O volume de apoios à agricultura vai ser reforçado em 51 milhões de euros através de financiamento europeu. O anúncio foi feito esta terça-feira pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças e Comissão de Agricultura e Pescas, no parlamento, no âmbito da apreciação na especialidade da proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).

“Já podemos afirmar que será expectável reforçar o volume de apoios para a Agricultura, através de financiamento europeu. Está em vias de se concretizar a disponibilização de mais 51 milhões de euros destinados aos agricultores portugueses”, anunciou durante a intervenção inicial.

Este novo apoio, destacou a ministra, “só foi possível porque o Governo liderou este processo negocial junto dos restantes parceiros europeus, de forma a mobilizar verbas consideráveis”, notou a ministra, ressalvando que a medida significa a “repartição de recursos mais justa e democrática” entre os Estados-membros.

Já durante a resposta às intervenções dos deputados, a ministra afirmou que estes apoios servirão, entre outros, para “reforçar medidas para setor leiteiro”, com as quais Portugal terá “capacidade para equiparar as medidas com o que Espanha está a fazer”.

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Ainda durante a intervenção inicial, a ministra acusou “muitos partidos da oposição” de se “limitarem a debitar um conjunto avulso de ideias sem qualquer racionalidade financeira”, destacando que este OE “inclui apoios efetivos para os produtores”,  destacou, sublinhando que o Ministério tem um reforço de 23,5% face ao ano passado.

PARCA vai ser revista

A ministra anunciou ainda que o Governo vai apresentar uma proposta para “repensar” o funcionamento da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar (PARCA), uma organização que reúne membros da produção, indústria, distribuição e agentes de política pública e tem o objetivo de garantir o equilíbrio da cadeia alimentar.

Em resposta ao PS, que questionou o papel do mecanismo na conjuntura atual, nomeadamente face à missão da plataforma de acompanhar a evolução dos preços e de garantir “preços justos” à produção, a ministra revelou que esta deverá sofrer alterações.

“Preocupa-nos que os apoios que estamos a dar à produção sejam usados para baixar os efeitos dos aumentos apenas dos custo de produção. Os fertilizantes subiram para um nível inenarrável, tal como as rações e a energia. Todos fatores de produção estão a ser um garrote aos produtores”, afirmou a ministra.

“Seja ao nível de tesouraria ou de apoios, há dotações importantes que estão a acontecer, como o uso dos terrenos que estavam e pousio e agora podem ser usados, e os agricultores continuam a receber a subvenção para produzir, uma dupla subvenção. Isto é um apoio direto à produção. Queremos que os apoios ajudem os produtores e que isso signifique que no consumidor final não há aumento de preços”, destacou.

Nesse sentido, Maria do Céu Antunes notou que a PARCA tem um “papel importante”, mas “se já não é suficiente” para garantir as suas metas “temos de repensá-lo e vamos repensá-lo”. O mecanismo “vai reunir em breve” e o Governo vai levar uma proposta “para defender o primeiro elo da cadeia, que é importantíssimo para defender o abastecimento” do país.

Gasóleo agrícola subiu? “Governo não intervém na formação do preço”

Na intervenção inicial, a ministra destacou que o ISP para o gasóleo agrícola desceu 3,4 cêntimos por litro, destacando que esta era uma medida prevista até junho e que foi alargada até dezembro. No entanto, foi confrontada por Pedro Frazão, deputado do Chega, que lembrou que esta segunda-feira, dia em que os combustíveis baixaram por via do ISP, o preço do gasóleo agrícola aumentou “entre 4 e 7 cêntimos”.

Na resposta, Maria do Céu Antunes referiu que “o Governo só pode intervir ao nível fiscal”, e que “o gasóleo colorido e marcado já tem um IVA reduzido de 13%”. No que toca ao ISP, este “já tem um valor reduzido e nós reduzimos em 3,4 cêntimos por litro para o nível pré-troika”. O que aconteceu esta segunda-feira, referiu a governante, “foi uma subida de 3 cêntimos porque subiu o preço do gasóleo”. “Nós não intervimos na formação do preço, só a nível fiscal”, realçou.

