O Ministério Público concluiu que nem o antigo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, nem o seu chefe de segurança de segurança da PSP, Nuno Dias, devem ser acusados de homicídio por negligência por omissão no caso do atropelamento na A6  — que resultou na morte de um funcionário de uma empresa que fazia limpeza da vegetação na berma daquela autoestrada. O caso foi assim arquivado contra os dois, permanecendo a acusação contra o motorista Marco Pontes, que deverá responder pelo crime de homicídio por negligência.

Segundo o despacho final do inquérito, consultado pelo Observador, Eduardo Cabrita não violou qualquer dever de cuidado e não lhe cabia a ele “sindicar”o que o motorista fazia, como alegou a Associação de Cidadãos Automobilizados quando pediu que o caso fosse reaberto para aferir a culpa do governante. A procuradora entende que ao delegar em Marco Pontes a responsabilidade de conduzir a viatura de serviço, exime a responsabilidade do governante. Até porque, segundo o próprio Cabrita, nesses momentos ele aproveitava para por o trabalho em dia, não assumindo as funções de “copiloto”. O ex-governante diz mesmo que nem se apercebeu que o carro seguia na faixa de rodagem mais à esquerda, enquanto os outros dois carros da comitiva ocupavam posições diferentes.

Também o dever de Nuno Dias, escreve a procuradora, era apenas para com Eduardo Cabrita, a Alta Entidade que lhe cabia proteger. Mais, durante esta última fase do inquérito, o Ministério Público deu mesmo como provado que o Corpo de Segurança Pessoal da PSP (incluindo Nuno Dias), foi excluído das funções de proteção de Eduardo Cabrita, em relação à circulação de viaturas a pedido do próprio governante.

Este dever cabia sim, diz o MP, a Marco Pontes, que ao conduzir pela faixa da esquerda e ultrapassando os limites de velocidade legalmente previstos “violou os deveres de cuidado a que se encontrava sujeito”.

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Sinalização dos trabalhos, velocidade excessiva e versões alinhadas. O que disse Cabrita (e testemunhas) no processo e o que o MP decidiu

A procuradora lembra ainda uma “circunstância” que já tinha referido no primeiro despacho de acusação: a imprevisibilidade de Nuno Santos, a vítima que saiu do separador central para atravessar a autoestrada. Nuno deslocou-se do carro de sinalização de trabalhos, parado na berma direita da autoestrada, para o separador central. Ainda hoje os colegas desconhecem o que foi lá fazer. A GNR ainda recolheu vestígios biológicos para perceber as razões da deslocação, mas nada descobriu.

O que disseram o ex-ministro e o chefe de segurança da PSP no interrogatório em que foram constituídos arguidos?

Nuno Dias foi o primeiro dos dois a ser constituído arguido depois de reaberto o inquérito. O prazo de 45 dias para estas diligências acabaria prorrogado depois de se perceber que com a repetição das eleições legislativas na Europa, Eduardo Cabrita só perderia a imunidade de deputado (ele demitiu-se logo após a acusação, em dezembro) quando o novo Governo tomasse posse.

Nuno explicou que por ordem do próprio ministro não seguia no carro onde ele estava, mas num outro. E não tinha como dar ordens ao motorista que conduzia o BMW onde seguia o governante, porque ele nem sequer é um elemento policial. A sua responsabilidade era apenas para com Cabrita.

Também uma testemunha por ele arrolada alertou para o facto desta ordem de Eduardo Cabrita remontar a 2020, tendo mesmo sido alvo de um alerta do próprio Corpo de Segurança Pessoal, — que nesse ano explicou que o ministro não podia seguir no lugar da frente e que tinha que ter sempre a sua agenda atualizada para que os polícias pudessem planear a sua segurança em todas as deslocações. A PSP entregou um manual de procedimentos ao Ministério Público onde uma das regras nestes casos é precisamente o cumprimento do Código da Estrada. Nesse regulamento lê-se também que a entidade deve seguir no carro do meio da comitiva, o que não foi o caso. O BMW seguia praticamente ao lado, na faixa esquerda, do segundo dos três carros.

Cabrita, que só prestou declarações a 22 de abril, explicou que tomou essa decisão por causa da pandemia, limitando assim o número de pessoas dentro do seu carro. E que o seu motorista era o mesmo que o tinha conduzido em 2015, tendo uma experiência ao serviço do ministério de mais de 20 anos e sem acidentes conhecidos.

Ministério Público já tinha ouvido os dois enquanto testemunhas e nunca considerou haver crime

O Ministério Público tinha acusado, em dezembro, de homicídio por negligência o motorista que seguia ao volante do carro onde estava o ministro da Administração Interna. Em janeiro, no entanto, depois do assistente do processo, a Associação de Cidadãos Automobilizados, ter pedido ao diretor do Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora para intervir, o caso foi reaberto. O procurador responsável pedia à procuradora para aferir a responsabilidade do ex-ministro Eduardo Cabrita no acidente, uma vez que era o superior hierárquico do motorista, e acrescentava também o chefe de segurança pessoal da PSP — cuja responsabilidade tinha sido apontada pelo advogado que representa a vítima no seu requerimento de abertura de instrução.

Atropelamento na A6. Eduardo Cabrita só foi ouvido ao fim de quatro meses, na reta final da investigação. Tudo o que se sabe sobre o caso

A procuradora Catarina Silva reabriu o inquérito e ordenou que ambos fossem constituídos arguidos, mas devido à imunidade parlamentar de Cabrita (que se demitiu das funções de ministro, mas se manteve como deputado) só conseguiu ouvir o ex-ministro e constitui-lo arguido mais tarde. Agora, na decisão de 10 de maio, a que o Observador teve acesso, a magistrada mantém a decisão inicial de acusar o motorista Marco Pontes e de arquivar as suspeitas de homicídio por negligência contra os outros dois arguidos. E lembra que, aliás, não tinha avaliado a responsabilidade criminal de ambos anteriormente precisamente por “não estarem reunidos os requisitos legais para tal”, como agora fundamenta.

Ainda assim, Eduardo Cabrita não está livre de voltar a tribunal. Tanto o advogado que representa a ACAM, Paulo Graça, como o advogado que representa a família da vítima, José Joaquim Barros, vão pedir a abertura de instrução e pedir que o ex-governante seja responsabilizado. Esta fase será avaliada por um juiz que irá decidir se o caso segue para julgamento, com que arguidos e quais os crimes. A entrega dos requerimentos de abertura de instrução deverá ser feita até ao dia 2 de junho.

Atropelamento na A6. Eduardo Cabrita só foi ouvido ao fim de quatro meses, na reta final da investigação. Tudo o que se sabe sobre o caso