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O SBSR voltou a ser do rock com os Foals

Este artigo tem mais de 2 anos

No último dia do festival, os britânicos Foals mostraram ter a atitude certa com uma dose valente de rock, naquele que foi o concerto do dia. Já Mayra Andrade elevou a temperatura com doçura festiva.

Os Foals foram os cabeças de cartaz do terceiro e último dia do Super Bock Super Rock, no Parque das Nações
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Os Foals foram os cabeças de cartaz do terceiro e último dia do Super Bock Super Rock, no Parque das Nações

MELISSA VIEIRA / OBSERVADOR

Os Foals foram os cabeças de cartaz do terceiro e último dia do Super Bock Super Rock, no Parque das Nações

MELISSA VIEIRA / OBSERVADOR

Há muito que o Super Bock Super Rock é rock apenas no nome. As últimas edições do festival têm sido focadas noutros géneros musicais, sobretudo o hip-hop e o trap, para grande desalento dos fãs rockeiros, que lembram com saudade os tempos em que o cartaz era da “pesada”. Este sábado à noite, o evento voltou a ser um “bocadinho” do rock, com o concerto explosivo dos Foals. O alinhamento da banda britânica, conhecida por canções que habitualmente passam na rádio, foi uma surpresa — depois de uma primeira parte dedicada aos temas mais comerciais, os Foals viraram o jogo e ofereceram uma dose de puro rock. Houve handbanging, um circle pit (rói-te de inveja, DaBaby) e zero aborrecimento.

Os Foals subiram ao palco principal do Super Bock Super Rock pelas 22h35, depois dos Capitão Fausto, que deram um concerto especial com o maestro Martin Sousa Tavares e uma pequena orquestra. Foi uma mudança brusca de sonoridade na Altice Arena — do rock leve e cantável da banda de Lisboa, passou-se para a explosão sonora dos britânicos. A banda de dance-rock abriu com “Wake Me Up”, tema do mais recente disco de originais, Life Is Yours (2022), que tem aparecido em primeiro lugar no alinhamento dos últimos concertos. Seguiu-se “Mountain at My Gates”, uma viagem no tempo até ao quinto álbum, What Went Down (2015), e “Runner”, mais recente, de 2019.

Depois de “Spanish Sahara”, talvez um dos temas mais conhecidos da banda, os Foals abraçaram o rock puro, com uma série de canções velozes, dominadas por guitarras distorcidas. O público deixou-se conquistar e abriu um circle pit junto ao palco. Era um círculo modesto, mas ilustrava bem o ambiente que os britânicos conseguiram criar dentro do pavilhão — e sem ser preciso apelar ao mosh, como fizeram alguns rappers no dia anterior. A reação foi espontânea e, por isso, mais significativa — quando as coisas funcionam, não é preciso forçar; tudo acontece de forma natural, e isso é bonito de se ver.

MELISSA VIEIRA / OBSERVADOR

“Inhaler”, “Black Bull” e “What Went Down”, uma sequência maravilhosamente escolhida, que serviu para mostrar a qualidade dos Foals enquanto banda ao vivo. Os temas ganharam uma nova vida, repleta de energia. A atuação atingiu o ponto alto na despedida, “Two Steps, Twice”, do álbum de estreia dos britânicos, Antidotes (2008). Sozinho no palco, Yannis Philippakis, o vocalista, passeou-se de guitarra ao ombro, fazendo ressoar o mesmo riff distorcido. Foi-o repetindo até que, subitamente, a música parou e Philippakis deixou o palco principal do Super Bock Super Rock. Não houve um adeus, um “vemo-nos por aí”, mas o que é que isso importa? O rock não é sobre palavras, mas sobre atitudes — e, este sábado à noite, em Lisboa, os Foals mostraram que a tinham na medida certa.

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Uma tarde de verão com melancolia outonal, cortesia das Golden Slumbers

Começar um dia de festival com as Golden Slumbers é sempre aprazível. O duo formado pelas irmãs Catarina e Margarida Falcão, que se apresentaram este sábado no Super Bock Super Rock com banda completa — acompanhadas por um baterista, um guitarrista e um baixista —, bem merecia a oportunidade de apresentar ao vivo num festival de verão o disco mais recente, I Love You, Crystal, editado este ano e sucessor do já longínquo The New Messiah, de 2016.

