É um cliché, é um lugar-comum e é uma certeza. Contudo, não deixa de ser importante referi-lo, sublinhá-lo e repeti-lo: há 10 anos, há 15 anos, há 20 anos, este sábado seria impensável para qualquer jogadora de futebol em Portugal. Este sábado, Portugal marcava presença num Europeu de futebol feminino pela segunda vez. Este sábado, Portugal aparecia na alta roda do futebol feminino pela segunda vez. Este sábado, Portugal recolhia os louros de um trabalho duro e prolongado pela segunda vez.

Depois da histórica participação no Europeu de 2017, onde não passou da fase de grupos mas carimbou uma vitória inédita contra a Escócia, a Seleção Nacional falhou o apuramento direto para o Europeu de Inglaterra ao perder no playoff decisivo com a Rússia. Contudo, graças à exclusão de todas as seleções russas e bielorrussas das competições por parte da FIFA na sequência da invasão da Ucrânia, Portugal foi repescado e assegurou a segunda presença consecutiva em fases finais de Europeus.

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O problema — ou um dos problemas — foi o grupo onde a seleção portuguesa foi parar. Caindo diretamente no Grupo C, cruzou com os Países Baixos, atuais campeões europeus, a Suécia, uma recorrente candidata a uma presença na final, e a Suíça, a adversária teoricamente mais acessível. E era precisamente contra a Suíça, 10 lugares acima da Seleção Nacional no ranking mas também a realizar apenas a segunda participação em Europeus, que Portugal se estreava este sábado na competição.

Em Leigh, na região de Manchester, Francisco Neto não podia contar com Andreia Jacinto, que se lesionou antes da viagem para Inglaterra e foi substituída por Suzane Pires, e também não tinha Kika Nazareth no onze inicial, já que a avançada do Benfica só fez um treino em território inglês devido a uma amigdalite. Portugal — cuja convocatória contava com 14 repetentes na competição e nove estreantes — atuava então com Dolores, Andreia Norton e Ana Borges (que igualava Carla Couto como a mais internacional de sempre) no meio-campo e Tatiana Pinto no apoio mais direto a Diana Silva e Jéssica Silva, sendo que esta última fazia o primeiro jogo em Europeus depois de ter falhado o de 2017 por lesão. Do outro lado, o destaque ia para a capitã Lia Wälti, jogadora do Arsenal que chegava este sábado à 100.ª internacionalização, e para a goleadora Ana-Maria Crnogorčević, avançada do vice-campeão europeu Barcelona.

“Sem dúvida nenhuma que é um jogo de pormenores e, quando assim é, há que aproveitar os erros uns dos outros. Temos de cometer o mínimo de erros possíveis e aproveitar os erros da Suíça ou provocá-los. Agora, se será com a linha mais alta, com a linha mais baixa, com mais bola, com menos bola… Só lá é que vamos saber”, disse o selecionador nacional na antevisão da partida, vincando o facto de Portugal aparecer no Europeu vindo de quatro jogos sem perder e de a Suíça não ganhar há cinco partidas.

O sonho, porém, depressa se tornou um pesadelo. Com uma entrada totalmente desastrosa e adormecida, Portugal sofreu dois golos em cinco minutos e colocou desde logo em causa qualquer possibilidade de futuro na competição: Coumba Sow abriu o marcador, com um remate de fora de área num lance em que Inês Pereira parece ter sido mal batida (2′), e Rahel Kiwic aumentou a vantagem de cabeça após um livre cobrado na esquerda (5′). De repente, sem que o jogo quase tivesse começado, a Suíça tinha feito dois golos em dois remates à baliza e deixava a Seleção Nacional em maus lençóis.

Até ao intervalo, Portugal teve naturalmente mais bola, mais presença no meio-campo adversário e mais proximidade com a baliza contrária. A Seleção apostava essencialmente na velocidade de Jéssica Silva, explorando a profundidade na direita do ataque, mas a discrepância física entre as jogadoras portuguesas e as suíças era evidente e crucial. A equipa de Francisco Neto não chegou a criar uma verdadeira oportunidade de golo, apesar de tanto Jéssica Silva como Ana Borges terem tido situações perigosas e de Dolores ter rematado por cima após um canto (35′). No fim da primeira parte, Portugal estava a perder por dois golos de diferença nos únicos remates enquadrados da partida e tinha dificuldades para relançar o resultado — ainda que a Suíça, quase compreensivelmente, também não estivesse a fazer mais do que defender.

Francisco Neto não mexeu logo ao intervalo e a lógica manteve-se, com Portugal a ter mais bola e a jogar praticamente a partir da linha do meio-campo e a Suíça a manter-se expectante para depois responder no contra-ataque. Jéssica Silva teve uma boa oportunidade para reduzir a desvantagem, com um remate que passou ligeiramente por cima (52′), Bachmann esteve perto de marcar do outro lado com um pontapé rasteiro ao lado (53′) e Diana Gomes também falhou o alvo de fora de área logo depois (55′). A Seleção parecia estar a melhorar, essencialmente por ter o meio-campo mais subido e aparecer mais vezes em zonas de finalização, mas continuava a faltar o golo.

Um golo que apareceu, finalmente, ainda antes da hora de jogo. Na sequência de um canto cobrado na esquerda, Diana Gomes apareceu na pequena área a cabecear para defesa de Thalmann e reduziu a desvantagem na recarga (58′), relançando a partida numa altura em que Portugal estava claramente em trajetória ascendente. Menos de 10 minutos depois, surgiu o empate: num lance de insistência, Tatiana Pinto tirou um cruzamento perfeito para a grande área e Jéssica Silva, com um sublime toque de primeira, desviou para voltar a bater Thalmann (65′).

Depois do empate, a Seleção Nacional prolongou o ascendente que vinha a demonstrar desde o início da segunda parte e dominou por completo a Suíça, explorando muito a profundidade nos corredores com Joana Marchão e Catarina Amado e apostando em processos mais simples mais de qualidade técnica notória e elevada. O selecionador suíço foi o primeiro a mexer, lançando Lara Marti a pouco menos de 20 minutos do fim, e Francisco Neto respondeu com a entrada de Kika Nazareth para o lugar de Ana Borges. No último quarto de hora, Portugal começou a pagar a fatura do esforço físico da segunda parte e as suíças conseguiram reequilibrar as dinâmicas, com Reuteler a ficar perto de marcar com um remate à trave (80′).

Até ao fim, Fátima Pinto e Telma Encarnação ainda entraram, Catarina Amado evitou o golo de Sow com um corte extraordinário (84′), Encarnação acertou no poste (88′) e o resultado não voltou a alterar-se. Portugal assinou uma segunda parte de luxo para esquecer os cinco minutos iniciais de autêntico pesadelo, conseguiu evitar a derrota mas acabou por sair da estreia no Europeu com um empate que sabe a pouco tendo em conta a superioridade demonstrada após o intervalo. O apuramento para os quartos de final está agora ainda mais difícil, recordando que as restantes adversárias são os Países Baixos e a Suécia, mas a Seleção deixou uma imagem para lá de positiva antes de defrontar as neerlandesas na próxima quarta-feira (20h).