A média de idades dos artistas que ocuparam o Palco Mundo no terceiro e penúltimo dia de Rock in Rio estava nos 60 anos e foi exatamente para isso que 70 mil pessoas (números da organização) se dirigiram à Bela Vista no sábado, 25 de junho. A maioria foi levada pelos Duran Duran. E — dizemos com toda a confiança — foi bem levada.
Simon Le Bon e a sua trupe ofereceram ao público uma hora e meia de sucessos, provando que ainda há mais do que espaço como cabeça de cartaz para estes heróis pop que formaram uma banda em 1978 em Birmingham, Inglaterra.
Entraram em palco às 23h04 como “Wild Boys” -— assim pedia a canção e assim foram Le Bon, John Taylor, Nick Rhodes e Roger Taylor. O público gritava com eles, como se fosse um rugido comunitário de vitória a anunciar que os Duran Duran tinham chegado à Bela Vista e não estavam ali para brincar.
“Invisible” e “All of You” foram encaixadas logo a seguir, porque era obrigatório ter temas do álbum de 2021, e ficaram despachadas. Seguiu-se “A View to a Kill”, de 1985, que fez parte do filme de James Bond com o mesmo nome. “Union of the Snake”, “Come Undone” e “Give it All Up” vieram depois.
Simon Le Bon estava “Hungry Like the Wolf” (o trocadilho é fácil, mas há temas que ilustram demasiado bem o espírito da banda, por isso não vale a pena inventar outras palavras). O vocalista estava sedento de festa. Dançou, desfilou pelo palco com um blusão de cabedal verde néon e dedicou “Ordinary World” ao povo ucraniano. Aquele que é um dos temas mais conhecidos do grupo britânico pôs toda a gente na Bela Vista de braços no ar, apontando as lanternas para o palco. O vocalista deu tudo, até demasiado, deixando nesse tema parte da voz que não voltaria a recuperar para o resto do concerto, que teve ainda “The Reflex” e “White Lines”.
Houve tempo para riffs de guitarra, para deixar brilhar o baixo de John Taylor e para um encore, moda em vias de extinção nesta coisa dos festivais. “Rio”, de 1982, não foi escolhido ao acaso para terminar a noite. Simon Le Bon nem sempre conseguiu dar à Bela Vista os uivos de outros tempos, mas os Duran Duran cumpriram exatamente o que o público esperava deles: grandes êxitos numa festa revivalista.
A-ha e um charme que continua vivo
Gola alta preta, casaco de cabedal castanho, óculos escuros espelhados. Aprendam, senhores, é assim que um cantor dos anos 80 mantém o charme até hoje. Morten Harket, 62 anos, vocalista dos A-ha, sabia que a maioria não estava ali por causa dele. No entanto, entrou empenhado com “Sycamore Leaves”, cantando-a apaixonadamente para quem a conhecia.
Não se pode dizer que a atuação dos A-ha tenha sido arrebatadora. O recinto estava cheio, mas o ambiente era por vezes apático, denotando-se o pouco conhecimento da obra da banda norueguesa. As reações efusivas foram pontuais, acontecendo quando o público reconhecia as melodias (mesmo não sabendo de que tema se tratava). “Crying in the Rain”, “The Swing of Things”, “Train of Thought” ou “Foot of the Mountain” antecederam “Hunting High and Low”, momento em que Harket conseguiu colocar o público a cantar com ele à capela.
De uma balada para os ritmados “The Sun Always Shines on TV” e “The Living Daylights”, abria-se assim o caminho para “o” sucesso dos A-ha. “Take on Me” fechou a atuação e acendeu a luz nas cabeças de muita gente presente na Bela Vista: “Ah, afinal os A-ha são os tipos desta canção”. O alcance dessa conclusão é irrelevante, tendo em conta que o efeito foi o mesmo: toda a gente a saltar em simultâneo no recinto.
A festa descontraída dos UB-40
Provavelmente a banda que mais destoou no alinhamento do terceiro dia de Rock in Rio e provavelmente a que deixou as pessoas mais felizes. Os UB-40 feat. Ali Campbell (assim é a definição agora, depois de o vocalista ter regressado em 2014, após uma carreira a solo) tocaram enquanto o sol se punha na Bela Vista e o seu reggae, vindo lá do fim dos anos 70, embalou o público que, ora sentado, ora em pé, dançava lenta e descontraidamente.
