António Costa entrou sorridente atrás de Zelensky na sala de imprensa do Palácio Bankova, já sem o colete à prova de bala com que saiu do comboio na estação de Kiev esta manhã, mas expôs-se a dois subtis ataques políticos do presidente ucraniano, relacionados com diferenças de ritmo.
Volodomyr Zelensky quer mais armas de Portugal, mais depressa, para travar a agressão russa. E, depois de António Costa ter dito que Portugal demorou 9 anos até formalizar a adesão à então CEE, o presidente ucraniano deixou claro que não quer comparações com o tempo que outros países tiveram de aguentar no seu processo de adesão à União Europeia: “Compreendo que muitos países esperaram muitos anos para chegarem a ser candidatos e depois membros da União Europeia. Mas é incorreto comparar a Ucrânia com esses países que passaram esse caminho em paz. Nós estamos em guerra, não estamos só a perder o tempo, mas também pessoas, vidas humanas”.
A conferência de imprensa, que durou cerca de 35 minutos, seguiu-se a uma reunião de aproximadamente uma hora, entre o chefe do Governo português e o líder ucraniano. Sala cheia com quase cinco dezenas de jornalistas, metade ucranianos ou de agências internacionais.
Zelensky: “Nesta luta Portugal está do lado justo da história
Zelensky foi o primeiro a discursar e começou, como seria de esperar, por agradecer, elogiar e valorizar Portugal como aliado: “Nesta luta Portugal está do lado justo da história. Estamos em lados opostos da Europa, mas temos valores iguais e uma visão igual sobre como deve ser pacífica a vida no nosso continente. (…) Portugal apoia-nos desde os primeiros dias da invasão. Estou muito agradecido ao país e ao primeiro-ministro pelo apoio à nossa defesa, político e humanitário”.
Referiu que foi formalizado um apoio financeiro este sábado, sem quantificar [soube-se depois que seria de 250 milhões de euros]. E classificou como “bastante frutíferas” as negociações relacionadas com o apoio na área da Defesa.
Depois explicou porque é que esse apoio é importante: “Estamos a defender na Ucrânia toda a Europa da agressão russa”. E concentrou-se no inimigo, na necessidade de “chamar à responsabilidade os agressores russos” e na importância do sexto pacote de sanções contra a Rússia, para impedir que continue a utilizar as receitas do gás e do petróleo para financiar a guerra.
Zelensky voltou a Portugal, desta vez para citar números do Eurobarómetro, segundo os quais 87% dos portugueses são a favor da integração da Ucrânia na UE. E agradeceu: “Muito obrigado”. Anunciou a seguir que Portugal vai dar apoio a que seja concedido à Ucrânia o estatuto de candidato no Conselho Europeu de Junho.
Também coube ao presidente ucraniano anunciar que o primeiro-ministro português tinha proposto apoiar na reconstrução de escolas ucranianas, em vez de patrocinar uma região específica, como tem sido feito por outros países.
Costa: “Zelensky, um líder que inspira o mundo”
Seguiu-se o discurso de António Costa, que adotou um alinhamento semelhante ao de Zelensky. Primeiro, a referência à emoção por ter sido recebido pelo presidente ucraniano, que definiu como “um líder que inspira o mundo e nos tem dado a todos grande exemplo de coragem, personalizando de forma notável a resistência contra a agressão ilegal e a forma bárbara como a Rússia tem conduzido a guerra em território ucraniano”.
Referiu depois o apoio aos ucranianos que tiveram de fugir da guerra: “Acolhemos com todo o gosto, mas com a determinação de ajudar a Ucrânia a ganhar a guerra, para que todos possam voltar logo que possível”.
E entrou então na questão europeia, referindo a coincidência simbólica de ter vindo a Kiev no dia em que a Ucrânia celebra a Europa: “Acolhemos de braços abertos a opção clara da Ucrânia pela Europa. Aguardamos com expetativa o relatório da Comissão, que será discutido em junho. E disponibilizamos ao presidente Zelensky todo o apoio técnico e troca de experiências face à nossa experiência de adesão”.
