Um discurso nacionalista, destinado a unir o povo e com referências imperialistas. Foi assim que Vladimir Putin comemorou o Dia da Rússia — um feriado nacional cuja designação gera dúvidas até no próprio país –, apelando a que os russos estejam unidos, especialmente em tempo de guerra.

“Hoje estamos especialmente conscientes de como é importante para o país, para a nossa sociedade, que as pessoas estejam unidas”, disse Putin, citado por várias agências. Estava nesse momento a apresentar uma cerimónia de entrega de prémios relativos a 2021, na Rússia, por feitos nas áreas de ciência, tecnologia, literatura, artes e direitos humanos. E, nesse clima de celebração, aproveitou para deixar deixar elogios ao povo — e puxar pela memória coletiva no que diz respeito à história russa.

Foi nesse sentido que Putin frisou a importância das “tradições seculares, valores morais, fundamentos espirituais” do povo russo, fortalecidos “ao longo da história milenar” do país, para quem, disse, os sentimentos “sinceros e profundos de patriotismo” continuam a ser “sagrados”.

E foi mais longe, exaltando a figura do antigo imperador Pedro, o Grande, por ter criado um exército e uma marinha “poderosos e invencíveis”. “É justamente chamado grande reformador, conseguiu mudanças fundamentais em quase todas as esferas da vida, principalmente no governo, no desenvolvimento económico, na criação de um exército e de uma marinha poderosos e invencíveis”, disse Putin, recorrendo assim a uma retórica que tem usado desde o início da guerra: a exaltação do antigo império russo e soviético.

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Pode haver ainda hoje em dia discussões sobre o papel do imperador, concedeu Putin no mesmo discurso, mas frisando logo de seguida: “É impossível não admitir que foi sob esse governante que a Rússia emergiu como uma grande e forte potência mundial”.

Reforçando a ideia de que tem fortes ambições imperialistas — e que se compara com o imperador, de quem fala como uma espécie de exemplo — Putin já tinha, na quinta-feira, dado a conhecer mais do seu pensamento sobre Pedro, o Grande.

Num encontro com jovens empreendedores russos, Putin comparou-se com o imperador que fundou São Petersburgo no final do século XVII. “Pedro, o Grande lançou a Grande Guerra do Norte, que se manteve durante 21 anos. Estava em guerra com a Suécia não para lhes tirar nada, para recuperar. Assim é que foi”, disse, citado pela CNN.

E pareceu dar sinais sobre a indiferença que sente relativamente à condenação geral da invasão da Ucrânia, a nível internacional: “Quando ele [Pedro, o Grand] fundou a nova capital, nenhum dos países europeus reconheceu este território como parte da Rússia; todos o reconheciam como parte da Suécia”.

O próprio Putin fez a ligação entre as lições que retira do antigo imperador e a guerra na Ucrânia: “Claramente, também nos coube recuperar e reforçar-nos”.

O dia da independência. Mas de quem?

Foi mais um momento em que Putin apostou no patriotismo para unir a população russa, especialmente importante enquanto dura a invasão da Ucrânia. O Presidente russo serviu-se do Dia da Rússia, feriado nacional, para fazer isso mesmo, embora haja dúvidas sobre a origem da efeméride, como aponta uma análise publicada no think-tank norte-americano Carnegie Endowment for International Peace: “Neste dia, a Rússia tenta celebrar a sua independência sem fazer a pergunta desconfortável: independência de quem?”.

“Independência da União Soviética, das suas antigas colónias — os bálticos, Ásia Central, os estados do sul do Cáucuso, a Ucrânia? Mas a União Soviética era a Rússia, embora sob um nome diferente. A estranheza deste aniversário é que, apesar de celebrar a independência da Rússia do resto da União Soviética, o Kremlin está hoje a tentar lembrar as “sobras” [desse império]”, escreve Lilia Shevtsova, professora e especialista em política russa.

O Dia da Independência chegou, de facto, a ser usado por muitos russos como a designação da data, mas segundo a mesma fonte cerca de metade dos russos, questionados sobre a data, não sabem dizer o que é que a data comemora. O marco será o fim do capítulo da União Soviética, para passarem a ver a Rússia como um país só, mas hoje em dia o feriado nacional já perdeu a palavra “independência” e é conhecido, mais genericamente, apenas como o dia da Rússia.

Como explica a agência russa TASS, foi a 12 de junho de 1990 que o primeiro Parlamento da Rússia votou e o Boris Yeltsin assinou uma declaração sobre a soberania do Estado da Rússia — marcando assim o fim oficial da era soviética. Em 1992, o dia tornou-se um feriado nacional. Desde então, normalmente há concertos, eventos desportivos ou espetáculos com fogo de artifício para comemorar, além da cerimónia de prémios a que Putin presidiu este sábado.

Os parabéns de Kim Jong-un e os passaportes em tempo recorde

Este ano, e com Putin a apostar tudo no patriotismo para manter a população unida em tempos de guerra, recebeu o “total apoio” do líder norte-coreano, Kim Jong-un. Segundo a agência de notícias oficial da Coreia do Norte KCNA, Jong-un fez questão de mandar uma mensagem de parabéns a Putin pelo Dia da Rússia.

E elogiou o Presidente russo por conseguir “ousadamente ultrapassar todo o tipo de desafios e dificuldades” enfrentados “na realização da justa causa da defesa da dignidade, da segurança e do direito ao desenvolvimento”, fazendo votos de “expandir e desenvolver” a relação entre Rússia e Coreia do Norte daqui para a frente.

Líder norte-coreano expressa “total apoio” a Putin

Entretanto, a Rússia aproveitou a data simbólica para entregar os primeiros passaportes russos aos habitantes de Kherson, segundo avançaram agências noticiosas russas citadas pela AFP.

Na cidade situada no sul da Ucrânia, que está ocupada pelas tropas russas, 23 moradores receberam, numa cerimónia, um passaporte russo, com o chefe da administração pró-russo, Vladimir Saldo, a dizer que assim se abre uma “nova era” e que todos os habitantes querem ter passaporte e cidadania russa “o mais depressa possível”.

Isto só foi possível, de resto, porque Putin assinou um decreto em maio que permitiu acelerar o processo, para entregar o passaporte russo a mais ucranianos.