Ser bombardeado por forças russas e ainda assim continuar fiel a Moscovo e à Igreja Ortodoxa Russa. É este o paradoxo em que vive um mosteiro situado na região de Donetsk, onde, segundo as autoridades ucranianas, já terão até morrido quatro pessoas — entre monges, padres e freiras — na sequência de bombardeamentos do Kremlin.

A história é contada pelo The New York Times, que detalha que os ataques ao complexo religioso (The Holy Mountains Lavra of the Holy Dormition) são regulares, falando em “gritos assustadores” e “explosões que ressoam no metal” e que ecoam pelos pátios do mosteiro.

No mosteiro, que fica nas margens do rio Seversky Donets, no leste da Ucrânia (próximo da cidade de Sviatohirsk), e que terá tido origem entre os séculos XV e XVI, viviam até recentemente mais de 100 monges. Aos residentes juntaram-se, depois da invasão russa à Ucrânia e do início dos confrontos militares no leste do país, algumas centenas de refugiados. O número de civis é difícil de precisar ao certo, sendo que as autoridades ucranianas apontaram para cerca de 800 refugiados, perto de 300 dos quais crianças.

Quer estes refugiados quer os padres, monges e freiras continuam fiéis à Igreja Ortodoxa Russa e ao Patriarca Cirilo I — como acontece em muitas outras paróquias da Ucrânia, que não cortaram o cordão umbilical histórico a Moscovo. O The New York Times cita mesmo uma freira de este mosteiro, a Irmã Ioanna, que desculpabiliza os ataques de que o mosteiro em que vive é alvo: “Sim, é verdade que bombardeiam o mosteiro mas provavelmente estão apenas a cumprir ordens. Rezamos por eles, também, pedindo que se apercebam do que estão a fazer”.

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Imagem antiga do mosteiro, anterior à invasão russa, publicada pelo Ukranian Institute

Este não é o primeiro período atribulado vivido no mosteiro. A sua existência já esteve em risco quer no século XVIII (quando Catarina II o mandou fechar), quer no início do século XX (quando muitos monges foram espancados e mortos por bolcheviques, antes do encerramento e transformação num sanatório que servia quem trabalhava então no Donbass) quer antes da Primeira Guerra Mundial, quando foi visado pelos sovietes, que o transformaram num centro recreativo (com cinema e tudo).

De acordo com o Ukranian Public Institute, um organismo público tutelado pelo ministério dos Negócios Estrangeiros do país, a própria geografia do mosteiro ajudou à sua sobrevivência, já que esteve sempre “protegido pelo rio, num lado, e por bosque, do outro”, o que lhe permitiu “afastar ataques inimigos”. Já foi por isso atacado muitas vezes mas “ninguém foi capaz de o destruir” — após cada ataque, o mosteiro acabava invariavelmente reconstruido.