João Rendeiro, antigo presidente do BPP, foi encontrado morto na cela da prisão da África do Sul onde se encontrava em prisão preventiva, aos 69 anos. A notícia foi avançada pela CNN Portugal e confirmada pelo Observador junto de June Marks, advogada de Rendeiro, que se preparava para deixar de representar o antigo banqueiro por falta de pagamento pela sua representação legal. “Os fundos dele esgotaram-se há quatro dias.”
Ao que o Observador apurou junto de fontes judiciais, João Rendeiro encontrava-se numa cela especial com poucos presos — e não numa cela normal com várias dezenas de reclusos — no momento em que o seu corpo foi encontrado sem vida. Como iria ser ouvido em tribunal durante esta sexta-feira, Rendeiro foi transferido para a chamada cela de transição, de forma a que o seu transporte para o tribunal fosse mais rápido. Um procedimento que é normal na prisão de Westville — um estabelecimento prisional que ocupa uma área muito extensa, com vários hectares na área urbana de Durban.
O que acontece aos processos do BPP com a morte de João Rendeiro?
“Não tinha qualquer conhecimento de que ele pudesse cometer suicídio”, afirmou a advogada June Marks ao Observador.
Advogada ia afastar-se do processo. “Ele esgotou todos os meios que tinha”
“Iam levá-lo a tribunal esta manhã e, quando chegámos ao tribunal, disseram-nos que ele tinha morrido, o Ministério Público deu-nos essa informação”, diz a advogada. As informações públicas sobre a sessão desta sexta-feira indicavam que se trataria de uma audiência relacionada com o pedido de libertação de Rendeiro — que pretendia aguardar pela decisão em liberdade —, mas a advogada nega essa versão e indica uma razão “privada” para esta ida a tribunal. “Eu ia pedir o afastamento do caso hoje. Tomei a decisão de me afastar. Ele [Rendeiro] não queria que eu deixasse de representá-lo, mas ele já estava sem dinheiro para pagar” por esses serviços de representação legal, adianta ao Observador.
“Ele usou todo o dinheiro que tinha, e tinha recursos muito limitados. Esse dinheiro esgotou-se há quatro dias e ele morreu assim que gastou o último cêntimo que tinha”, garante a advogada ao Observador.
O Observador sabe que as autoridades portuguesas já foram informadas oficialmente pelas autoridades sul-africanas da morte do ex-banqueiro, apontando também que tenha sido o próprio Rendeiro a pôr fim à própria vida.
Já June Marks garante não ter qualquer informação sobre as condições em que o antigo banqueiro foi encontrado esta manhã. “Há uma investigação em curso e estou à espera dos resultados dessa investigação”, disse a advogada. Mas, à Lusa, Marks disse que Rendeiro se enforcou. A advogada adiantou ao Observador que, neste momento, Rendeiro continuava a partilhar uma cela na prisão de Westville com algumas dezenas de outros reclusos em prisão preventiva e que aguardavam por um julgamento. A advogada diz que foi nessa cela que foi encontrado esta manhã pelos serviços prisionais mas o Observador tem a informação de que Rendeiro estava numa cela especial. Tinha sido transferido precisamente por causa da audiência judicia marcada para esta 6.ª feira.
A última vez que June Marks falou com João Rendeiro foi em abril – “Estivemos reunidos durante dois dias, estive a recolher informações sobre o processo” — mas, agora, a advogada recusa-se a avançar quaisquer detalhes sobre a condição física e psicológica do antigo banqueiro. “Isso fica coberto pelo segredo entre cliente e advogada”, limita-se a dizer.
No entanto, o Ministério Público sul-africano (NPA) diz que já tinha sido informado pela advogada de que iria deixar de defender Rendeiro. “Esta semana o Estado foi notificado pela sua representante legal que iria retirar os seus serviços. O Estado então requereu a Rendeiro para aparecer hoje no tribunal de Verulam para que os assuntos legais [sobre a sua representação] pudessem ser tratados antes da conferência pré-julgamento na próxima semana”, refere um comunicado do NPA, citado pela “SIC Notícias”.
“Antes da audiência de hoje, o Estado foi informado que Rendeiro tinha falecido. O NPA aguarda confirmação disto. O magistrado adiou a audiência para 20 de maio para o tribunal confirmar a morte de rendeiro e para tomar decisões”, acrescenta.
Ao Observador, a assessoria do Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou que “tomou conhecimento formal”, na manhã desta sexta-feira, da notícia da morte de Rendeiro.
“A rede diplomática e consular na África do Sul está a acompanhar a situação e em contacto com as autoridades sul-africanas, a procurar mais informações sobre o que tenha ocorrido”, diz o ministério, acrescentando que “como em qualquer situação que envolve um cidadão nacional, será prestado o apoio habitual nestes casos”.
