O protótipo Vision EQXX, apresentado no Consumer Electronics Show (CES) de Las Vegas, no início deste ano, não se destina apenas a apontar a orientação estilística dos futuros modelos 100% eléctricos da Mercedes. Quando revelou este concept, o fabricante alemão estabeleceu como meta alcançar 1000 km de autonomia com uma só carga da sua bateria de iões de lítio, acumulador cuja capacidade bruta é de 100 kWh. Ora, depois de uma unidade ter sido vista a rodar sem qualquer camuflagem, a Mercedes anunciou que esse marco foi atingido e validado por um órgão independente, a empresa germânica TÜV Süd, multinacional sedeada em Munique que opera nas áreas de testes e certificação de produtos e sistemas, a quem coube deslocar um perito para acompanhar este desafio, depois de devidamente selada a tampa da tomada de carga.

É avançado que o consumo médio se fixou nos 8,7 kWh/100 km, ao fim de 11 horas e 32 minutos de condução, para fazer a ligação de Sindelfingen, na Alemanha, até Cassis, perto de Marselha (França), passando pela Suíça e Milão (Itália). O máximo que o EQXX “deu” foi 140 km/h na Alemanha, com a unidade testada a obedecer sempre aos limites de velocidade aplicáveis no percurso. A velocidade média foi de 87,4 km/h e não, não foi sempre a descer. Pelo contrário, além de auto-estrada, o trajecto incluiu um troço de 14 km em subida (5% de inclinação), o que torna o consumo anunciado respeitável. Isto porque o eléctrico mais eficiente do mercado, o Tesla Model 3 Standard Range Plus (apenas tracção atrás), é actualmente o rei do “apetite de passarinho”, graças a um consumo combinado (cidade e auto-estrada) de 14,73 kWh/100 km, homologado sob os critérios da agência norte-americana EPA, mais rigorosos e próximos da realidade que o protocolo europeu WLTP.

Tesla Model 3 é o eléctrico mais eficiente do mundo, segundo a EPA dos Estados Unidos

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Como é que a Mercedes conseguiu esta proeza de percorrer 1008 km com um protótipo eléctrico, tendo ainda chegado ao destino com 15% da capacidade total da bateria disponível, o que, segundo a marca, equivale a uma autonomia para mais cerca de 140 quilómetros? Desde logo, porque este EQXX, apesar de ter quase 5 metros de comprimento (4,977 m) e 1,9 m de largura, pesa somente 1755 kg. Ou seja, é uma pluma quando comparado com os 2355 kg do EQE, que possui medidas similares, um só motor e uma bateria de 90,6 kWh de capacidade útil. Para a dieta, a Mercedes recorreu ao uso de ligas especiais de alumínio e a inúmeras peças em fibra de carbono. Mas não ficou por aí.

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Os pneus, outro dos elementos essenciais para optimizar a eficiência de um veículo eléctrico, foram concebidos à medida pela Bridgestone, medindo 185/65 R20, sacrificando a área de contacto com o solo e, com ela, o comportamento em curva e a capacidade de travagem, para conseguir reduzir o consumo. Para se ter uma ideia, o EQS monta pneumáticos com uma resistência ao rolamento de 5,9, ao passo que os do EQXX baixaram para 4,7. Além de um grande diâmetro e de um piso estreito, para reduzir o atrito, os pneus utilizados nesta aventura foram, inclusivamente, trabalhados para optimizar a transição da borracha para o rebordo da jante.

Mas há outros argumentos que ajudam a explicar a façanha e a aerodinâmica é um deles. O Cx de apenas 0,17 e uma área frontal de apenas 2,12 m2 foram elementos decisivos, diminuindo a resistência ao rolamento. Igualmente importante foi o aproveitamento do know-how da equipa de Fórmula 1 na gestão da energia, conseguindo que o motor eléctrico de 180 kW (245 cv) canalizasse para as rodas 95% da energia extraída da bateria. Junta-se a isso a maximização da regeneração da energia em descidas, o recurso a uma placa na parte inferior para usar o próprio ar para arrefecer a mecânica e, ainda, as 117 células fotovoltaicas no tejadilho que, apenas com o sol, alimentam a bateria de 12 V responsável pelos sistemas auxiliares.

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Todos estes detalhes, conjugados com as dicas fornecidas pelo próprio “assistente de eficiência energética”, saldaram-se num consumo económico e, por tabela, numa autonomia com uma única carga muito promissora para o futuro. Tão promissora quanto a indicação de que a bateria, com uma arquitectura de mais de 900 V, “tem 50% menos volume e é 30% mais leve” que a do EQS. Com uma densidade energética de “quase 400Wh/l”, foi desenvolvida em colaboração com a equipa de F1, pesando somente 495 kg, num pack compacto (200 x 126 x 11 cm).

Agora, resta esperar que o construtor alemão consiga transferir toda esta tecnologia para os seus eléctricos de série, sem fazer disparar o custo…