“Here I Am (Come and Take Me)” foi o tiro de partida. O público agarrou e deixou-se ficar a ouvir a voz de Campbell, incrivelmente segura mesmo após todos estes anos. Os UB-40 sempre deram um toque de reggae a temas conhecidos de outros artistas e é essa a fórmula que continua a fazer sucesso.
A mancha de público cantou com eles “Purple Rain”, de Prince, que chegou depois de “The Way You Do the Thing You Do”, “Grooving” e “One in Ten”. “Can’t Help Falling in Love”, de Elvis Presley, foi entoado em conjunto por milhares de pessoas enquanto, no ecrã, surgiam imagens de casais a beijarem-se na Bela Vista. Os UB-40 deram mais do que provavelmente se esperava e deixaram no ar uma energia descontraída a uma festa demasiadas vezes adiada pela pandemia. E, como se brindassem exatamente a isso, foi com “Red Red Wine” que se despediram.
O entusiasmo de Rossdale não acompanhou a pobre setlist
Eram 17 horas quando se ouviram os primeiros acordes no palco mundo e estourou “Kingdom”. Gavin Rossdale apareceu a correr do fundo do palco, com uma energia a caminho dos 60 anos capaz de envergonhar muitas pessoas com metade da sua idade. O entusiasmo foi mantido ao longo de toda a atuação que, ainda assim, teve sempre qualquer coisa a não bater certo.
Um concerto dos Bush acaba por ser um paralelismo com o percurso da banda britânica. A vontade estava lá, mas faltou-lhes “um bocadinho assim”, como dizia um tal iogurte noutros tempos. Apareceram em 1992, mas ficaram sempre à porta dos pódios do grunge e do rock, aquém do que ambicionavam. Na Bela Vista o alinhamento limitou-se a dez temas, mas essa não foi a pior parte — quem toca a esta hora tem direito a uma hora no máximo. O que não deixou de surpreender foi a decisão de não incluir os grandes êxitos. De “Swallowed” e “The Chemical Between Us” nem sinal. O público estava à espera e bem ficou sem elas.
“Machinehead”, “Quicksand”, “Bullet Holes”, “Blood River”, “Ghosts”. Gavin Rossdale puxou pelos pulmões, fartou-se de andar pelo fosso, cantou mesmo em cima de quem estava encostado às grades e ainda trepou a vedação para correr pelo meio do público que assistia mais acima.
“Vejo os cartazes, vejo as t-shirts, sinto o amor”, disse o vocalista. O amor estava lá, de facto, numa mancha apresentável para um concerto de rock tocado a meio da tarde debaixo de um sol que cegava. Porém, não foi muito diferente do que se sentiu noutros pontos do recinto – a zona do Palco Galp estava completamente cheia para ver António Zambujo e depois para o espetáculo do excêntrico e enigmático Ney Matogrosso.
Voltando a Rossdale, encontrámo-lo com uma Super Bock na mão, porque “os ingleses gostam de cerveja gelada” antes de se dedicar a “Glycerine” só com a guitarra e a própria voz. E, custa muito dizer isto, mas não foi bonito. As notas vinham das entranhas, mas não chegavam incrivelmente afinadas e aquele momento que devia ser de comunhão com os fãs não causou arrepios na espinha. Pior do que isso só mesmo o final. Os músicos aproximaram-se do topo do palco, atiraram baquetas, fizeram uma vénia e correram para os bastidores. Tudo isto enquanto, nas colunas, gravado, tocava um dos seus temas. Não houve despedida em grande, não houve sequer a vontade de esticar o alinhamento até ao último segundo. Foram 53 minutos, aquém da uma hora inteira a que tinham direito.
Nas calças pretas de Gavin Rossdale podia ler-se, bordado: “Aprende com o passado, vive no presente, olha para o futuro”. Os fãs que acompanham os Bush desde sempre provavelmente continuarão por perto. Porém, talvez seja melhor trabalhar com mais afinco no futuro. Setlists destas não conquistam público novo.