João Rendeiro tinha sido detido, em dezembro, na África do Sul, para onde fugiu depois de ter sido condenado num dos processos do BPP. Estava fugido desde setembro, tendo voado para a África do Sul a partir de Londres, para onde tinha sido autorizado a viajar. Rendeiro foi detido na localidade de Umhlanga, perto da cidade de Durban, na costa sul africana.
Primeiro ficou na esquadra policial, para depois seguir para a prisão de Westville, onde terá sido ameaçado de morte. Era aí que permanecia, com a medida de coação de prisão preventiva, até estar decidido o processo de extradição a que se opunha.
Em abril, June Marks tinha visitado Rendeiro na prisão e assegurado que o ex-banqueiro estaria bem e “ansioso” pelo início do julgamento. Entretanto, Marks revelou ao Correio da Manhã que Rendeiro ia ser presente ainda esta sexta-feira a tribunal, numa sessão prévia ao julgamento. O mesmo jornal escreve que tanto a advogada como os guardas da prisão notaram que o ex-banqueiro mostrava um “comportamento errático” nos últimos dias.
Para 20 de maio estava marcada uma sessão preparatória no tribunal, seguindo-se o julgamento, a 13 e 30 de junho. Rendeiro faria 70 anos a 22 de maio.
Numa das audições no tribunal para avaliar o processo de extradição, o ex-banqueiro tinha declarado: “Não vou regressar a Portugal”.
A “pior prisão da África do Sul”
Numa altura em que as autoridades ainda estão a investigar as circunstâncias da morte de Rendeiro, o impasse quanto à extradição para Portugal já é apontado por várias fontes como um fator determinante para este desfecho. A advogada de Rendeiro chegou a pedir à ONU uma inspeção às condições da prisão de Westville, dizendo que se tratava de “uma questão de vida ou de morte” e lembrando que Rendeiro sofria de um problema cardíaco causado pela febre reumática, um problema de saúde confirmado por um médico da cadeia.
“Em certa medida, Rendeiro facilitou este resultado”, considera o advogado António Pinto Pereira
Para o professor de Direito sul-africano André Thomashausen, que falou minutos depois de a notícia ter sido conhecida à rádio Observador, Rendeiro estava na “pior prisão da África do Sul” e “talvez a pior em toda a África” — com 40 mil reclusos, mas com muito menos capacidade, com falta de segurança e orçamento e “gerida por bandos organizados de criminosos”, descreve.
E aponta o dedo às autoridades portuguesas, garantindo que houve “praticamente uma conspiração contra a vida de Rendeiro” uma vez que, garante, por vontade das autoridades sul-africanas já teria sido transferido para outra cadeia. Ainda assim, era o próprio Rendeiro que se recusava a voltar a Portugal e cumprir aqui a pena de prisão — e por isso o professor considera que “esta situação trágica também se atribui à teimosia dele”.
“Morte de Rendeiro extingue os processos em que era único arguido”
Também o professor António Pinto Pereira afirmou, na Rádio Observador, que Rendeiro “teria tido condições melhores de segurança e de proteção da sua saúde” se tivesse vindo para Portugal. Ao não o fazer, “facilitou este desfecho”: “A sua vida estava permanentemente em risco”. Na mesma linha, o advogado Paulo Saragoça da Matta considera que Rendeiro teria ganhado com a extradição para Portugal, que ele próprio poderia ter pedido a qualquer momento.
Com a morte de Rendeiro, frisam estes dois especialistas, cessa a responsabilidade criminal neste caso.
“Não havia nada que o prendesse à vida”
Carlos Anjos, antigo inspetor da Polícia Judiciária, falou também à rádio Observador e caracterizou João Rendeiro como um homem “muito pragmático, muito cerebral e muito frio nas suas decisões, que tinha uma grande imagem de si, achava que era uma das pessoas mais inteligentes”. Dadas estas caraterísticas, “não havia nada que o prendesse à vida sem ser a sua respeitabilidade profissional”, na análise do antigo inspetor.
Quando questionado se o sistema falhou, Carlos Anjos garantiu que sim, já que a partir do momento em que um cidadão está preso é o Estado o responsável pelo seu bem-estar.
“Quando algum cidadão se consegue suicidar na cadeia ou é morto à guarda de um Estado, esse Estado tem sempre uma quota de responsabilidade. No fundo, falhou a vigilância e havia dentro da cela instrumentos suficientemente fortes que possibilitavam o suicido”, rematou.
Em Portugal, o ex-presidente do BPP foi condenado em três processos relacionados com o colapso do banco, que causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado, tendo o tribunal dado como provado que Rendeiro retirou do banco 13,61 milhões de euros. As três condenações somavam 19 anos e dois meses de prisão efetiva, sendo que tinha recorrido de duas das decisões. Tinha sido condenado por burla qualificada, fraude fiscal, abuso de confiança, branqueamento de capitais, falsificação e falsidade informática.