O advogado Ricardo Sá Fernandes alega que a prisão domiciliária de Manuel Pinho no âmbito do caso EDP é “ilegal” por se basear num despacho do juiz Carlos Alexandre que não cumpre e por ter existido um “erro grosseiro” da Relação de Lisboa na apreciação do perigo de fuga invocado pelo Ministério Público e validado por aquele juiz de instrução criminal.
Estes são os dois grandes argumentos do pedido de habeas corpus que foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na última quinta-feira. A defesa de Manuel Pinho quer que o STJ declare como “imediatamente cessada a Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilência Electrónica (OPHVE)” a que Pinho está sujeito desde dezembro de 2021.
Manuel Pinho apresenta habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça
O Observador teve acesso ao requerimento que será decidido nos próximos oito dias e explica-lhe os pormenores das alegações da defesa. Pinho, recorde-se, é arguido por alegada prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e participação económica em negócio no caso EDP.
A ilegalidade da prisão domiciliária
O primeiro grande argumento da defesa prende-se com a decisão do juiz Carlos Alexandre de meados de dezembro de 2021 de sujeitar Manuel Pinho a prisão domiciliária. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto tinham promovido a prisão domiciliária do ex-ministro ou a prestação de uma caução não inferir a 10 milhões de euros, invocando perigo de fuga, tendo Carlos Alexandre determinado que a prisão domiciliária poderia “ser substituída pela prestação de caução de seis milhões de euros”.
Ou seja, e de acordo com a defesa de Pinho, o juiz de instrução criminal decidiu que ou o arguido depositava uma caução de seis milhões de euros à ordem dos autos ou ficava em prisão domiciliária.
Invocando uma decisão tomada pela Relação de Lisboa em abril, que não “vislumbrou fundamento legal para colocar” em prisão domiciliaria “quem não pagar uma caução”, Ricardo Sá Fernandes, além de contestar o valor da caução, diz que “não vigora em Portugal o sistema de liberdade on bail; no nosso sistema, a liberdade não se compra”.
Sá Fernandes contesta ainda o facto de a Relação de Lisboa ter dado oportunidade a Carlos Alexandre para substituir o seu despacho por outro em que diga claramente qual é a medida de coação que é imposta: a prisão domiciliária ou a prestação de uma caução. “(…) Essa alternativa não pode ser agora colocada ao senhor juiz de instrução” porque Carlos Alexandre “inquinou de ilegalidade a sujeição à OPHVE” ao decidir que a mesma era dispensável se o arguido depositasse o valor da caução.
O “erro grosseiro” do perigo de fuga
Os desembargadores Paulo Ferreira e Manuel Sequeira, que apreciaram o recurso de Ricardo Sá Fernandes na Relação de Lisboa, concordaram com o juiz Carlos Alexandre e com o Ministério Público ao reconhecerem que existem indícios que consubstanciam o perigo de fuga de Manuel Pinho — uma das condições legais para se agravar a medida de coação.
“Os recorrentes têm muita facilidade em se deslocar para o estrangeiro, têm condições económicas para isso, pelo que é real a possibilidade de se eximirem à ação da justiça. Acresce que a mudança de residência para Espanha é ela própria um indício de perigo de fuga”, lê-se no acordão da Relação de Lisboa
Sá Fernandes, contudo, diz que houve um “erro grosseiro” dos dois desembargadores. A defesa não quer que o Supremo avalie os fundamentos para o perigo de fuga. Quer, sim, que os conselheiros analisem o “chocante erro de declarações enunciativas da verificação dos pressupostos de facto e de direito”.
O advogado contesta o facto de a Relação de Lisboa ter descrito “circunstâncias tão gerais”, como as condições económicas de Manuel Pinho, para fundamentar o perigo de fuga. E que tal será “um clamoroso erro na aplicação do direito”. Para apoiar a sua alegação, o advogado junta diversos exemplos de outras decisões dos tribunais superiores que estabelecem isso mesmo.
O advogado contesta ainda o facto de a mudança de residência para Espanha ser usada contra Manuel Pinho. Tudo porque se verificou uma mudança da morada dos Estados Unidos (a anterior morada era em Nova Iorque) para um país do Espaço Schengen da União Europeia e não o inverso.
Sá Fernandes enfatiza ainda o facto de Manuel Pinho se ter deslocado a Portugal sempre que foi convocado para cada um dos seis interrogatórios a que foi sujeito.
“A liberdade é um bem jurídico precioso e até sagrado. Os tribunais devem ser a sua salvaguarda. Perante um quadro tão ostensivo e grave do direito à liberdade do requerente, conta-se com o Supremo Tribunal da Justiça para repor a legalidade e a confiança que os portugueses devem depositar na Justiça”, conclui Sá Fernandes.