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As paixões setecentistas de Gulbenkian

Este artigo tem mais de 2 anos

Ainda que apreciador da arte no sentido intemporal, Calouste Gulbenkian tinha um especial fascínio pelas obras do século XVIII. Na oitava sessão do podcast Only the Best, vamos saber quais e porquê.

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Catarina Gomes Ferreira

Catarina Gomes Ferreira

Uma observação mais atenta ao espólio artístico que Calouste Gulbenkian reuniu ao longo da vida, e que está hoje guardado e exposto no Museu Calouste Gulbenkian em Lisboa, revela um particular interesse do arménio por épocas específicas, sendo o século XVIII um dos períodos que mais o apaixonou.

Esse é o ponto de partida de mais uma sessão do podcast Only the Best, uma parceria em forma de tertúlia quinzenal entre a Rádio Observador e o Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, que tem o historiador Rui Ramos como anfitrião e João Carvalho Dias, diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, como aliado na contextualização histórica do legado do filantropo arménio, que, desta vez, nos vai transportar para a magia dos setecentos, e, em particular para terras de Sua Majestade, pois a National Gallery de Londres tem um papel fundamental na aventura de Calouste enquanto colecionador, não apenas por aquilo que significou, mas também pelo que poderia ter representado.

Definição de um colecionador

Em termos artísticos, é, como já referimos, notória a presença de obras do século XVIII na coleção de Gulbenkian. Esse facto é a razão para que nesta sessão falemos “desse período que fascinou Calouste e que o levou a adquirir não apenas pinturas, como mobiliário e ourivesaria setecentista”, diz Rui Ramos. Mas, importa saber, o que é que a arte do século XVIII europeu tinha para interessar tanto o arménio, assim como o que é que esse gosto nos diz sobre Gulbenkian enquanto colecionador”, questiona o anfitrião do podcast Only the Best.

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“Em finais do século XIX e o início do século XX, período que corresponde ao colecionismo de Gulbenkian, consolidou-se o gosto pelas artes decorativas do Beau Siècle, o século XVIII”, refere João Carvalho Dias, “e, para alguém como Gulbenkian que valorizava o virtuosismo artístico, a nobreza dos materiais e a proveniência dos objetos e sua história (muitos de origem real), as artes do século XVIII possuíam um fascínio particular e eram sinónimo de grande valor histórico”.

Além das pinturas e outras formas de arte mais ‘mediáticas’, existiam “dois setores mais invisíveis, mas igualmente notáveis em termos da sua qualidade, que eram os livros e as gravuras, sobretudo os mezzotintos (técnica de gravura em que se utilizava uma chapa de cobre ou aço na qual a tinta era retida, sendo depois alisada de forma seletiva nas áreas que teriam tons cinzentos ou brancos, possibilitando a apresentação de matizes sem vestígios de traços de contorno).” No caso dos livros, e para notar a sua presença nas casas da época, por norma, “teríamos de estar atentos à grande vitrina por detrás da sala da ourivesaria; quanto às gravuras, eram expostas menos frequentemente, em complemento com os livros”, acrescenta o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

Jean Deforges, «Cómoda» Foto: Carlos Azevedo

Ligação franco-britânica

Entre as obras datadas do século XVIII reunidas por Calouste Gulbenkian, destaca-se “a coleção de pintura que inclui quadros de pintores franceses, como Jean-Honoré Fragonard ou François Boucher, e ingleses como Thomas Gainsborough. Mas o propósito da minúcia e do pormenor das obras reunidas leva-nos a realçar as paisagens venezianas pintadas por Francesco Guardi na década de 1770”, confessa Rui Ramos.

Isto porque, “entre 1907 e 1920, Gulbenkian adquiriu dezanove obras de Francesco Guardi, reunindo um dos mais importantes conjuntos da obra do pintor no mundo”, adianta o anfitrião do podcast Only the Best, que acrescenta que Guardi, como Canaletto, eram muito populares em Inglaterra, onde aliás Gulbenkian comprou estes quadros”.

Francesco Guardi, «Regata no Grande Canal» Fotografia: Catarina Gomes Ferreira

João Carvalho Dias comenta essa “preferência” de Calouste Gulbenkian, afirmando que “os grandes temas na coleção de pintura reunida pelo arménio são o retrato e a paisagem” e, por isso, “a pintura de Guardi enquadra-se no segundo – as vedute (vistas). Por outro lado, são vistas de Veneza, cidade entreposto de culturas, ponto de charneira entre o Ocidente e o Oriente, onde se fundem costumes, civilizações”, sublinha, e “tudo isto agrada a Gulbenkian. Além disso, “há ainda a mão de Guardi, o genial pintor dos céus magníficos, das festas, e da laguna, ora serena ora agitada (que também encontramos em outras obras da coleção, Félix Ziem, Jean-Baptiste Camille   Corot, ou John Singer Sargent)”.

