António Costa garante que ainda não leu o artigo de opinião de Aníbal Cavaco Silva, publicado no Observador, em que o antigo Presidente da República, num tom crítico e muito irónico, desafia o socialista a aproveitar o facto de ter agora uma maioria absoluta para tentar “fazer mais e melhor” que os seus governos maioritários.
À saída da cerimónia de inauguração do Museu do Tesouro Real, em Lisboa, o líder socialista limitou-se a responder “não, não” à pergunta dos jornalistas sobre se já tinha lido o texto assinado por Cavaco Silva. Apesar da insistência da comunicação social ali presente, o primeiro-ministro escusou-se a fazer mais declarações.
A 30 de março, no seu discurso na cerimónia de posse do XXIIII Governo Constitucional, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, António Costa não resistiu a dizer que fez parte de uma “geração que se bateu contra uma maioria existente que, tantas vezes, se confundiu com um poder absoluto“, uma referência óbvia aos governos de Aníbal Cavaco Silva. E foram precisamente essas declarações que motivaram a reação do antigo Presidente da República.
Num texto carregado de ironia, o social-democrata recorda as várias conquistas dos seus executivos, desde as revisões constitucionais, passando pela abertura da economia ao setor privado, o processo de integração europeia, as leis de bases do Sistema Educativo e da Saúde, a reforma fiscal que permitiu substituir sete impostos sobre o rendimento, até à liberalização da comunicação social, para lançar o desafio: “Estou convicto de que o senhor Primeiro-Ministro é capaz de fazer mais e melhor com a sua maioria absoluta e não tem qualquer razão para ter complexos”.
“Estou certo de que, encerrada a fase da ‘geringonça’, o seu governo de maioria absoluta fará mais e melhor do que as maiorias de Cavaco Silva”, despede-se o antigo Presidente da República nesse mesmo artigo de opinião.
Quem saiu em defesa do primeiro-ministro foi o seu ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Aos microfones da Rádio Observador, no programa “Semáforo Político“, o socialista criticou o antigo Presidente, dizendo que o artigo não era mais do que uma “provocação política” e que revelava “uma vontade indomável de aparecer”.
Cavaco vs. Costa. Take II
Da última vez que Cavaco Silva escreveu um artigo sobre o novo governo socialista, António Costa respondeu com uma espirituosa promessa: “Ainda não li, mas estou curioso e vou ler esta noite com calma. Então não havia de ler o texto de um político com a experiência longa do professor Cavaco Silva? Claro que se tem de ler com atenção”.
Mais tarde, numa entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, Costa considerou que o texto não apresentava “grandes novidades relativamente àquilo que se sabe que é o pensamento dele”, não resistindo a dizer que o antigo Presidente da República parecia “um bocadinho mais azedo do que é habitual”. “É preciso ser justo e perceber que quem acabou de ter uma derrota no PSD e outra derrota no país é capaz de estar um pouco azedo”, ironizou então António Costa.
A troca de palavras entre os dois começou quando, no jornal Público, Cavaco Silva acusou António Costa de ter “um grau de coragem política muito baixo”. Na altura, o texto foi entendido como uma resposta ao discurso de tomada de posse do novo Governo, onde o primeiro-ministro fez uma referência depreciativa dos tempos em que o PSD esteve à frente do governo com uma maioria absoluta, uma maioria “que se confundiu com poder absoluto”.
Para esta sexta-feira está prevista uma entrevista a Cavaco Silva conduzida pela jornalista Maria João Avillez, onde o antigo Presidente da República deve, muito provavelmente, repetir algumas das críticas já feitas a António Costa, mas também falara da vida interna do PSD e do rumo da oposição.