“Enviamos amor e as nossas orações ao Andriy Yarmolenko e ao povo da Ucrânia”. O primeiro jogo do West Ham depois da invasão da Rússia tinha mensagens para o extremo ucraniano e para todos os compatriotas bem visíveis até nos outdoors no exterior do Estádio Olímpico de Londres, algo que se propagava no interior do recinto com muitas bandeiras do país pelas bancadas e a entrada do capitão Declan Rice com a camisola do número 7. Nesse encontro, diante do Wolverhampton de Bruno Lage e restante armada portuguesa, o internacional estava de fora por dispensa do clube, aproveitando as redes sociais para agradecer todo o apoio que foi recebendo; quando recuperou, “devolveu” essas mensagens como não estava habituado a fazer.

Um golo que soa como o grito de um povo: “É difícil pensar em futebol quando exército russo mata ucranianos”

Na primeira partida de regresso, Yarmolenko saltou do banco para substituir o avançado Michail Antonio, inaugurou o marcador frente ao Aston Villa a 20 minutos do final, não aguentou a emoção do momento e chorou ajoelhado no relvado perante tudo o que tem vivido desde 23 de fevereiro e iniciou a vitória por 2-1 dos hammers; quatro dias depois, rendeu Benrahma a dois minutos do final do tempo regulamentar e fez no prolongamento, a oito minutos dos 120′, o golo frente ao Sevilha que valeu a qualificação dos londrinos para os quartos da Liga Europa. Até aí o extremo tinha um golo esta época, em quatro dias marcou dois.

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Antes, o internacional tinha gravado um vídeo nas redes sociais perguntando aos jogadores da Rússia o porquê de não tomarem uma posição. “O meu nome é Andriy Yarmolenko, internacional ucraniano. Nasci em São Petersburgo mas cresci na Ucrânia e considero-me 100% ucraniano. Tenho uma pergunta para os jogadores russos: rapazes, por que é que continuam sentados como idiotas e não dizem nada? No meu país estão a matar as nossas gentes. Matam mulheres, matam mães, matam os nossos filhos. E vocês não dizem nada, não fizeram qualquer comentário”, atirou na fase em que tinha sido dispensado pelo clube.

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“Por favor, digam-me o que aconteceria se estivéssemos todos juntos, unidos, a mostrar ao mundo o que realmente se está a passar no meu país. Conheço muitos de vocês e todos me diziam que não devia ser assim, que o vosso presidente estava a agir mal. Então, rapazes? Vocês que têm influência em muita gente, demonstrem essa influência. Por favor, peço-vos”, acrescentou no mesmo vídeo nas redes sociais. Agora, na primeira entrevista após o início da guerra ao programa Denisov Time no Youtube, recuperou todos os momentos que viveu ao longo de quase um mês e contou algo que piorou ainda mais a sua situação.

“Quando tudo começou, a 24 de fevereiro, cheguei ao centro de treinos e não conseguia sequer falar. Só tinha lágrimas a correr pela cara. Pedi ao treinador se me podia deixar ir para a casa e perguntava a mim mesmo ‘O que vou fazer agora?’. Não imaginava que isto fosse possível e tinha-me despedido na véspera da minha mulher e de um dos meus filhos porque ele tinha marcada uma consulta no médico em Kiev. Alguém consegue imaginar eles irem e no dia a seguir começar assim a manhã? Só queria bater com a minha cabeça na parede, vezes sem conta. Tinha enviado a minha família para Kiev e eu ali sentado em Londres…”, contou o internacional ucraniano, acrescentando que hoje estão todos em segurança.

“Agora, quando treino ou jogo, é um sítio onde consigo desligar por um par de horas dos meus problemas. É algo que me faz bem mas no início não dormia, não conseguia comer, estava sempre ao telefone com toda a minha família. O David Moyes [treinador do West Ham] disse-me que podia escolher entre ir treinar ou não e que tinha tudo à disposição para assegurar a segurança da minha família. Não aparecia nos treinos mas acabei por perceber que tinha de continuar a ser um profissional e voltei. Andava só a chorar por casa e precisava de distrair e cabeça. Vejo tudo o que se está a passar nas notícias e depois ligo com um jogo de futebol ou com um filme. Apesar disso, nem sei os outros resultados. Treino e no final começam as chamadas telefónicas para saber se todos os meus familiares lá estão vivos e bem”, contou Yarmolenko. “Agora já não tenho mais lágrimas”, acrescentou, dizendo que já falou com o presidente da cidade de Chernihiv, que sofreu um dos maiores destaques ao longo destes quase 30 dias, para assegurar tudo o que o exército necessitar, ao mesmo tempo que todos os dias consegue falar com os primos para saber como estão todos os tios.

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“Agora a minha mensagem é que nem toda a gente consegue lutar. Nem todos conseguem disparar uma arma mas temos de nos ajudar uns aos outros. Se isso não acontecer, ninguém nos poderá ajudar. Estou crente que não seremos derrotados por qualquer país e é por isso que estou a tentar ajudar a minha cidade. Tenho noção de que no dia em que tudo isto acabar muitas crianças vão ficar sem os seus pais, muitas famílias ficarão sem casa. Vamos ter de reerguer tudo juntos e a ajudar-nos uns aos outros”, salientou, entre muitas críticas às posições da Rússia e ao concerto no Estádio Luzhniki em Moscovo que contou com o líder russo Vladimir Putin e que assinalou também o oitavo aniversário da anexação da Crimeia.

“Li algures que querem dar-nos dar uma vaga para o Mundial… Mas eu acho que isso é errado. Temos braços, pernas e um campo de futebol, decidimos tudo lá dentro. Quem for mais forte merece ir ao Mundial. Agora é difícil pensar em futebol. Quando pudermos jogar esta partida, entraremos em campo para colocar toda a força que temos nos nossos corpos. Vai ser difícil dar 100% porque muitos jogadores não estão a jogar ou a treinar ao estarem na Ucrânia, alguns até andam com uma metralhadora na mão, com pacotes humanitários a serem entregues por eles…  Ninguém pensa em futebol neste momento mas quando pudermos daremos o nosso melhor”, concluiu o jogador dos britânicos do West Ham.