O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) tem sido aplicado pelo sistema judiciário de Macau “em moldes que não são consistentes”, avisou esta quarta-feira o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas numa reunião com representantes da região administrativa.
Numa sessão de duas horas, realizada por videoconferência, o Comité dos Direitos Humanos da ONU, reunido em Genebra, na Suíça, questionou uma delegação do território chinês, liderada pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, sobre a implementação do PIDCP no território.
Parece que o PIDCP tem sido aplicado pelo sistema judiciário em moldes que não são consistentes com o seu significado, conforme interpretado e refletido na jurisprudência desta comissão”, alertou o membro Christopher Arif Bulkan.
O advogado guianês, o primeiro de quatro elementos do comité a questionar a delegação de Macau, mencionou vários exemplos, nomeadamente as decisões do Tribunal de Última Instância (TUI) quando, em 2021, proibiu uma vigília em homenagem às vítimas do massacre de Tiananmen ou, num outro momento, confirmou a exclusão de candidatos pró-democracia à corrida para o parlamento local.
“Em todas estas instâncias, o pacto foi mal interpretado”, notou Bulkan.
As decisões do TUI, apontou ainda o responsável, “sugerem que as várias instituições [de Macau] não estão familiarizadas” com a convenção. E questionou: “Como é que o conhecimento deste mesmo acordo é divulgado na sociedade?”.
Liu Dexue, da Direção dos Serviços para os Assuntos Jurídicos de Macau, explicou, que, “de forma a proteger os direitos humanos e implementar” este pacto, o Governo local tem dado “grande atenção à sensibilização e formação de juízes e de quem aplica a lei”, tendo já organizado uma série de palestras e ‘workshops’ com cerca de um milhar de participantes.
Liu Dexue acrescentou que, de acordo com a Lei Básica (mini-constituição do território), o PIDCP é “implementado através das leis de Macau”.
Bulkan não se deu por satisfeito com a resposta: “Macau referiu no relatório [enviado em 2021] que o pacto foi aplicado pelo tribunal em 32 casos. (…) Pode dizer-nos em que casos, para termos uma noção de como é implementado, que direitos estiveram envolvidos e, em particular, se foram encontradas violações ao acordo em alguns desses casos?”
Os representantes de Macau, que vão ter nos próximos dois dias mais duas sessões com a comissão, referiram que esta e outras respostas que ficaram por responder chegarão à ONU por escrito.
Shuichi Furuya, também membro do comité, sublinhou na sessão o facto de a lei da prevenção e combate à violência doméstica, de 2016, não contemplar casais do mesmo sexo.
O responsável japonês quis saber que medidas é que a região está a tomar para o “reconhecimento legal de pessoas transgénero” e para que este grupo possa alterar a identificação de género nos registos de nascimento ou documentos de identidade.
O secretário para a Administração e Justiça da região administrativa especial referiu que estes são temas “controversos em sociedades orientais, profundamente influenciadas por valores e culturas tradicionais” e que “Macau não é exceção”.
Sem a formação de um consenso social, será difícil conseguir o apoio do corpo legislativo para alterar leis. Por isso, é necessário levar a cabo um diálogo inclusivo”, considerou Cheong.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é um dos instrumentos que constituem a Carta Internacional dos Direitos Humanos da ONU.
Em 1992, quando Macau era ainda um território administrado por Portugal, Lisboa procedeu à extensão desta convenção à região.
Embora a China tenha assinado o tratado em 1998, nunca o ratificou, não estando vinculada às normas aí presentes.