No dia em que começa o processo de descentralização na área da educação, Rui Moreira continua a ser uma das vozes mais críticas sobre a forma como o tema está a ser conduzido, pede bom senso e revela que irá reunir com o Governo nos próximos dias. “Espero ainda que haja bom senso. Recebi ontem um telefonema da Sra. ministra Ana Abrunhosa, no final da primeiro reunião do Conselho de Ministros, a dizer que precisava de reunir comigo com urgência, juntamente com o ministro da Educação, João Costa. Espero que esta reunião se venha a concretizar o mais rapidamente possível”, afirmou Moreira esta sexta-feira, à margem de um evento cultural no Museu Nacional Soares dos Reis.

Ainda sem uma data marcada no calendário, o independente até mostrou disponibilidade para ir a Lisboa debater o assunto. “Interromperia qualquer coisa para estar presente. Tive hoje também uma conversa com o presidente da Área Metropolitana do Porto [Eduardo Vítor Rodrigues] a quem dei nota da previsibilidade desta reunião e pedi-lhe para também para estar presente, precisamente porque continuo a acreditar que nesta matéria haveria uma maior razoabilidade se existisse um envolvimento metropolitano. Em Lisboa já se está a tomar essa posição, era importante que aqui houvesse também esse exercício.”

Moedas defende adiamento da descentralização

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Rui Moreira considera que não tem sido ouvido e que a união entre municípios neste tema pode mesmo a diferença, veja-se pela carta que escreveu, a 22 de março, juntamente com Carlos Moedas, autarca de Lisboa, ao primeiro-ministro, afirmando que as verbas que acompanham a transferência de competências, sobretudo nas áreas da saúde e educação, são insuficientes.

“Acredito na boa fé do Governo, o problema é que as direções gerais querem passar custos e não receitas, querem ficar com as receitas para eles, uma comissão independente fazia todo o sentido”, afirmou, sublinhando que com a eleição de um novo Governo, talvez exista uma luz ao fundo do túnel. “Nos últimos tempos não temos conseguido falar com ninguém, não se sabia se o anterior Governo estava ou não em funções e estava tudo na mão dos setores intermédios do Estado, ou seja, das direções gerais e regionais que nos davam ordens. Agora talvez seja tempo de corrermos atrás do prejuízo e quiçá até suspender esta questão até ao início do próximo ano letivo.”

Presidente da Câmara do Porto admite ação judicial para travar transferência de competências na ação social

Recorde-se que no passado dia 26 de março, a câmara do Porto entregou no Supremo Tribunal Administrativo uma providência cautelar contra o processo de descentralização de competências, garantindo não ter cabimentação orçamental para assegurar as novas responsabilidades e, por isso, pede ao juiz a suspensão da transferência sob pena de risco de paralisação dos estabelecimentos.

Um “veneno puro” e uma “oportunidade perdida”

Segundo o presidente da autarquia do Porto, a partir desta sexta-feira o município tem mais cerca de mil trabalhadores não especializados na área da educação. “Naturalmente serão muito bem tratados, não estão em risco as suas condições de trabalho ou os seus salários, mas uma transferência desta monta tem que ter uma neutralidade orçamental que não está garantida.”

Moreira fala mesmo de uma “pseudo descentralização”, uma vez que a descentralização implica uma passagem de poder, algo que na visão do independente não está a acontecer. “Não nos transferiram poder nenhum, basta ver que é através de uma direção regional [Direção de Serviços da Região Norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares] que recebemos ordens”, começa por dizer, dando mesmo exemplos mais concretos.

“Os pais das crianças esperavam que o presidente da câmara pudesse melhorar a qualidade do ensino em matérias curriculares, os professores esperariam provavelmente que pudéssemos ver a questão da colocação, decidir horários ou grandes reabilitações. Nada disso passou para as câmaras, a educação não passou para as câmaras, o que passou foi administração burocrática dos edifícios escolares com pessoal não especializado.”

O autarca rejeita a ideia de que a transferências de poderes seja um presente envenenado, defende que se trata de um poder imposto e promete lutar até às últimas consequências. “Nem sequer é presente, é veneno puro. É uma coisa péssima e o que é grave é que isto de alguma maneira frustra as expectativas quer dos municípios quer dos cidadãos. Tudo isto não foi pensado, foi imposto, ora o poder imposto é não poder. Não nos foi passado nenhum poder e nós vamos lutar ate às últimas consequências para que a descentralização seja mesmo uma descentralização ou então que se espere até que haja boas contas.”

Demonstrando igual preocupação relativamente à descentralização na área da saúde, sublinha que a população não irá compreender estas medidas e que se trata de uma “oportunidade perdida” que poderá condenar uma futura regionalização. “Dói-me na alma porque é uma oportunidade perdida, principalmente é atraiçoar o princípio da descentralização e no final isto condenar a que regionalização seja mais uma vez adiada. A população não vai querer a regionalização porque amanhã irá ver uma região para a qual não irão ser transferidos os recursos que ela precisa para desenvolver as suas ações.”