Mais de 47 mil portugueses registaram numa década o seu testamento vital, documento através do qual qualquer adulto pode manifestar de livre vontade os cuidados de saúde que pretende ou não receber quando estiver incapaz de expressar a sua vontade.
A 16 de julho de 2012 foi publicada em Diário da República a lei que veio regular as Diretivas Antecipadas da Vontade sob a forma de Testamento Vital, bem como a nomeação do chamado Procurador de Cuidados de Saúde e criar o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV), que entrou em funcionamento dois anos mais tarde.
Desde 2014, foram registados cerca de 47.487 testamentos, sendo que mais de 21.800 foram outorgados por mulheres, segundo dados avançados à agência Lusa pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
Nos primeiros seis meses deste ano, 7.300 portugueses registaram o documento num dos muitos balcões do RENTEV espalhados pelo país ou enviaram por correio.
A região de Lisboa e Vale do Tejo tem o número mais elevado de testamentos vitais registados (19.218), seguindo-se o Norte (14.531), o Centro (6.668), o Algarve (2.485), o Alentejo (1.696), a Madeira (1.024) e os Açores (723).
Segundo os dados, as faixas etárias com maior número de registos ativos de testamento vital, que tem uma validade de cinco anos e pode ser renovado, situam-se entre os 65 e os 80 anos e entre os 50 e os 65 anos.
Em declarações à agência Lusa, Rui Nunes, principal mentor do testamento vital e presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), recordou os “dois grande argumentos” que levaram a associação a apresentar a proposta da criação do testamento vital.
O primeiro foi por uma questão de direitos humanos, ou seja, para dar a possibilidade aos homens e mulheres de fazerem escolhas livres em matéria de cuidados de saúde” e, por outro lado, “criar uma ferramenta que ajudasse médicos e médicas a decidir melhor”, disse o médico e professor na Faculdade de Medicina na Universidade do Porto.
Apesar dos testamentos vitais já somarem “algumas dezenas de milhar”, considerou não ser “especialmente relevante o número absoluto”, até porque há muitos documentos registados nos notários que não estão no sistema.
Rui Nunes realçou a importância desta ferramenta que “ajuda a todos”. “Damos aos portugueses e portuguesas a possibilidade de exercerem a sua autonomia no fim da vida e, ao mesmo tempo, aos médicos e médicas a possibilidade de interpretarem adequadamente a vontade dos doentes para se sentirem mais confortáveis na prática clínica”.
Fazendo um balanço de 10 anos desta lei, afirmou que “é uma enorme mais-valia”, porque mostra que Portugal é “um país no caminho da civilização e desenvolvido”.
É evidente que estes números também devem ser um sinal de alerta de que todos devemos, no fundo, ter um papel mais proativo em matéria de literacia em saúde, para que possamos melhor informar as pessoas sobre a existência do testamento vital” porque haverá muitos portugueses que gostariam de o fazer, mas não sabem que há essa possibilidade.
Para o especialista, é preciso ir mais longe e haver “uma mobilização nacional” de educação para a saúde sobre o testamento vital que é voluntário e gratuito.
Este tem que ser o nosso caminho. E, obviamente, a comunicação social tem um papel central, porque os organismos públicos da saúde, por si só, não conseguem cumprir essa tarefa”, disse, defendendo também que os hospitais e centros de saúde devem ser mais proativos em divulgar a existência do testamento vital.
Para Rui Nunes, é preciso que “o sistema de saúde seja reforçado, a profissão médica acarinhada, porque, obviamente, se os médicos não têm as condições adequadas de trabalho, como hão de cumprir esta outra missão de informar a população”.
Disse ainda estar convicto de que se esta “estratégia multifacetada” for desenvolvida o número de testamentos vitais vai “crescer exponencialmente”.
“Uma estratégia destas a uma década vai fazer com que 60 a 70% da população adulta e sénior tenha um testamento vital”, sublinhou.