Shinzo Abe, antigo primeiro-ministro japonês, morreu esta sexta-feira depois de ter sido baleado durante um comício do Partido Liberal Democrático (PLD) para as eleições parlamentares de 10 de julho. O antigo líder ainda foi levado para o hospital em paragem cardiorrespiratória, mas encontrava-se em estado muito grave e tinha perdido uma grande quantidade de sangue. Ao fim de quatro horas e meia a receber assistência médica e transfusões sanguíneas, acabou por morrer.

Agora com 67 anos, Abe ficou conhecido por ter sido primeiro-ministro do Japão mais tempo em funções. Curiosamente, o primeiro-ministro que mais tempo tinha ficado no cargo antes dele foi seu tio-avô, Eisaku Sato — entre 1964 a 1972. Na verdade, a história do Japão é marcada por líderes de governo que se mantém pouco tempo no cargo.

Foi primeiro-ministro entre 2006 e 2007, durante pouco mais de um ano, e novamente entre 2012 e 2020. Em ambos os mandatos abandonou o cargo por razões de saúde, mas estes períodos também foram marcados por escândalos, tensões diplomáticas e medidas arrojadas na economia — a “Abenomics”, uma política de estímulos “tudo ou nada”.

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Apesar dos insucessos, Shinzo Abe, que fazia parte da nobreza política japonesa, ainda era considerado uma figura influente no Japão. Era neto de Nobusuke Kishi, primeiro-ministro do Japão entre 1957 e 1960, pelo lado da mãe, e neto de Kan Abe, membro da câmara baixa do parlamento japonês entre 1937 e 1946, pelo lado do pai.

Além disso, era filho de Shintaro Abe, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e o seu irmão mais novo, Nobuo Kishi de 63 anos, é o atual ministro da Defesa. O irmão mais velho, Hironobu Abe, também foi influente, mas na área empresarial: foi diretor executivo e presidente Mitsubishi Shoji Packaging — que produz embalagens e recipientes de papel — até março deste ano.

epa08671879 Japan's outgoing Prime Minister Shinzo Abe speaks to reporters upon his arrival at the prime minister official residence in Tokyo, Japan, 16 September 2020. The Liberal Democratic Party's (LDP) new president Yoshihide Suga will take office as Japan's new prime minister later on 16 September. EPA/JIJI PRESS JAPAN OUT EDITORIAL USE ONLY/ NO ARCHIVES

Shinzo Abe fazia parte de uma família com grande influência na política do Japão

Política em todos os momentos da vida

Shinzo Abe nasceu a 21 de setembro de 1954, em Tóquio, numa família com fortes ligações à política nacional. Não é por isso de estranhar que tenha estudado Ciências Políticas na Universidade Seiki, de Tóquio, e depois na Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos.

Iniciou-se na vida política em 1982, como assessor do pai, que era então ministro dos Negócios Estrangeiros. Depois de o pai morrer, em 1991, foi eleito para o assento parlamentar que este tinha na prefeitura de Yamaguchi, em 1993.

No ano 2000, foi nomeado vice-secretário-geral do Partido Liberal Democrático. Foi nessa posição que acompanhou o primeiro-ministro Junichiro Koizumi a Pyongyang, em 2002, para se encontrar com o então líder norte-coreano, Kim Jong-il. A ideia era negociar a libertação de cidadãos japoneses que teriam sido raptados por agentes norte-coreanos e conseguiram. O impacto que este momento teve na sua carreira, marcou as relações hostis com a Coreia do Norte.

Shinzo Abe To Stand For Prime Minister

Shinzo Abe e a mulher junto ao túmulo do pai, Shintaro Abe, que morreu em 1991

Descrito como um nacionalista conservador, tornou-se chefe de governo, pela primeira vez, aos 52 anos: o mais jovem da história do país no pós-guerra. Deixou a sua marca durante o segundo mandato (2012-2020) com uma política ousada de recuperação económica e uma intensa atividade diplomática. Ainda assim, para os grandes objetivos do seu mandato — acabar com o pacifismo pós-guerra e lançar a economia — conseguiu apenas vitórias parciais.

Shinzo Abe tornou-se conhecido a nível internacional sobretudo pela política económica, apelidada de “Abenomics”, lançada no final de 2012 e que combinava a flexibilização monetária, estímulos fiscais maciços e reformas estruturais. Conseguiu alguns êxitos, tais como um aumento significativo da taxa de participação das mulheres e dos cidadãos idosos na força de trabalho, bem como um maior recurso à imigração face à escassez de mão-de-obra. No entanto, sem reformas estruturais suficientes, a “Abenomics” só produziu êxitos parciais.

Shinzo Abe conseguiu manter-se no poder, apesar das polémicas, em parte devido à ausência de um sério rival dentro do seu partido e da fraca oposição, que ainda não recuperou da desastrosa passagem pelo poder entre 2009 e 2012. A única “oposição” que encontrava era dentro de casa: Akie Matsuzaki, com quem casou em 1987, tinha algumas convicções opostas às suas.

