Quando a morte do cabo Artyom Fedorov foi anunciada nas redes sociais de um jornal local na divisão federal russa de Mari El, logo no primeiro dia do mês, uma mulher deixou um lamento nos comentários: “Será que ainda sobra alguém?”.
Ela mesma, Olga Burmistrova, está de luto pela morte do sobrinho, companheiro de Fedorov numa unidade acionada no primeiro dia da guerra. A 31.ª Brigada de Assalto Aéreo já tinha sobrevivido à Chechénia e à Geórgia. Mas na Ucrânia sofreu “grandes perdas”, a ponto de estar à beira do desaparecimento.
Há, segundo é noticiado, quem ainda resista: a brigada é uma das unidades militares russas que estará neste momento a garantir o controlo quase total de Severodonetsk, a cidade cujo futuro determinará o destino da região do Donbass, considerou o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Mas até ali chegar, nos primeiros dias do conflito armado, terá sido massacrada pela resistência. É isso que sugerem as declarações de um soldado russo desta brigada feito refém dos ucranianos. Os relatos serviram de mote ao The Moscow Times para descrever as movimentações russas nos primeiros 100 dias de guerra.
Na manhã do dia 24 de fevereiro, o dia 1 da guerra na Ucrânia, o paraquedista Nikita Ponomarev entrou num helicóptero julgando que se dirigia para um exercício em Hrodna, na Bielorrússia. Só quando a brigada entrou em espaço aéreo ucraniano é que o comandante lhes revelou que se dirigiam para uma guerra.
Na entrevista que, segundo o The Moscow Times, prestou a um blogue ucraniano, o soldado russo repete os registos de outros militares enviados para a guerra — e capturados — a dizerem que o que sentiram quando se aperceberam que estavam a partir num conflito: “As tropas ficaram chocadas, as pessoas ficaram cinzentas”.
A unidade acabou por aterrar em Hostomel, no oblast (região) de Kiev — a 22 quilómetros do centro da capital ucraniana e a quase 550 quilómetros da cidade para onde a 31.ª brigada julgava que se dirigia. E foi logo no aeródromo que testemunhou a robustez da defesa ucraniana.
O combate que aí se travou teve duas consequências. Por um lado, a falha no ataque aéreo de assalto em Hostomel tornou-se no primeiro obstáculo à tomada de Kiev. Por outro, sem a pista do aeródromo nas suas mãos, os russos ficaram sem rota direta para enviar armamento e suprimentos para as tropas no terreno.
A brigada decidiu então esperar que esse material, assim como mais unidades militares, fossem ao seu encontro nas proximidades de Kiev. Esperaram três dias e todo esse material chegava por terra a conta-gotas, espalhando-se pelo norte da Ucrânia, mas de modo insuficiente para assegurar o controlo da capital.
De repente, a artilharia ucraniana invadiu os edifícios tomados pelos russos. A batalha durou duas horas, os equipamentos foram destruídos e dezenas de soldados morreram, descreveu Nikita Ponomarev: “Não sobrou nada, nem um revólver sequer. Quase ninguém sobreviveu nesse dia”.
O militar estima que quase 60 soldados terão perdido a vida nesse combate, algumas contagens dizem que pelo menos 34 paraquedistas daquela brigada morreram entre 25 de fevereiro e 7 de março. Um deles era um sargento de 31 anos, Ilnur Sibgatullin. Os comandantes que sobreviveram decidiram recuar as tropas depois disso.
A brigada não demorou a regressar ao terreno, aponta o The Moscow Times. Só em Hostomel, e segundo os relatos dos serviços secretos ucranianos, até 50 paraquedistas terão morrido em combate. Aliás, dos 1.351 soldados russos que morreram na Ucrânia nos primeiros 100 dias de guerra, 19% seriam paraquedistas.
A 31.ª brigada foi uma das forças militares que o Kremlin retirou da Ucrânia a 1 de abril, quando o regime de Vladimir Putin mudou de tática. Alguns dos soldados regressaram ao país e foram mais tarde colocados em Izyum, nas proximidades de Kharkiv. Outros foram enviados para as localidades nos arredores de Kiev. E alguns membros da 31.ª brigada estarão desde o final de maio em Severodonetsk, que estará quase totalmente controlada pelos russos, segundo o governador de Lugansk, Sergei Haidai.
Nada disso é um sinal de motivação da unidade militar: segundo a Defesa ucraniana, houve militares que preferiram entregar-se ao inimigo; e outros simplesmente ter-se-ão recusado a voltar à Ucrânia. É que “os salários não se recebem, não há água potável, instalações sanitárias ou eletricidade no acampamento”, admitiu um ex-soldado, Denis Tokarev, ao The Moscow Times.