O presidente da câmara municipal do Porto, Rui Moreira, vai levar à Assembleia Municipal uma proposta para que a autarquia portuense deixe de fazer parte da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). A informação é avançada pelo Jornal de Notícias, que cita um “documento a que teve acesso” em que a intenção é anunciada.

No documento, Rui Moreira explica a proposta acusando a ANMP de “manter uma postura de cumplicidade e total conivência com as medidas adotadas pela administração central” relativamente ao processo de descentralização, ignorando as pretensões e exigências dos municípios. A ANMP é atualmente presidida por Luísa Salgueiro. A presidente socialista da câmara municipal de Matosinhos sucedeu ao também socialista (e histórico do PS) Manuel Machado, que foi presidente da câmara municipal de Coimbra durante quase duas décadas (primeiro entre 1990 e 2001, depois entre 2013 e 2021).

No documento citado pelo JN, Rui Moreira acusa a organização de “total fracasso” no desempenho de “funções que lhe estão estatutariamente atribuídas” e de “absoluto boicote” aos municípios por ter feito “acordos com o Governo sem ouvir os municípios e sem estar para tal mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas”.

Horas depois de ser tornada pública a intenção de Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto convocou uma conferência de imprensa para esclarecer que não passa “cheques em branco à ANMP” e que pretende negociar diretamente com o Governo. “Apresentamos uma providencia cautelar e o Governo respondeu dizendo que o valor a transferir para os municípios [nomeadamente os 20 mil euros por escola para manutenção] foi acordado com ANMP, ou seja, foi feito um negócio com a ANMP nas nossas costas“, afirmou, acrescentando a vontade de negociar e a chegar a um consenso diretamente com o executivo de António Costa.

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“Quero ter a possibilidade de negociar diretamente com o Governo, não passo um cheque em branco à ANMP, que a meu ver não tem representado devidamente. O município do Porto não está em condições de passar um cheque em branco à ANMP para negociar aquilo que ainda podemos negociar. Não podemos ficar na mão de negociadores dos quais temos razões para não confiar. Vamos negociar isto à peça? Comigo não contem.”

Rui Moreira reúne-se nos próximos dias com ministro da Educação para falar sobre a descentralização de competências

Rui Moreira tem sido uma das vozes mais críticas sobre a forma como o tema  da descentralização está a ser conduzido, “um processo desvirtuado e feito aos safanões”, e defende que a transferência de competências na educação não veio com “um envelope financeiro respetivo”, algo que teme que aconteça também na saúde e na coesão social. “Isto é altamente gravoso. As verbas que hoje temos de alocar a descentralização não nos permite fazer os investimentos que os cidadãos esperam de nós”, referiu

O independente recordou ainda que não recebeu qualquer resposta de António Costa à carta que escreveu a 22 de março juntamente com Carlos Moedas, afirmando que as verbas que acompanham a transferência de competências, sobretudo nas áreas da saúde e educação, são insuficientes. Já no passado dia 1 de abril, dia em que começou a descentralização na educação, o autarca do Porto revelou que se iria reunir com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e com o ministro da Educação, João Costa, nos próximos dias, algo que ainda não aconteceu. “Não tivemos resposta e não vimos por parte da ANMP empenho nessa matéria.”

Descentralização: um assunto antigo e polémico

Já em 2018 Rui Moreira levara à Câmara Municipal do Porto uma proposta (que foi aprovada) para desvincular a autarquia das decisões da ANMP, devido ao acordo de descentralização entre ANMP e Governo. E criticara a ANMP, em declarações prestadas após uma audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Dissera: “À ANMP não lhe competia caucionar politicamente um acordo com o qual os municípios não estavam de acordo”.

Rui Moreira diz que não compete à ANMP fazer acordos sem consultar municípios

Há menos de um mês, a ANMP teve um encontro com autarcas da Área Metropolitana do Porto. Depois de ouvir as preocupações de estes autarcas, o secretário-geral da organização, Rui Solheiro, prometeu “chamar a atenção” do Governo “para os problemas que existem” mas manifestou confiança “de que vai haver por parte do Governo compreensão e forma de arranjar saídas que permitam resolver os problemas”.

Já este mês, a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, defendeu publicamente que “é imprescindível” que o Governo reveja critérios da delegação de competências para que não haja um “agravamento da situação financeira das autarquias” — ou seja, para que não transfira competências para as autarquias sem lhes dar meios financeiros correspondentes. “Não podemos manter o poder todo concentrado em Lisboa. Não podemos ter um discurso regionalista e, por outro lado, num momento em que é possível aceitar competências, dizer que não. Nós queremos a descentralização, queremos as novas competências” mas com meios, apontou então.

Em dezembro do ano passado, a ANMP aprovou em congresso uma proposta que defendia o aprofundamento da descentralização de competências e que alertava para fragilidades do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Congresso/ANMP. Resolução final defende regionalização e descentralização