O disco mais recente demorou, adiado pela pandemia mas também pelos projetos musicais paralelos de Catarina e Margarida Falcão, a primeira com as suas canções a solo (editadas com o nome artístico Monday) e a segunda com a banda Vaarwell. Quando escrevemos sobre I Love You, Crystal, aquando do lançamento, descrevíamos as canções recentes das Golden Slumbers como “lições de intimidade e harmonia”. No novo disco, a doçura da folk sonhadora das irmãs Falcão cresce, aperalta-se com algum brilho pop na produção e nos arranjos.

Apesar disso, ao vivo, parte do segredo continua a estar em grande medida na relação entre as duas vozes, cantando juntas, inventando sonhos musicados em conjunto. E ainda que a música das Golden Slumbers nos soe mais outonal do que veranil, mais a pedir uma manta no sofá e um aconchego para a chuva exterior do que uma tarde tórrida de sol, deixámo-nos embalar por aquela intimidade partilhada em canções como “South America”, a belíssima “I Love You, Crystal” (arriscamos dizer: a melhor canção gravada pelo duo), “Daughter” e “Dance Off”, esta última a juntar um balanço mais gingão e soulful ao concerto.

O concerto das Golden Slumbers no palco exterior do festival Super Bock Super Rock, este sábado, 16 de junho

Melissa Vieira / Observador

Na ponta final do concerto, Catarina Falcão aproveitou para elogiar a organização “por montarem isto em dois dias”, acrescentando-lhe algum humor auto-depreciativo: “Eu demoro uma semana a montar um móvel do IKEA! Não sei como isto aconteceu”. Abandonaríamos o concerto ao som de “Man of the Hour”, num momento em que as guitarras elétricas se ouviam com mais peso e força, para rumar à atuação de Mayra Andrade, que se seguia no palco principal. Saíamos com a impressão de que foi um bom arranque.

Dança, suor, alegria: o “bom bom” que foi o concerto de Mayra

Nos poucos metros entre o palco exterior e a Altice Arena, largávamos a luz do sol para entrar numa sala fechada e também o ritmo musical  mudaria. No interior estava Mayra Andrade, tesouro da canção lusófona, comandante de ritmos afro-festivos, líder de banda luminosa.

Se no exterior tínhamos tido direito a canções íntimas, suaves e pachorrentas, com Mayra Andrade o ritmo acelerou. Acompanhada pela sua banda habitual — teclas, guitarra, baixo e bateria —, a cantora cabo-verdiana (ainda que nascida, por mera coincidência, em Cuba) entrou já com a banda a tocar, arrancando o concerto com “Afeto”, single do seu mais recente disco Manga (de 2019).

Depois de “Terra da Saudade”, também do disco mais recente, Mayra falou pela primeira vez ao púbico, aproveitando para dizer que queria “dedicar cada nota, cada movimento, cada melodia, cada pensamento e toda a minha oração àqueles que estão a sofrer com os incêndios em Portugal”. A festa prosseguia com canções como “Tan Kalakatan” e “Pull Up”, a secção rítmica absolutamente certa no seu balanço gingão, Mayra dançando quando não cantava, ajeitando a longa saia para facilitar os movimentos.

Melissa Vieira / Observador

Agradecendo também ao festival e à organização por a terem desafiado “a estar aqui neste palco”, Mayra seguia para “Vapor di Imigrason”, uma canção que escreveu em França com apenas 18 anos, pouco depois de (aos 17) ter-se mudado para Paris. Foi apenas já fora de Cabo Verde, contou, que compreendeu “todas as canções, e são tantas no repertório da música de Cabo Verde, que falam da despedida, do reencontro, da saudade, da distância, do sacrifício”, lembrando também os seus dois avôs e seus veleiros, que ajudaram “muita gente a emigrar” e “muita coisa a chegar a Cabo Verde”.

Desfilando pelo palco, dançando ao som da música e pontuando-a com as suas palavras certeiras, Mayra ainda passou por um funaná mais antigo e pela canção que deu título ao seu último disco (“Manga”), que acabou com a guitarra em modo festa quente de verão.

Mas o concerto não terminaria sem o chocolate gostoso de “Bom Bom”, colaboração recente com Batida (Pedro Coquenão) apresentada pela primeira vez ao vivo e um ponto alto do concerto, anunciado como “um hino para as pessoas, para a humanidade, pela esperança e pela dignidade” — e que bom foi ouvir aquelas palavras primeiro quase ditas, depois alegremente cantadas (o bom vai vir / eu sei). Mesmo a fechar, o recuo ao passado para resgatar “Lua”, do disco Navega (de 2006), a Altice Arena já de braços no ar e milhares de corpos inteiramente libertados pela música, a dança a propagar-se pela sala inteira e Mayra Andrade junto ao público, em comunhão com uma arena em ebulição. O suor final em cada rosto mostraria que esta foi uma aposta ganha. Não o é sempre com Mayra?