As forças militares e a diplomacia

Uma das suas ambições mais importantes era a de rever a Constituição pacifista japonesa de 1947, escrita pelos ocupantes norte-americanos e não mais mais alterada desde então, mas não foi bem sucedido. Esta mesma constituição já tinha recebido a oposição do avô Nobusuke Kishi — acusado de crimes de guerra pelos americanos sem nunca, porém ter sido presente em tribunal.

Shinzo Abe ainda conseguiu, em 2015, aprovar uma legislação que autorizava missões de combate no estrangeiro, ao lado das tropas aliadas. A expansão das missões das Forças de Auto-Defesa Japonesas e o reforço da luta contra o terrorismo, causaram controvérsia no Japão, levando mesmo a grandes manifestações, raras no país.

Tendo construído parte da sua reputação com base na posição dura sobre a Coreia do Norte, Abe também assumiu um Japão descomplexado com o passado: em particular, recusou-se a carregar o fardo do arrependimento pelos abusos do exército japonês na China e na península coreana na primeira metade do século XX. No entanto, absteve-se de visitar, como primeiro-ministro, o santuário Yasukuni de Tóquio, um foco do nacionalismo japonês, depois da sua visita a esse templo no final de 2013 ter indignado Pequim, Seul e Washington.

G20 summit

O antigo primeiro-ministro manteve muito boas relações com Donald Trump e foi o primeiro chefe de governo a visitá-lo depois da tomada de posse

As relações entre Tóquio e Seul deterioraram-se no contexto das suas disputas históricas. Ainda assim, o Presidente sul-coreano, Yoon Suuk-yeol, expressou as suas condolências classificando o ataque a Shinzo Abe como “um ato criminoso imperdoável” — um ato já condenado pelos líderes mundiais.

O antigo primeiro-ministro tentou uma aproximação à China, com uma visita em 2018, a primeira de um chefe do governo japonês em sete anos. Mas as relações já tensas com Pequim não melhoraram e Abe era uma figura impopular no país devido à aproximação aos Estados Unidos. Assim que o ataque foi tornado público, multiplicaram-se os vídeos e comentários jocosos na rede social chinesa Weibo e na conta TikTok da CCTV, apoiada pelo governo chinês.

Com o grande aliado do Japão, os Estados Unidos, Abe sempre se adaptou e tinha conseguido estabelecer laços estreitos com o ex-Presidente norte-americano Donald Trump, com quem partilhava uma paixão pelo golfe. Também já tinha recebido Barack Obama quando este se tornou o primeiro Presidente norte-americano a visitar Hiroshima depois dos ataques com a bomba atómica.

Shinzo Abe também tentou não hostilizar o Presidente russo. Mas as tentativas de resolver a disputa sobre as Ilhas Kuril do Sul, anexadas pela União Soviética no final da Segunda Guerra Mundial (e que não mais regressaram à soberania do Japão), fracassaram — tal como já havia acontecido ao seu pai. Ainda assim, Vladimir Putin apresentou as condolências à família falando de Abe como um “estadista notável” que “fez muito pelo desenvolvimento de boas relações de vizinhança entre os dois países”.

O ex-governante também tentou reforçar a presença do Japão na cena internacional, por exemplo, através da mediação entre o Irão e os Estados Unidos, promovendo o multilateralismo e aumentando os acordos de comércio livre.

Tokyo 2020 Olympic Games One Year To Go

As ambições de Shinzo Abe para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 acabaram por ser frustradas pela pandemia

Escândalos, pandemia e olímpiadas à porta fechada

A reputação de Shinzo Abe e da mulher, Akie , assim como a do então ministro das Finanças, ficaram manchados depois de os seus nomes terem sido removidos de documentos relacionados com a venda de um terreno do Estado, a um preço quase dez vezes inferior ao do mercado, a favor de uma instituição educativa privada com ligações a Abe e à mulher.

Em 2020, pediu desculpas no Parlamento por um escândalo relacionado com o financiamento de receções organizadas para os seus partidários, apesar da Justiça ter decidido não apresentar acusações contra Abe.

No verão de 2020, quando se tornou impopular devido à gestão da pandemia de Covid-19, considerada desastrosa pela opinião pública, admitiu que sofria de uma doença inflamatória intestinal crónica, colite ulcerosa, e demitiu-se pouco tempo depois. Esta doença tinha já sido uma das razões para o fim abrupto do primeiro mandato em 2007.

Por outro lado, manteve-se durante muito tempo focado na esperança de organizar os Jogos Olímpicos de Tóquio no verão de 2020, que seria o ponto alto do seu último mandato, contrariando a maioria da opinião pública. Os Jogos Olímpicos de Tóquio acabaram por ter lugar um ano mais tarde, mas à porta fechada.