O juiz de instrução Carlos Alexandre considerou “incongruente” a versão apresentada pelos arguidos Manuel Pinho e a mulher, Alexandra Pinho, relativamente à prova indiciária no caso EDP recolhida pelo Ministério Público (MP), que realçou ser “fortemente impressiva”.

“No que tange aos aspetos essenciais a versão que apresentam é incongruente com as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer”, lê-se no despacho do juiz, que aplicou na quarta-feira as medidas de coação de prisão domiciliária ou caução de seis milhões de euros a Manuel Pinho e a apreensão de passaporte e obrigação de apresentações periódicas quinzenais para Alexandra Pinho.

Num despacho com mais de 300 páginas a que a Lusa teve acesso, Carlos Alexandre corroborou a posição do MP quanto aos indícios de “perigo de fuga/subtração à ação da justiça” relativamente aos dois arguidos e frisou ser “por demais evidente a gravidade e danosidade social dos crimes imputados e indiciados”.

Apesar de reconhecer indícios de perigo de fuga do casal, o juiz de instrução admitiu também que a prisão preventiva solicitada pelo MP era, “por ora, excessiva”, optando por aplicar prisão domiciliária ou caução de seis milhões de euros, quando os procuradores tinham defendido na sua promoção que a alternativa de caução fosse “no valor mínimo de 10 milhões de euros”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo o despacho, Manuel Pinho apenas falou das “circunstâncias pessoais e económicas”, remetendo o juiz para as declarações de anteriores interrogatórios e refugiando-se “no silêncio sobre os fundamentos daqueles aportes financeiros”. Quanto a Alexandra Pinho, o juiz sustentou que sempre que a arguida foi confrontada com documentos que “punham em causa a sua narrativa, referiu que não eram do seu conhecimento esses contactos e raciocínios”.

Carlos Alexandre considerou que “não é crível” que Alexandra Pinho, que teve também uma carreira bancária como diretora coordenadora, “não se interrogasse de onde vinham estes dinheiros, como foram alcançados estes financeiramente e que esfera de cumplicidade existia entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho”.

O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal assumiu ainda ter ficado surpreendido por a arguida dizer que o marido e o antigo presidente do BES tinham uma “relação tensa”. A este propósito, Carlos Alexandre comentou: “Não compreendemos como é que uma relação é tensa e reverencial engolindo sapos quando tudo o que se nos depara é num entrelaçar de contactos, posições em negócios públicos”.

Ao pedir a prisão preventiva de Manuel Pinho, o MP estimou que o produto que resultou dos crimes imputados aos arguidos supera em muito os cinco milhões de euros, lembrou que Manuel Pinho recebe 15 mil euros de reforma e alegou “um sério risco” de os arguidos continuarem a dissipar o património “ilicitamente conseguido” e que “se encontra oculto, e em parte incerta, fora de Portugal”.

Para justificar o pedido inicial de prisão preventiva para Manuel Pinho, o MP defendeu que os arguidos “manifestam uma grande mobilidade, dizendo viver em Espanha, deslocando-se habitualmente ou podendo deslocar-se com facilidade, assim que terminarem as restrições pandémicas, aos EUA (em particular Nova lorque, cidade onde ainda mantêm um apartamento adquirido, através da offshore Blackwade, por um milhão de euros com dinheiro proveniente da Tartaruga Foundation e do GES), China (…), Austrália, Brasil e Reino Unido”.

Nos autos – em que Manuel Pinho está indiciado pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento, participação económica em negócio e fraude fiscal, e Alexandra Pinho por branqueamento e fraude fiscal -, o MP estimou que a prática dos factos imputados ao ex-governante terá causado ao Estado “um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros”.

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o Ministério Público imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas, e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.