sobre a suspensão da Rússia do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, na tarde de quinta-feira disse apenas: “Lamentamos e vamos continuar a defender os nosso interesses de todas as formas legais possíveis”.

Negociações de paz podem dar frutos “nos próximos dias”

Peskov demonstrou algum otimismo em relação às negociações de paz, que continuam a decorrer entre delegações da Ucrânia e da Rússia. O porta-voz do Kremlin disse ainda acreditar que podem levar ao fim da guerra, e até que o desfecho pode estar para breve.

“Esperamos que nos próximos dias esta operação atinja os seus objetivos ou termine através da negociação entre as delegações russa e ucraniana (…) Vai depender da consistência da posição ucraniana e a que ponto eles estão dispostos a respeitar as nossas condições”, afirmou.

O maior objetivo da NATO é “confrontar” a Rússia

Pressionado sobre o futuro do conflito militar, o porta-voz do Kremlin remeteu culpas para a NATO. “Estamos profundamente convencidos que a NATO é uma maquina de confrontação. O maior objetivo da sua existência é confrontar o nosso país”, afirmou.

Dmitry Peskov defendeu que a atual guerra na Ucrânia — a que chama de “operação militar especial” — aconteceu como forma de prevenir “uma possível ameaça de guerra” mundial, num cenário em que a Ucrânia conseguisse aderir à NATO e contestasse, por exemplo, a anexação da Crimeia pela Rússia. “Países da NATO, com armas nucleares, tinham de defender a Ucrânia”, salientou.

Ainda assim, o porta-voz do Kremlin afastou que uma adesão da Ucrânia à NATO, ou a imposição de sanções debilitantes, possam ser consideradas “ameaças existenciais” que justificassem o uso de armas nucleares.

“Não reconhecemos o Tribunal Penal Internacional”

O porta-voz do Kremlin apelou a que sejam ouvidas outras testemunhas durante as investigações a atentados contra os direitos humanos na Ucrânia. “Há muitas testemunhas que nos contaram terríveis histórias sobre os batalhões nacionalistas que torturavam pessoas, não as deixavam sair das cidades. Também há estas testemunhas, mas vocês não querem ouvir essas”, criticou, quando confrontado com relatos de civis torturados.

“Estamos sempre a ouvir que tudo é culpa da Rússia e discordamos totalmente disso” sublinhou.

Apesar de apelar a investigações amplas, Dmitry Peskov rejeitou qualquer cooperação com o Tribunal Penal Internacional: “Não reconhecemos o Tribunal Penal Internacional e não somos os únicos a fazer isso. Estamos interessados numa investigação realmente independente. Mas queremos compreender qual seria o formato dessa investigação, porque temos uma experiência amarga com investigações internacionais”.