Capitão Fausto e Martim Sousa Tavares: porquê?

Há bandas cuja música se presta naturalmente a um concerto com orquestra — e depois há os Capitão Fausto. A banda de rock de Lisboa decidiu juntar-se ao maestro Martim Sousa Tavares e apresentar um espetáculo “único” no último dia deste Super Bock Super Rock. O encontro não foi feliz. As canções dos Capitão Fausto não ganharam absolutamente nada com o acrescento de alguns instrumentos clássicos. Antes pelo contrário — acompanhada pela pequena orquestra dirigida por Sousa Tavares, a banda soou quase datada, como se tivesse sido tirada de uma qualquer edição do Festival da Canção dos anos 60. A sonoridade mais rock foi atirada para debaixo do tapete e substituída pelo som de trompetes e saxofones, que deu aos Capitão Fausto um “ar” de banda de talk show ultrapassada.

Melissa Vieira

Mas nem tudo foi mau — houve momentos francamente bonitos, como as belíssimas introduções composta por Sousa Tavares para os temas do alinhamento deste sábado, como “Amor, a Nossa Vida”, do A Invenção do Dia Claro (2019), ou “Boa Memória”, do mesmo disco.

O problema era quando o resto da banda entrava e a discrepância fazia-se sentir. “Certeza” foi talvez a canção que funcionou melhor, mas o mesmo não se pode dizer de “Recomeçar”, originalmente com Tim Bernardes, ou “Lentamente”, que abriu o concerto, pelas 21h05, no interior da Altice Arena. Com alguma sorte o ato “único” desta noite, no palco Super Bock, não passará disso mesmo — de um ato único, que não se voltará a repetir.

The Woodkid: o R&B operático de um crooner francês destes tempos

Depois de Capitão Fausto e Foals, e antes de Jamie XX, o público encaminhou-se em romaria para a Sala Tejo da Altice Arena. Lá avançámos no pára-arranca pedonal até chegarmos ao palco onde nos esperava Woodkid, francês que para além dos créditos como realizador (fez, por exemplo, a direção de telediscos de Katy Perry, Taylor Swift, Lana Del Rey e Harry Styles) e designer gráfico, é também cantor e compositor, tendo já dois álbuns editados: The Golden Age, lançado em 2013, e o mais recente S16, de 2020.

À sua música têm sido atribuídas classificações como “art pop”, “neofolk” e “pop de câmara”. Em palco percebemos melhor porquê. Yoann Lemoine, assim se chama na verdade “Woodkid”, apareceu em palco acompanhado por um baterista e outro percussionista — essenciais no seu som, garantindo força e peso necessários para elevar as melodias — e por uma secção de cordas em que o violino tem especial protagonismo.

Num ecrã de grande dimensão colocado na retaguarda de palco, íamos vendo ao longo do concerto projeções constantes, criando um cenário de efeitos especiais e de espectacularidade imagética. O protagonista, ou colocado numa plataforma elevada junto ao ecrã ou na dianteira do palco, ia entoando as canções como um “crooner” peculiar, cantando as suas canções de amor e desamor, espécie de baladas R&B operáticas, a intimidade das suas confissões a flirtar com a grandiosidade épica dos batuques violentos e das cordas.

Melissa Vieira

Lembrando que este fora “um dos primeiros festivais que fizemos quando lancei o meu [primeiro] disco”, o que o deixava hoje “muito feliz”, Woodkid ia interpretando canções como “I Love You” e “So Handsome Hello”, encarando o público de frente, de dedo em riste e braço bem erguido no ar. Quando o ouvimos cantar “In Your Likeness”, o palco todo escuro à exceção do protagonista iluminado por um holofote, percebemos melhor o apelo da sua música: suficientemente emotiva para derreter corações, suficientemente original nas orquestrações para se diferenciar das baladonas pop mais corriqueiras.

Foi um prelúdio para Jamie XX que pareceu agradar o público, que da Sala Tejo deslocou-se para o palco principal para, entre as 0h45 e a 1h05 (consoante a devoção a Woodkid justificava ou não a permanência até ao fim), ouvir o músico britânico dos The XX apresentar as suas canções a solo e um set dançante, dando à Altice Arena o ambiente de discoteca gigante. Não sabemos qual seria a reação a Jamie XX se a atuação fosse no Meco, mas o britânico terá sido um dos menos prejudicados pela mudança de local. Afinal, quem não está habituado a dançar entre quatro paredes noctívagas?

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