Apoios para a seca? “Ainda nenhum Estado-membro pagou aos agricultores”

Maria do Céu Antunes foi também confrontada pelo deputado do Chega Pedro Frazão sobre os apoios aos agricultores no âmbito da seca. “Os agricultores estão no limite. Estão a ponderar não semear campos, os produtores estão a abater efetivos nas explorações leiteiras” porque não têm como alimentar os animais, afirmou. “Os agricultores que ficaram vulneráveis pela seca não receberam um euro. Pretende o ministério honrar essa promessa ou é propaganda?”, questionou.

“O pagamento de medidas excecionais não acontece na hora”, sublinhou a ministra na resposta. “As medidas são trabalhadas pelo ministério, com as confederações, são levadas à comissão e depois são apresentadas e pagas. Neste momento não há nenhum Estado-membro que tenha feito algum pagamento aos seus agricultores”, afirmou. “Já terminámos as conversas com as confederações e na semana passada começámos a preparar a redação das medidas. Temos até junho para apresentar as medidas e até setembro para pagar. Mas sempre foi intenção do Governo fazê-lo o mais rápido possível”, adiantou Maria do Céu Antunes.

Apoio à produção de cereais avança em 2023

A questão dos apoios também foi salientada pelo PCP, que começou por atirar, pela voz do deputado João Dias, que a ministra da Agricultura “está mais preocupada em trabalhar para o Ministério das Finanças do que para os agricultores”. O deputado destacou que “é preciso passar dos anúncios aos apoios” e avançar com “propostas que visem garantir a soberania alimentar”, nomeadamente com incentivos à produção de cereais, na qual “somos dependentes”.

Aqui, a ministra lembrou que em 2023, no âmbito do Programa Estratégico da Política Agrícola Comum (PAC), haverá um apoio associado ao setor dos cereais.

“É para 2023, sabe do que estou a falar, que está previsto um apoio ligado aos cereais para fazer face a estratégia para aumentar o aprovisionamento”. A meta do Governo passa por aumentar o auto aprovisionamento dos atuais 18% para 38%, adiantou. “Queremos fazê-lo para melhorar nível de auto aprovisionamento, queremos aumentar o investimento e a inovação. Sabemos o que precisamos e temos que fazer. Vamos disponibilizar, pela primeira vez, um apoio aos cereais forrageiros, praganosos e sementes”.

Em cima da mesa, explicitou já no período de perguntas e respostas, está a criação de um conjunto de incentivos aos agricultores para, “sabendo que não temos condições edafoclimáticas para sermos competitivos com outros mercados, podermos ajudar os agricultores a fazê-lo”. Em causa estará um apoio de 200 euros por hectare para o milho grão 200, de 104 euros para os praganosos e de 65 euros para as oleaginosas.

A ministra referiu que o Executivo já estava “consciente” de que era necessário criar estas novas condições mesmo antes da guerra na Ucrânia, de onde Portugal importava, por exemplo, 40% do milho que consome.

Estudo sobre culturas intensivas “para breve”

Na sequência de várias questões sobre a eficiência de culturas e a autosuficiência do país, a ministra insistiu que “os agricultores escolheram as melhores culturas para serem mais produtivos”, dando o exemplo das nozes, nas quais o país deverá ser autosuficiente no próximo ano e terá capacidade de exportar. Referiu ainda culturas como o olival e o amendoal, o que gerou questões entre os deputados sobre a sustentabilidade destas culturas, dependentes do regadio. “Para gerar rendimento tem que ter água gerida de forma eficiente, um solo gerido de forma eficiente, o agricultor é o primeiro a querer fazer as melhores opções”, afirmou.

