O Governo quer dar à área da Cultura em 2022 menos dinheiro do que se propunha gastar em outubro do ano passado, ainda que haja um acréscimo face a 2021. É o que se conclui da proposta de Orçamento Geral do Estado para 2022 (OE2022), entregue nesta quarta-feira na Assembleia da República pelo ministro das Finanças, Fernando Medina.

Na versão orçamental de outubro do ano passado — que veio a ser chumbada, determinando a realização de eleições antecipadas — lia-se que a despesa total consolidada da Cultura prevista para 2022 seria de 390 milhões de euros, mais 70,1 milhões de euros face ao orçamento de 2021. Desta vez, o executivo de António Costa é mais austero nos gastos. A despesa total consolidada é de 365,4 milhões de euros, mais 45,5 milhões de euros face a 2021. Ou seja, a diferença entre os montantes da proposta de outubro e da proposta conhecida nesta quarta-feira é de menos 24,6 milhões de euros.

Pedro Adão e Silva, novo ministro da Cultura, vai ter verbas mais reduzidas do que teria em 2022 a antecessora, Graça Fonseca. Ainda assim, o OE2022 refere que o Governo “prosseguirá a política de reforço de investimento na Cultura, tendo em vista atingir, ao longo da legislatura, o objetivo estratégico de 2,5% da despesa discricionária” (não obrigatória) do Estado, o que contrasta com os 2% inscritos na proposta de outubro. Isto pode significar que os gastos com o setor terão uma trajetória ascendente em próximos orçamentos.

Quanto à RTP, que se mantém sob a alçada do Ministério da Cultura, o Governo prevê gastar 254 milhões este ano, o mesmo que já estava inscrito em outubro. Juntando este montante ao da restante despesa, a Cultura terá 619,4 milhões de euros em 2022.

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Ainda no setor audiovisual, a proposta de lei do OE2022 (disponível no site da Assembleia da República) deixa de lado a intenção apresentada em outubro de taxar os operadores de serviços de televisão por subscrição (MEO, Vodafone, NOS, etc.) em dois euros por semestre e por cliente. “No Orçamento do Estado de 2023 procurar-se-á encontrar uma nova solução, em diálogo com o setor”, transmitiu ao jornal Público na quarta-feira à tarde o gabinete de Adão e Silva.

O Estatuto do Artista (ou Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura), que “visa combater a precariedade”, está em vigor desde os primeiros dias do ano mas não surge inteiramente quantificado ao nível da despesa. Há uma referência na proposta de lei do OE2022, segundo a qual o Ministério das Finanças vai transferir “até dois milhões de euros” para o Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Área da Cultura.

Outra das novidades do documento está no tema controverso do apoio do Estado aos média. Se no texto de há seis meses os socialistas pretendiam “mapear as necessidades de financiamento dos órgãos de comunicação social em Portugal”, desta vez fala-se em “proceder à revisão do atual sistema de apoios aos órgãos de comunicação de âmbito local e regional”, medida já incluída no Programa do Governo. Não há referências aos média de âmbito nacional.

O Governo vai também reduzir a componente Cultura do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). A proposta diz que o valor global é de 243 milhões de euros até 2025, o que já se sabia, e adianta que este ano a verba corresponde a 57,9 milhões de euros. Na proposta de OE conhecida há seis meses falava-se em 66 milhões.

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De acordo com a proposta de lei do OE2022, o mecenato cultural continuará a ser majorado em 10 pontos percentuais se o montante anual for de pelo menos 50 mil euros por entidade beneficiária, dirigido à conservação do património ou programação de museus. Se tal acontecer em ligação a zonas do interior do país, a definir pelo Governo, a majoração pode chegar aos 20 pontos percentuais. Esta medida de “mecenato cultural extraordinário” surgiu no Orçamento de 2021 e transita para 2022.

É também mantida, em consonância com o OE2021 e com a proposta de outubro, a entrada gratuita em museus e monumentos nacionais para alguns estudantes do ensino profissional e superior. A “gratuitidade no acesso aos museus e monumentos nacionais para estudantes do ensino profissional e superior nas áreas histórico-artísticas e de turismo, património e gestão cultural” é descrita como um “incentivo à investigação do património cultural”.

No capítulo da arte contemporânea, a que a anterior ministra da Cultura sempre deu especial atenção, o documento entregue por Fernando Medina refere que é de “manter o papel da Comissão para a Aquisição de Arte Contemporânea”, ou seja, a compra de obras para a Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE, antigamente conhecida como Coleção Secretaria de Estado da Cultura). A dotação para este ano é de 800 mil euros, mais 150 mil do que em 2021, o que também já estava previsto.

Na quinta-feira à tarde, depois da publicação desta notícia, o Ministério da Cultura informou o Observador de que a discrepância entre a despesa da Cultura na proposta de outubro e na proposta atual se deve a um “lapso nos valores de Fundos Europeus”, incluindo o PRR da Cultura, pelo que a “variação do valor associada à correção do lapso não tem nenhuma correspondência na dotação de facto disponível”.

Ou seja, segundo o ministério agora liderado por Adão e Silva, os 365,4 milhões de euros para 2022 inscritos na proposta conhecida na quarta-feira não significam um decréscimo de 24,6 milhões face aos 390 milhões de outubro, porque este último valor estaria errado. “Em outubro houve uma duplicação de valores inscritos que não chegou a ser corrigida porque entretanto a proposta de orçamento não foi aprovada”, explicou fonte oficial do gabinete de Adão e Silva.

Notícia atualizada às 09h58 de 14 de abril com referência ao Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Área da Cultura.