É nesse espírito que Portugal receberá em Junho a visita do chefe de gabinete adjunto de Zelensky, como o próprio já tinha adiantado em entrevista ao Observador. Costa frisou também o esforço de Portugal para ajudar a criar opções logísticas para os outros países da UE terem outras opções de fornecimento de gás, para tentar que os 27 se unam no bloqueio total a todas as importações de gás da Rússia, para não continuar a financiar esforço de guerra de Vladimir Putin.
Reconstrução e armas. “O senhor, que é o nosso hóspede, por favor, comece”
Arrancou depois a resposta a perguntas de três jornalistas. Logo a primeira, concertada entre os jornalistas portugueses dada a limitação de questões, procurou obter mais informações específicas sobre o apoio à reconstrução e a ajuda militar.
Pequena hesitação entre Zelensky e Costa sobre quem devia responder primeiro, mas o presidente ucraniano, sorridente, abriu o braço na direção do primeiro-ministro português, como se o próprio estivesse curioso para ouvir a resposta: “O senhor, que é o nosso hóspede, por favor, comece”.
Sobre as armas, o primeiro-ministro declarou: “Nós temos enviado apoio militar de natureza não letal e depois letal, procurando corresponder ao que tem sido solicitado. É um esforço que não terminou e vai continuar. Aterrou na Polónia um avião com mais equipamento militar adquirido especificamente para a Ucrânia. Tomámos nota dos pedidos [adicionais], vamos tentar ver se há possibilidade”.
Em relação ao apoio à reconstrução, António Costa não fechou a porta ao patrocínio de uma região ucraniana, como sugerem os ucranianos, mas justificou melhor a proposta alternativa de apoiar a reconstrução de escolas e jardins de infância: “É fundamental investir no futuro e garantir que novas gerações têm futuro na sua terra. Temos experiência na reabilitação do parque escolar e esta é uma contribuição diferenciada que podemos dar”.
Zelensky: “Precisamos de todo o material. Se podem, deem. Se não podem, vamos comprar.”
Quando chegou a vez de Zelensky abordar os mesmos assuntos, o presidente ucraniano insistiu na importância da ajuda para desbloquear os caminhos para ajudar cidades ocupadas e vilas, e fazer lá chegar comida, água e medicamentos. E também na necessidade de material militar. “Não vou especificar que tipo de material precisamos. Precisamos de todo o material. Se podem dar-nos, deem. Se não podem, vamos comprar. O importante é salvar vidas humanas. E isso não tem preço.”
António Costa responderia mais tarde, insistindo: “Quando não satisfazemos pedidos, não é por receio, é por não termos disponibilidade”.
Voltou depois ao apoio político à candidatura da Ucrânia à União Europeia, para apontar as dificuldades que a União Europeia enfrenta, por haver estados membros contra o alargamento, mas diz que o que importa é procurar um ponto de entendimento entre os 27, e valorizar “a opção inequívca da Ucrânia: o seu destino é a Europa”.
“Persistência, determinação e coragem não lhes falta. Se têm tido para esta guerra, não há-de faltar para desafios muito mais fáceis como a adesão à União Europeia”, elogiou.
Mas nas suas declarações sobre a UE, o primeiro-ministro tentou começar a acautelar a hipótese de nem tudo ser tão rápido como a Ucrânia desejaria: “Os processos de adesão altamente complexos, incertos e difíceis. O nosso levou nove anos”.
Zelensky aproveitou essa frase de António Costa e capitalizou, demonstrando a urgência do país: mais do que o tempo que demora o processo, estão a perder vidas. Terminou de novo a agradecer o apoio à candidatura ucraniana à UE: “Portugal está do lado justo.”
À despedida, o cumprimento da praxe, que teve de ser repetido para as câmaras, porque os elementos das filas da frente, representantes das delegações dos dois países, se levantaram das cadeiras e estragaram o plano.
“Again to do the same?”, perguntou Zelensky, antes de voltar a apertar a mão e bater nas costas do primeiro-ministro português.