A ministra revelou que ainda na legislatura anterior o Governo avançou com um estudo sobre culturas intensivas, e que a divulgação dos resultados será feita “em breve”. O objetivo é perceber se culturas como o abacate, olival, ou frutos vermelhos são sustentáveis. “Se não são, como é que podemos melhorar a sua produção? Estou convencida de que temos bons instrumentos para o poder fazer”, defendeu. A ministra adiantou ainda que será aberto um aviso para culturas regionais, como a alfarroba, no Algarve. “É neste justo equilíbrio que temos de saber promover a agricultura portuguesa”, destacou.

E em resposta a Pedro Filipe Soares do Bloco de Esquerda, que questionou a ministra sobre as “políticas públicas que promovem a concentração de meios nas mãos de uns poucos”, Maria do Céu Antunes insistiu que estão a ser feitos esforços no sentido de garantir uma “melhor distribuição” dos apoios públicos da União Europeia, “entre agricultores e regiões”. A ministra destacou exemplos como o aumento das transferências para as pequenas e médias explorações que passa de 17 para 70 milhões de euros por ano, o aumento dos apoios para as regiões do interior em 31% e a manutenção do apoio de 130 milhões de euros para as zonas com condicionantes naturais. A governante garantiu ainda “melhores taxas de apoio para os jovens e para a pequena agricultura”. “A partir de janeiro de 2023 é com isto que os agricultores portugueses vão contar”, rematou.

Na audição, Maria do Céu Antunes adiantou já ter começado a contratação de técnicos para a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), tal como previsto no Orçamento do Estado. “Esperamos ter capacidade efetiva para fazer o reforço deste organismo”, afirmou, destacando que a DGAV é responsável pelo aumento de mercados e produtos exportados.

Governo quer regadios coletivos para ganhar escala

O tema do regadio foi um dos mais abordados pelos deputados nas questões dirigidas à ministra. Maria do Céu Antunes lembrou que foi pedido à EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva) um estudo de âmbito nacional sobre o regadio, com o objetivo de aumentar o uso eficiente da água em todo o continente.

“A EDIA fê-lo para podermos, em primeiro lugar, ver o que existe. Chegou à conclusão que, dividindo Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, estes têm características completamente diferentes. Uns são pequenos regadios. Uns coletivos e outros individuais. Uns já públicos e outros privados. O que temos de fazer é torná-los coletivos para ganharem escala, modernizá-los, para torná-los mais eficientes, para podermos poupar a pouca água que sabemos que temos, e podermos alargar os perímetros existentes e aspirar a construir novos regadios” declarou a ministra.

As conclusões do estudo que “efetiva as prioridades para todo o território nacional” serão apresentadas “em breve”.

Especificamente em relação ao Alqueva, a ministra afirma que foram lançadas mais de um terço das obras do programa nos últimos dois anos, o que equivale a 226 milhões de euros em regadios tradicionais, segurança de barragens, modernização e reabilitação e instalações fotovoltaicas. “Estivemos a preparar o quadro futuro para executar verdadeiramente este processo”, sublinhou. Neste sentido, vão avançar quatro obras, para as quais será lançado “em breve” um aviso de 50 milhões de euros, para que sejam executadas no âmbito do PDR.

Este é uma parcela do Plano Nacional de Regadios, que prevê um investimento total de 560 milhões de euros até 2025.

No fecho da audição, a ministra lembrou que o país atravessa “momentos particularmente difíceis que não começaram hoje”, lembrando que “fomos surpreendidos com uma pandemia quando nos preparávamos para desenvolver um plano estratégico com a ambição” de ter uma agricultura mais competitiva, “capaz de responder ao que os mercados nos pedem e de garantir a autonomia estratégica”.

No capítulo dos desafios, Maria do Céu Antunes lembrou ainda a seca, “que não é conjuntural, já é estrutural, que nos mobiliza para termos respostas que também têm de ser estruturais”, e também a guerra “que não sabemos quando e como acabará e que tem de nos mobilizar a todos”. “É nossa responsabilidade passar uma imagem positiva do que estamos todos convocados para fazer, que é dar as respostas em tempo e não deturpar o que está a ser feito”, concluiu a ministra.