Tomando como exemplo a obra de Guardi, “os seus quadros, com muitos outros, estiveram expostos na National Gallery de Londres na década de 1930, numa época em que Gulbenkian também confiou a sua coleção egípcia ao British Museum”, contextualiza Rui Ramos.

Aliás, a National Gallery, em Trafalgar Square, “é um dos mais importantes museus de pintura da Europa e do mundo. E o contacto de Gulbenkian com a instituição foi Kenneth Clark, que se ia tornar célebre nos anos 1950 e 1960 através dos seus programas televisivos sobre história da arte”, refere o historiador e anfitrião do podcast Only the Best, referindo ainda que Clark tinha sido, entre 1933 e 1945, diretor da National Gallery”.

Como se desenvolveu a relação entre os dois?”, questiona Rui Ramos, e, por outro lado, sendo “Kenneth Clark um grande entusiasta da ideia de popularizar a arte, de atrair o grande público aos museus, Gulbenkian simpatizava com essa ideia?”.

A partir de 1936, explica João Carvalho Dias, “quando grande parte da coleção de pintura é transferida de Paris para a National Gallery, em Londres, Gulbenkian estabelece uma forte ligação e cumplicidade com Kenneth Clark. O empréstimo de longa duração, que decorreu até 1950, quando as pinturas foram transferidas para Washington, EUA, permitiu que Gulbenkian formulasse várias propostas aos trustees, através de Clark, que chegaram a incluir a construção de uma ala destinada à coleção”, explica o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

Além disso, “à medida que fazia novas aquisições, Gulbenkian enviava as suas pinturas para o Museu de Trafalgar Square. Já por seu lado, Clark sonhava com uma doação, enquanto Gulbenkian ‘ensaiava’ o futuro da coleção, incluindo a ideia de um museu onde as suas obras permaneceriam para usufruto público”, refere Carvalho Dias.

Devido ao cenário geopolítico da altura, “a coleção passou o período da II Guerra Mundial (1939-1945) ao cuidado da National Gallery”, lembra, “e o facto de a arte ser acessível ao grande público agradava a Gulbenkian, daí que a ideia de um museu estivesse na sua mente. Ele próprio era um frequentador de museus, reconhecendo-os como lugares de aprendizagem”, salienta João Carvalho Dias.

Fotografias: Catarina Gomes Ferreira

Um oceano de distância

Esta relação íntima com Inglaterra chegou mesmo a levar Gulbenkian a admitir, em 1938, instalar em Londres um instituto ou uma fundação num edifício junto à National Gallery, para guardar e expor a sua coleção”, indica Rui Ramos. Mas isso não chegou a acontecer. Por que razões?

“Podemos destacar vários fatores que justificam a não concretização deste projeto”, refere João Carvalho Dias, como, por exemplo, “a substituição de Kenneth Clark por Philip Hendy depois da Guerra, que não partilhava as ideias de Clark quanto à construção de um edifício para albergar a Coleção Gulbenkian, pois o arménio queria a sua coleção “sob o mesmo teto”.

Por outro lado, “a National Gallery era uma pinacoteca (museu que contém um acervo de pinturas) e a Coleção Gulbenkian era diversificada, pois incluía múltiplas categorias artísticas”, refere o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, e “Hendy pretendia que a coleção de pintura fosse dispersa pelas salas, segundo a cronologia”.

Mas, “a Gulbenkian não agradava a ideia de os seus quadros partilharem a mesma parede com outros e de diferentes proveniências, pois defendia a unidade da Coleção”, indica Carvalho dias. Além disso, “o mundo tinha mudado, e o esforço de reconstrução no pós-Guerra por terras britânicas estava focado na construção de habitação para os inúmeros desalojados. A solução estaria do outro lado do oceano, em Washington…”

Hoje podemos observar e contemplar as principais pinturas do século XVIII, entre outras obras de arte, reunidas por Calouste Gulbenkian em algumas salas do museu homónimo. Mas, que salas visitar?

João Carvalho Dias indica o caminho. “Essas obras podem ser admiradas nas salas de arte europeia do século XVIII e no espaço dedicado a Francesco Guardi”. Além de pintura e escultura, “estão presentes as artes decorativas francesas, que incluem mobiliário, bronzes, tapeçarias, ourivesaria e arte do livro”, congratula-se.

Na próxima edição, “vamos falar de outro século de arte europeia e da relação de Gulbenkian com outro grande museu, desta vez a National Gallery of Art, em Washington, em terras do Tio Sam. Até lá, e contamos consigo para continuar esta viagem daqui a 15 dias», despede-se Rui Ramos.

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