A cidade de Stepanenko, Velyka Novosilka, foi bombardeada. A cidade onde Bondar cresceu, Járkov, foi destruída. A cidade de Karavaev, Jerson, foi invadida. A cidade de nascimento de Matvienko, Saky, já tinha sido antes anexada por pertencer à península da Crimeia. E havia ainda o exemplo de Zinchenko, que após ter nascido em Radomyshl fugiu com a família de Donetsk devido à guerra no Donbass em 2014. De uma ou outra maneira, qualquer jogador da seleção tem sofrido nos últimos quase 100 dias por mais do que uma razão, da invasão ao país num todo e o impacto que teve para milhões de pessoas ao que se passa nas localidades onde têm uma maior ligação. Desde 24 de fevereiro que nada foi igual, desde 24 de fevereiro que nunca mais nada será igual. Em Glasgow, a normalidade “anormal” voltava 90 minutos.

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“Este é o jogo mais importante da nossa história. Já nem sequer se trata de futebol mas sim de oferecer esperança ao povo da Ucrânia. Será um sinal de que a guerra não nos quebrou”, dizia Iryna Koziupa, uma jornalista ucraniana, em declarações à agência AFP. O presidente do país, Volidimir Zelenski, pensava o mesmo como em tantas outras ocasiões mais mediáticas: era uma oportunidade de mostrar ao mundo que há esperança no meio da guerra e que o povo ucraniano merece ser apoiado. No entanto, o ambiente que se vivia na seleção não passava ao lado da realidade. Longe disso. E Zinchenko, que há uma semana e meia não aguentou as lágrimas de emoção após a conquista da Premier League pelo Manchester City, voltou a “quebrar” na conferência quando falou da situação que a Ucrânia atravessa.

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“Temos de parar com isto. Hoje é a Ucrânia, amanhã podes ser tu. É impossível descrever o que acontece. É inaceitável, é por isso que temos que acabar com isto. Nós temos de vencer, a Ucrânia é o país da liberdade. Todos os ucranianos e o mundo inteiro querem acabar com a guerra, é esse o sonho, mas quando se trata de futebol o sonho é qualificarmo-nos para o Mundial. Vamos tentar fazer isso, tentar deixá-los felizes. A nossa motivação está acima de 100%”, comentou o lateral/ala esquerdo, que explicou que se considera mais útil para o país ficando em Manchester pela “exposição” que oferece ao que se passa.

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Dentro deste contexto, a posição de Oleksandr Petrakov, técnico que rendeu Andriy Shevchenko como selecionador após o último Campeonato da Europa, era exemplo paradigmático do que atravessava todo o grupo ucraniano. “Estou numa idade em que não quero nada. Não quero uma casa, não quero um carro… Mas se levar a seleção ao Qatar, a minha vida terá feito sentido”, assumiu em entrevista ao The Guardian há três semanas. Petrakov, que desde 2006 que está ligado à Federação como técnico das equipas jovens com a conquista do Mundial Sub-20 em 2019, queria também integrar o exército ucraniano para defender a cidade de Kiev mas as autoridades fizeram-no ver que o seu papel tinha tanta ou mais relevância do que isso. Aceitou ficar com outra “guerra”: preparar a equipa principal sem o mínimo de condições.

Além dos vários jogadores que há muito não jogam devido à paragem nas competições, a que se juntou as poucas possibilidade de fazer muitos jogos (apenas três particulares com Empoli, B. Mönchengladbach e Rijeka, sendo que o último encontro oficial tinha sido em novembro), o técnico não sabia como iria reagir a equipa ao regresso às competições no Hampden Park frente a uma Escócia que também esteve no último Europeu e que, respeitando ao máximo a situação da Ucrânia, queria qualificar-se para o encontro decisivo de acesso ao Mundial que seria jogado depois no domingo frente ao conjunto do País de Gales. E essa ambição ucraniana de chegar ao Qatar ficou apenas a 90 minutos, depois de uma vitória por 3-1.

Com mais bola, mais capacidade de esticar jogo e mais argumentos técnicos para fazer a diferença quando chegava ao último terço, a Ucrânia foi somando várias oportunidades travadas por Craig Gordon. Por Tsygankov, por Yarmolenko, por Yaremchuk (que viu o primeiro amarelo da partida nos minutos iniciais). A Escócia conseguia deixar sinais de perigo na bola parada ou quando jogava mais direto mas seriam mesmo os ucranianos a inaugurarem o marcador por Yarmolenko, num grande chapéu à saída do guarda-redes da casa após um grande passe longo de Malinovskyi (33′). Os cerca de 2.000 ucranianos que foram a Glasgow faziam a festa perante um encontro onde a equipa apresentava uma grande resposta.

A primeira parte tinha sido boa, a reentrada para o segundo tempo foi ainda melhor, com Yaremchuk a demorar apenas quatro minutos para aumentar a vantagem da Ucrânia: Yarmolenko combinou na direita com Karavaev, o cruzamento saiu longo ao segundo poste e o avançado do Benfica apareceu mais alto para desviar de cabeça e correr para a zona da bancada onde se concentravam os adeptos ucranianos em delírio. O encontro parecia estar resolvido mas a boa reação da Escócia, conjugada com a quebra física de várias unidades da formação visitante, contribuiu para um final emocionante onde McGregor ainda conseguiu reduzir a desvantagem num lance confuso na área, houve oportunidades para o empate mas foi a Ucrânia a marcar no quinto minuto de descontos quando o jogo estava completamente partido por Dovbyk (90+5′), com muita emoção à mistura nas comemorações pelo triunfo do banco ao relvado.