Menos de 60 quilómetros quadrados, pouco mais de 50.000 habitantes, uma fé sem limites territoriais ou humanos. Vila-real, o município que conseguiu funcionar como aglutinador social através do futebol sendo o que menos desemprego tem hoje na Comunidade Valenciana, vivia um dos dias mais especiais das últimas largas décadas e era o centro de todas as reportagens locais e internacionais (exemplo: El País). A presença nas meias-finais da Liga dos Campeões não era inédita mas havia todo um contexto depois de uma pandemia mundial e da surpreendente vitória na última Liga Europa que colocava a receção ao Liverpool como o dia em que o conjunto de Unai Emery entrava em campo com todos, por todos e para todos em busca de um milagre que não era único nesta caminhada na Champions. Esse era só um dos motivos de crença.

O submarino amarelo bateu num icebergue chamado realidade (a crónica do Liverpool-Villarreal)

Porque havia aquela grande penalidade falhada por Juan Román Riquelme a dois minutos do final da outra meia-final da Champions que o Villarreal disputou em 2006 frente ao Arsenal que levaria todas as decisões para prolongamento. Porque o internacional Gerard Moreno, a grande ausência do jogo em Anfield, estava de regresso às opções. Porque também ninguém esperava que o conjunto de Valência conseguisse superar o Manchester United na final da Liga Europa e foi isso que aconteceu. Porque, jogando em casa, tinha ganho antes ao Liverpool na Liga Europa de 2016. Porque, claro está, tinha afastado Atalanta na fase de grupos, Juventus nos oitavos e Bayern nos quartos sempre partindo como outsider e não como favorito.

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O submarino virou autocarro mas foi o porta-aviões a meter água (a crónica do Bayern-Villarreal)

“Estamos muito entusiasmados e mentalizados para fazer o nosso jogo. É a melhor equipa do mundo. Temos de fazer um jogo perfeito, um jogo de excelência ou perto disso. Os 23 mil adeptos no La Cerámica serão mais amarelos e existe esse grande sentimento de orgulho”, referira Unai Emery, o principal rosto da fé de todos os adeptos de um clube modesto no tamanho mas gigante nas ambições. No entanto, do outro lado estava o Liverpool. O Liverpool de Klopp. Uma das melhores versões do Liverpool da década. Aquele Liverpool que ao longo da temporada nunca sofrera mais do que dois golos mas que partia com essa mesma vantagem.

O técnico alemão de 54 anos que renovou na semana passada por mais duas épocas até 2026 tem um pouco de tudo. Conhecimentos de futebol, a capacidade de “inventar”, paixão pelo jogo, um enorme carisma para dentro e para fora. E tem também aquilo que um bom líder deve construir para ser melhor: uma grande equipa, não só nos jogadores mas também na parte técnica (a tal que custa dois milhões de euros por ano, numa ótica de investimento e não de custo). Da vasta equipa de analistas que trata ao vivo e em direto da informação num jogo à ajuda da neurociência para medir a concentração dos atletas e tirar melhor partido dos lances de bola parada, tudo conta. Se o Liverpool entrava em maio com a possibilidade única de poder juntar à Taça da Liga já ganha a Premier League, a Taça de Inglaterra e a Champions, essa era uma das várias justificações. Mas havia este último obstáculo para chegar à terceira final europeia em cinco temporadas.

Durante 45 minutos, os ingleses tiveram falta de comparência. Foram vulgarizados. Chegaram a uma zona de desconforto como não tinham encontrado ainda esta temporada. A estratégia de Unai Emery resultou a todos os níveis e conseguiu mesmo empatar de forma impensável a eliminatória. Depois, a seguir ao intervalo, tudo voltou à “normalidade” anteriormente pensada. Luis Díaz mexeu com o jogo mas foi na atitude que chegou a viragem completa na partida que colocou o Liverpool de novo na decisão da Champions.

A entrada dos espanhóis foi verdadeiramente diabólica. Marcou logo no primeiro remate à baliza, com Lo Celso e Gerard Moreno a trabalharem o lance até ao cruzamento largo de Estupiñan para a assistência ao segundo poste de Capoué para o senegalês Boulaye Dia (3′), mas conseguiu sobretudo deixar os reds aos papéis a todos os níveis: sem bola, sem profundidade, sem recuperação, sem estabilidade defensiva. Foi assim que Dani Parejo, ganhando uma segunda bola fora da área, rematou com perigo ao lado (12′). Foi assim que Gerard Moreno, num cabeceamento que ficou num defesa contrário, voltou a causar problemas junto da baliza de Alisson (15′). Unai Emery, o senhor Liga Europa que se queria afirmar como senhor Liga dos Campeões, colocou a equipa de uma forma que mostrou que defender alto com o Liverpool não tem de significar uma sentença de morte nem pela largura nem pela profundidade que poderia depois ganhar.

Os ingleses levavam até aqui apenas três derrotas em 56 jogos. Com o West Ham e com o Leicester, entre o mérito contrário, a dose de demérito foi bem superior; com o Inter em Anfield, e com o azar de três bolas nos postes à mistura, os transalpinos foram muito hábeis na maneira como entraram na eliminatória antes da expulsão de Alexis Sánchez que hipotecou tudo. O Villarreal estava a ser o Inter mas melhor do que o Inter, chegando aos 25′ iniciais com mais posse (52%) e mais passes (101-96) frente a um Liverpool que teve uma bola de perigo num passe de Salah para Diogo Jota que viu Albiol chegar primeiro na área (22′). E ainda viu Alisson travar Lo Celso isolado na área entre muitos protestos de falta dos homens da casa antes do 2-0 perto do intervalo, com Pau Torres a lançar largo em Capoué na direita e Coquelin a desviar de cabeça ao segundo poste, à frente de Alexander-Arnold, fazendo o pequeno La Cerámica explodir como nunca.

Ao intervalo, Klopp tirou Diogo Jota, que estava tão mal como qualquer outro do Liverpool, e lançou Luis Díaz na tentativa de dar mais largura à equipa para colocar mais dificuldades ao Villarreal no processo sem bola. O colombiano nem sempre foi ganhando os duelos com Foyth mas conseguiu ir mexendo com uma equipa com uma atitude completamente diferente que colocou o Villarreal em sentido e que teve duas bolas flagrantes para marcar num remate de Alexander-Arnold que bateu ao Coquelin e ainda tocou na trave (52′) e numa tentativa acrobática de Luis Díaz após cruzamento de Sadio Mané que saiu muito por cima (55′). O golo parecia ser uma questão de tempo e foi mesmo perante a grande pressão dos ingleses em campo, com Keita a ver a entrada de Fabinho que ameaçou cruzar, chutou e deixou Rulli mal na fotografia (62′).

Pouco depois, em mais uma variação rápida que deixou Luis Díaz no 1×1 a poder fazer a diagonal para dentro a partir da esquerda, o colombiano viu o remate desviar num defensor contrário, bater ainda de raspão no poste e sair para canto (65′). No entanto, o empate estava “prometido”. E pelo ex-jogador do FC Porto, que apareceu na área qual ponta de lança a desviar de cabeça após cruzamento de Salah (67′). O Villarreal já estava quebrado em termos físicos, caiu também em termos anímicos e o Liverpool passou a dominar como quis a partida, chegando mesmo à reviravolta num lance estranho e de novo com culpas para Rulli que saiu da baliza para tentar cortar um passe de Naby Keita mas deixou Mané sozinho e de baliza aberta (72′). E o guarda-redes dos espanhóis ainda evitou males maiores travando por mais do que uma vez o 4-2…