Uma das propostas mais ambiciosas ouvidas na tarde deste domingo no salão nobre dos Paços do Concelho da autarquia de Lisboa quer retirar 80% dos carros particulares não apenas da cidade de Lisboa, mas de toda a Área Metropolitana. Para tal, com uma agenda que se estenderá pelos próximos 26 anos, até 2048, o grupo de cidadãos que trabalhou durante dois dias as questões dos “Transportes e Mobilidade”, no primeiro Conselho de Cidadãos de Lisboa, propõe aproveitar todos os pacotes de fundos comunitários para garantir uma rede de transportes públicos “eficiente e regular”.

Outros grupos defenderam “um jardim em cada cruzamento”, garantir habitação na cidade sob o lema ‘Lisboetas procuram-se’, criar um provedor do munícipe, aumentar a literacia nas questões ambientais ou ainda apoiar as famílias para que possam melhorar a eficiência energética das habitações. Carlos Moedas ouviu tudo, da primeira fila e, no final, comprometeu-se em integrar um representante de cada uma das sete temáticas nos grupos de trabalho que existem na autarquia.

Voltando à proposta mais ambiciosa, Miguel Viterbo, o representante do grupo a quem coube fazer a apresentação, sugeriu a criação de testes piloto de “superquarteirões”, inteiramente pedonais, sugerindo como exemplo algumas áreas do bairro de Alvalade para experimentar a proposta. Na intervenção final, Moedas não descartou a ideia, mas frisou que é necessário “ouvir as pessoas primeiro e chegar a um ponto de entendimento com elas” para este tipo de alterações.

Antes da redução em 80% dos carros em Lisboa e em toda a Área Metropolitana o grupo de cidadãos quer ver outras coisas mais imediatas operacionalizadas: a recuperação e reforço das carreiras de bairro; o planeamento das rotas de transporte público de forma que estejam coordenadas entre si; uma maior fiscalização no cumprimento dos horários das cargas e descargas; fiscalização das trotinetas e bicicletas (ponto para o qual Moedas prometeu criar um regulamento dentro em breve); a instalação de sinalética com indicações dos tempos de distância a pé entre pontos de interesse na cidade; a construção de silos automóveis e parques de estacionamento nas zonas periféricas da Área Metropolitana; uma rede de metro de superfície até 2041 com a ligação direta entre Odivelas e Cais do Sodré.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao grupo que avançou todas estas ideias, Moedas respondeu que “só se ganha a batalha se for olhada a longo prazo”. “O que se pode fazer agora é muito importante: manter a gratuitidade dos transportes para jovens e idosos e se possível alargar”, afirmou. “Muitas vezes há uma ideia peregrina de, de um dia para o outro, dizer que acabamos com os carros. Os carros não conseguimos acabar de um dia para o outro, e, como dizem os franceses, petit à petit, as pessoas vão deixando de usar os carros”, frisou o presidente da câmara.

Mais árvores, educação ambiental nas escolas, provedoria do munícipe e o slogan ‘Lisboetas procuram-se’ para a habitação

Ainda que os participantes reconheçam um “grande interesse nas questões da mobilidade”, conforme explicou ao Observador Filipa Cardoso, chegaram a outras seis áreas, sob o tema das alterações climáticas, de matérias onde consideram necessária alguma intervenção da autarquia, para a qual têm agora expectativa de poder continuar a colaborar.

Na habitação, por exemplo, pediu-se o levantamento de todo o património devoluto da autarquia e sugeriu-se a criação de soluções habitacionais que possam “juntar jovens e idosos”, promovendo também as áreas em volta das casas e a ideia da cidade dos 15 minutos. Sobre o levantamento do património, Moedas mostrou já ter trabalho feito na autarquia “há 2.000 casas devolutas ou vazias”.

Na literacia sobre as questões ambientais foi proposta a adaptação dos currículos de formação cívica nas escolas para aprofundar o tema e a criação de uma app que pudesse desafiar os mais jovens num jogo que promovesse as boas práticas ambientais.

Com um levantamento de cerca de 70 mil árvores existentes em Lisboa, o grupo de cidadãos que dedicou os dois dias deste primeiro Conselho de Cidadãos a aprofundar as questões dos espaços públicos pediu “um jardim em cada esquina”, deixando nas mãos da autarquia a adequação da proposta a termos efetivos, a reativação de pontos de água como os fontanários ou chafarizes e a plantação de mais árvores por toda a cidade.

Com atenção focadas também nas questões da eficiência energética, o grupo de trabalho definiu como objetivo reduzir em “15% as emissões de Co2 até 2027” através de intervenções nas casas que permitam melhorar a eficiência dos edifícios.

Para aproximar os munícipes da autarquia, foi ainda sugerido o aprofundamento “da provedoria do munícipe” e a formação dos recursos humanos das juntas de freguesia, algo que Carlos Moedas disse depois ser essencial para que não se perpetuem as situações de “empurrar responsabilidades das juntas de freguesia para a câmara municipal e vice-versa”.

Com o compromisso de inserir pelo menos um representante de cada grupo “nas equipas da câmara para desenvolver as ideias”, Carlos Moedas garantiu que “estas ideias vão ter seguimento”.

“Deram-me um grande ânimo. Esta experiência tem futuro, foram aos pontos essenciais do que se está a passar na cidade com ideias bastante concretas”, frisou o presidente da autarquia notando que “enquanto pioneiros têm uma responsabilidade acrescida de dizer aos políticos que é possível trabalhar sozinhos para ajudar a política.”

Com as inscrições para o próximo Conselho de Cidadãos a começar já na segunda-feira, quem participou na primeira iniciativa aponta vários pontos de melhoria: é necessária uma “maior preparação, mais organização”.

“É muito importante ter o tema antes, saber o que é que a câmara municipal já está a executar, acesso aos documentos estratégicos e ter tudo devidamente identificado”, diz ao Observador Filipa Cardoso, de 36 anos, que sugere a divisão do Conselho de Cidadãos em “dois sábados”, em semanas diferentes, para haver “tempo de preparação das propostas”.

“É um modelo em construção, mas podiam ser grupos mais pequenos e mais vezes”, sugere frisando que é importante que “mais pessoas se inscrevam”. Com as cerca de 2.250 inscrições anteriores de pessoas não selecionadas a transitarem para a segunda edição (quem participou já não poderá voltar a participar), Filipa Cardoso nota que “a representatividade só se consegue com o maior número possível de pessoas inscritas”.

Sobre a execução das propostas, Filipa Cardoso, que foi uma das escolhidas para acompanhar o processo nos grupos de trabalho da câmara, diz “aguardar algum contacto”, mas garante que vai mandar “muitos e-mails, para garantir que avança”.

Sobre o facto de a sessão ser fechada e sem transmissão online, como acontece por exemplo nas reuniões de Assembleia Municipal, a participante diz que com a transmissão “nada acrescentaria, uma vez que não permite a participação” e que iria “intimidar quem está presente”. “Precisamos de um espaço seguro e de saber que podemos dizer disparates à vontade, que ninguém além daquelas pessoas está a ouvir”, diz.

Já Marta, uma estudante de 23 anos que vive no Lumiar, também escolhida pelo grupo para acompanhar o desenvolvimento da proposta garante que irá “insistir” para que efetivamente avancem e destaca o “grande passo” que foi “poder pelo menos participar” na iniciativa.

Sobre a organização, Marta diz que há “muito a afinar” e ainda “desorganização”, mas é condescendente por se tratar da primeira iniciativa do género.